Série “Gêneros Musicais”: MPB

Bem-vindos a mais um texto da nossa série “Gêneros Musicais”! Hoje vamos embarcar em uma das trilhas mais emocionantes da música brasileira: a MPB, sigla para Música Popular Brasileira. Um gênero que, mais do que uma categoria musical, é uma forma de traduzir o nosso país tão diverso e que, ao mesmo tempo, busca encontrar uma identidade nacional.

Gêneros musicais brasileiros: MPB como expressão da diversidade cultural brasileira.
A MPB representa a alma diversa do Brasil

Apesar de ser questionada nos dias atuais, a MPB é uma música que consegue encaixar-se em diversos momentos da nossa vida: desde a melancolia de um fim de relacionamento até a luta por dias melhores. Além de ser multitemática, ela aparece nas rádios, nas trilhas de novelas, nas playlists do celular, nos violões das praças, nas salas de aula. Por isso, é praticamente impossível não conhecermos alguns dos artistas que consagraram esse gênero tão brasileiro.

Antes de entrarmos no mundo da MPB, devemos lembrar que o nosso objetivo com essa série de textos não é classificar o que é melhor ou pior, muito menos estabelecer uma hierarquia entre tipos de música, mas sim apresentar como diferentes estilos nos tocam profundamente e despertam ideias e emoções. Assim, não estamos atribuindo um valor entre um e outro estilo, mas pensando em como essas músicas podem nos colocar em movimento e desenvolver uma maior sensibilidade às nossas emoções. Para entender melhor essa ideia, recomendamos a leitura do nosso texto de introdução, pois nele abordamos com mais profundidade tais questões e as ideias gerais que guiam nossa visão sobre essa temática.

O que é MPB?

Primeiramente, devemos entender o que é a música popular brasileira. Se, por um lado, para alguns ela parece algo simples, por outro lado, há quem diga que não há, de fato, algo deste tipo, visto as grandes diferenças culturais do Brasil. Por exemplo: o que é mais popular na região Nordeste, a MPB ou o forró? E se formos para a região Centro-Oeste, o que é mais tocado: MPB ou sertanejo?

Se pararmos para pensar nesse aspecto podemos dizer que, de fato, não existe um consenso entre o que é MPB ou não. Além dessa problemática inicial, esse gênero musical esconde um mundo de sonoridades, estilos, influências, e muda de acordo com as gerações. Apesar de essa variação ser natural em todo estilo musical, o que se nota quando pensamos em MPB  é que seria impossível defini-la como um único tipo de ritmo ou mesmo colocá-la dentro de uma “forma” específica.

Frente a isso, é fundamental perceber que a MPB é, antes de tudo, uma categoria histórica, um guarda-chuva que abrange artistas e músicas que dialogam com a cultura brasileira de forma profunda, autoral e, muitas vezes, crítica. Talvez esse seja o melhor ponto de vista para conseguirmos entender o que estamos chamando de música popular brasileira. Em contrapartida, apesar de ser vista como uma música popular, é fato que, dentro dos regionalismos que há no Brasil, esse tipo de música não é predominante em nenhuma região; entretanto, é a que consegue transitar tranquilamente por toda a nação e gerar uma identidade para seus ouvintes.

Festival universitário, representando o MPB Anos 60
Festivais universitários deram voz à nova geração da MPB

Agora que entendemos essa questão, como nasceu a MPB? Suas raízes estão diretamente ligadas ao momento político dos anos 1960, tendo assim, desde sua base, uma forte tendência a refletir sobre os problemas e dilemas do povo brasileiro. Com o tempo, entretanto, a MPB passou a incorporar inúmeros outros gêneros musicais: samba, bossa nova, baião, xote, choro etc. Isso porque seu foco não era o estilo em si, mas a forma de narrar o país com poesia, crítica social e autenticidade. Nesse aspecto, a transformação da MPB ao longo das décadas marca a própria movimentação da sociedade que, passando por mudanças e adquirindo outras mentalidades, faz com que esse gênero esteja sempre em uma metamorfose.

Uma breve história da MPB

Como dissemos, a MPB nasceu de um Brasil que vivia sob forte tensão política. Os anos 1960 foram marcados pelo início da ditadura militar, ocorrida em 1964, e pela forte repressão, principalmente a partir de 1968 com o Ato Institucional número 5. Assim, o país estava mergulhado em uma forte tensão política e, ao mesmo tempo, abraçando o modernismo. Devemos lembrar que nessa mesma década, Brasília foi construída e as capitais brasileiras passaram por reformas urbanas, além do crescimento populacional nas áreas urbanas.

ditadura militar no Brasil

Nesse sentido, o Brasil vivia entre a euforia do modernismo cultural e os ventos da repressão política. Era um momento de efervescência criativa, mas também de rupturas sociais. A juventude buscava novas formas de se expressar, e a música parecia ser a ferramenta perfeita para isso. Foi pensando nessa pluralidade de eventos e tendências que a MPB começou a tomar forma nos festivais universitários, nas canções de protesto e nos discos que misturavam o tradicional com o moderno. O programa “O Fino da Bossa”, apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues, foi um dos palcos dessa nova era. Era ali que as vozes emergentes mostraram ao país que algo diferente estava nascendo.

Elis Regina e jair rodrigues

Podemos afirmar, portanto, que a MPB nasceu de uma miscigenação de ritmos e estilos consolidados. E não podia deixar de ser assim, afinal, nossa nação é o símbolo ideal da diversidade que busca a uniformidade. Assim, a MPB foi moldada pelo encontro de diversos estilos que já fervilhavam no Brasil, como a bossa nova, que trouxe o lirismo para as letras com sua harmonia refinada e seu canto sussurrado; o samba, que deu base rítmica, conectando o popular com as letras rebuscadas; já o baião, o xote e outros ritmos regionais foram sendo incorporados e dando cada vez mais o rosto da brasilidade que existe na MPB.

Além disso, não podemos nos furtar de falar de um dos grandes ícones da música brasileira que ajudou a construir pontes entre a consolidada bossa nova e a nascente música popular brasileira: Tom Jobim. Canções como “Chega de Saudade”, “Garota de Ipanema” e “Águas de Março” ultrapassaram fronteiras e colocaram o Brasil no mapa da música internacional. Garota de Ipanema, por exemplo, é a segunda música mais executada na história, atrás apenas de “Yesterday”, dos Beatles. Isso mostra não apenas o alcance desse grande artista, mas a força da música brasileira.

Além disso, Tom Jobim ajudou a lançar grandes artistas da MPB nos anos 1960 e 1970. Sua música dialogou com vários nomes, como Elis Regina, Chico Buarque e Vinicius de Moraes, expandindo a linguagem da MPB e mostrando que tradição e modernidade podem caminhar juntas. Ao criar uma ponte entre a leveza da bossa nova e a força poética e social da MPB, Jobim ajudou a moldar um repertório que até hoje inspira gerações.

Tom Jobim tocando piano ao lado de Elis Regina
Tom Jobim: elo entre bossa nova e MPB

O resultado foi uma música sofisticada, e ao mesmo tempo erudita e popular, com letras que tratavam de política, amor, desigualdade e a busca pela liberdade. Em um país marcado pela rigidez e perseguição, a MPB foi, para a juventude dos anos 1960 e 1970, uma válvula de escape. Não por acaso, tais artistas cresceram rapidamente, no mesmo compasso da repressão militar. E isso não foi coincidência. Percebida como uma ameaça, a música se tornou uma forma de resistência. Letras cifradas, metáforas sutis e ironias afiadas viraram armas contra a censura. Artistas como Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Geraldo Vandré e Milton Nascimento tornaram-se vozes de uma geração que lutava por liberdade cantando.

Naquele momento a música era uma arma quente contra a repressão militar. Se já não podia protestar e pedir abertamente pela liberdade, nas canções se encontrava uma forma de manifestar o pensamento passando-se por arte. E o povo, mesmo sem entender todas as entrelinhas, compreendia a mensagem. 

Ao longo dos anos, naturalmente a MPB se transformou, como se moldasse seu corpo à medida que o Brasil também se transformava. Por isso, voltamos a insistir: este não é um gênero estático, firmado com bases sólidas e imutáveis. Pelo contrário, sua grande característica é ser dinâmico. Nesse aspecto, cada década trouxe novos desafios, linguagens e influências, e a MPB absorveu tudo isso com uma habilidade quase mágica de se reinventar sem perder sua essência.

Artistas da MPB enfrentando a censura na ditadura militar, famosas música de protesto
MPB como resistência durante a ditadura

A década de 1970, por exemplo, foi talvez uma das mais intensas da MPB. Muitos de seus artistas mais importantes foram exilados, perseguidos e/ou censurados. Ainda assim, era uma era de ouro para a produção musical, mesmo que grande parte das canções não pudesse ser tocada nas rádios. Foi nesse período que discos antológicos foram lançados, muitos deles com forte teor simbólico.

Milton Nascimento lançou a série “Clube da Esquina”, ao lado de Lô Borges, misturando rock progressivo, jazz e música mineira; Caetano Veloso e Gilberto Gil retornaram do exílio, mas trouxeram uma nova abordagem lírica e musical; Elis Regina consolidava sua imagem como a maior intérprete da música brasileira ao cantar as canções de Belchior; e Chico Buarque seguia com sua habilidade de dizer muito com poucas palavras, mesmo com a vigilância da censura.

Nos anos 1980, a ditadura começava a perder força, e o Brasil ensaiava sua redemocratização. A MPB, então, ganhou novas cores. Se antes era marcada por tons escuros de denúncia, agora começava a explorar o cotidiano, as relações pessoais e a esperança no futuro. Foi a era de artistas como Djavan e Oswaldo Montenegro, que trouxeram uma sonoridade refinada com elementos do soul, jazz e funk americano; e Marina Lima, com sua MPB mais urbana, quase roqueira. A crítica social ainda estava lá, mas dividia espaço com a estética, a introspecção e o amor. A MPB passava por um processo de introspecção, mas seguia potente como força cultural.

Capa de discos de MPB dos anos 80 com novos artistas
A nova estética da MPB nos anos 80

É importante notar que cada geração traz, naturalmente, as angústias e suas necessidades de expressão. Os anos 1980 são vistos como uma década de transição, tanto política como social e, consequentemente, essa geração da MPB reflete essa distinção. A liberdade voltava, mas o trauma ainda existia e as influências se caracterizavam na música que, apesar de trazer o novo, ainda bebia muito das décadas anteriores.

Com a chegada da década de 1990, a MPB abriu espaço para fusões ainda mais ousadas. A indústria fonográfica se modernizava, o CD ganhava espaço e o rádio perdia espaço para novas formas de consumo musical. É nesse momento que artistas como Lenine, Marisa Monte, Zeca Baleiro e Adriana Calcanhotto propuseram uma nova abordagem: letras poéticas, mas com uma linguagem mais direta; arranjos sofisticados, mas com apelo popular. A MPB começava a dialogar com o pop, o eletrônico, o reggae e até o rap. 

Foi nesse momento que a MPB ganhou a diversidade em seu esplendor, dando aos artistas carta branca para misturar ritmos à sua vontade, dando um novo formato para o que chamamos de música popular.

Na virada do século, a MPB continuou sua expansão dentro do imaginário musical brasileiro. Bandas como “Tribalistas”, por exemplo, ajudaram a consolidar a brasilidade da música popular brasileira ao misturar ritmos e temas, mostrando toda a plasticidade desse gênero musical. Poderíamos continuar citando outros tantos artistas que, ao longo dos anos, continuam a contribuir com esse legado; porém, não podemos nos estender para além dessas possibilidades. O fundamental é perceber a continuidade desse gênero musical.

O que sentimos ao ouvir MPB? 

Agora que já escutamos algumas canções da MPB, podemos fazer um exercício de reflexão sobre o que sentimos ao escutar tais músicas. Como podemos perceber, a MPB não é um tipo de música que nos leva a dançar. Grande parte dessas melodias, na verdade, são um convite à reflexão, por isso é, em grande parte, um estilo mais calmo e com um ritmo desacelerado. Ainda assim, seu efeito é profundo pois é capaz de tocar o coração de quem a escuta. É impossível ouvir uma canção de Chico Buarque, Elis Regina ou Marisa Monte sem ser atravessado por alguma emoção. E não apenas pelas letras, mas também pelos arranjos e pela interpretação dada por esses artistas.

Mulher ouvindo MPB com fones de ouvido em momento de introspecção e emoção
A MPB como trilha sonora para refletir, sentir e se reconectar com a própria história

Nesse sentido, diferente de outros estilos que buscam o movimento ou uma forma de extravasar as tensões, a MPB é a música da pausa, da calmaria e principalmente da reflexão sobre nossos sentimentos e pensamentos. Por isso, é fundamental prestar atenção na letra, pois nada do que é dito em qualquer música desses artistas é por acaso. Assim, a MPB exige atenção e nos recompensa com beleza e profundidade. Não por acaso, é comum que ela se torne trilha sonora de momentos importantes: uma viagem, um amor, uma despedida, uma descoberta.

Mais do que emoção, a MPB também provoca reflexão. Como já pudemos comprovar, além de refletir sobre nossos sentimentos e emoções, as canções da MPB, em geral, nos fazem pensar sobre momentos que o Brasil viveu, ideias que, por mais que estejam no passado, ainda reverberam no nosso cotidiano. Assim, esse gênero musical transpassa o tempo e faz com que as novas gerações, que não viveram os anos de chumbo ou a década perdida, possam compreender as nuances daquele período a partir das músicas.

Esse tipo de conexão nos faz pensar sobre quem somos, sobre o país em que vivemos, sobre as relações que construímos ao longo do tempo. É essa capacidade de conectar gerações e continuar se moldando a partir de novos contextos que faz com que a MBP continue viva e não tenha parado no tempo. Logo, se quisermos entender o Brasil, uma boa maneira de enxergar o nosso passado e presente é escutar as músicas dos artistas da MPB. Elas revelam as tensões sociais, as transformações políticas, os sonhos coletivos e as dores mais íntimas do país. 

O papel da MPB na formação da identidade brasileira

Frente a todos esses aspectos, voltamos para a discussão inicial deste texto. Sabemos que a identidade de um povo não se constrói apenas com fronteiras geográficas, bandeiras ou documentos oficiais. Esses são aspectos formais, que são importantes demarcadores; porém, não representam o aspecto cultural que se desenvolve no cotidiano de cada indivíduo. Nesse sentido, ter uma música que represente uma identidade nacional é extremamente difícil no caso do Brasil, onde diferentes identidades regionais ganham muita força frente a um pensamento nacional.

Ilustração mostrando a MPB como símbolo de unidade cultural no Brasil com músicos ao redor do mapa do país
A MPB como elo cultural que une as diferentes regiões do Brasil

Entre todas as diferenças que nossas regiões possuem, desde aspectos geográficos, dialetos e formas culturais distintas, a MPB converge para ser um aspecto de uniformidade dentro desse quebra-cabeça de culturas que chamamos de Brasil. É um dos poucos elementos que transitam por todo território e marcam a vida dos milhões de brasileiros, de modo direto ou indireto.

Graças a sua capacidade de se adequar e se misturar com diferentes ritmos, desde os regionais até mesmo os que têm influências de fora do nosso país, a música popular brasileira se mostra como, de fato, o Brasil é: diverso, plural e misturado. É graças a essa característica que a identidade brasileira cantada pela MPB não é homogênea, muito menos idealizada. Pelo contrário, é cheia de contrastes, marcada por conflitos e formas que vão sendo mudadas ao longo de cada geração. Assim, os temas e o repertório mudam, mostrando diferentes faces de um mesmo povo: os que amam e sofrem, os que sonham e lutam, os que choram e dançam. Um Brasil real.

A MPB, nesse sentido, atua como ferramenta de integração nacional. Ela conecta pessoas de diferentes regiões, sotaques e vivências por meio da linguagem musical. Uma música composta no interior de Minas Gerais pode tocar um morador de Belém, no Pará; um samba carioca pode emocionar alguém no sertão nordestino. A MPB torna o Brasil menos distante de si mesmo.

O legado da MPB

A MPB talvez seja uma das expressões artísticas mais duradouras do Brasil. Mesmo com as mudanças tecnológicas, com os novos gêneros musicais, com a efemeridade das redes sociais, ela segue firme, reinventando-se sem perder sua essência. Além de se reinventar, a MPB conseguiu preservar sua história graças à força das letras e dos artistas que, mesmo após décadas, conseguem se manter no ouvido e corações das novas gerações.

Ilustração representando o legado da MPB com gerações unidas pela música brasileira
O legado da MPB: gerações conectadas pela música que traduz a alma do Brasil

Esse efeito não ocorre apenas pela sua plasticidade, mas porque a capacidade de nos fazer refletir é inerente à MPB. Não se trata de canções genéricas, mas de canções que conseguiram gravar na alma do brasileiro sentimentos profundos. A MPB, nesse aspecto, aborda muito mais do que canções sobre o amor, a dor, a injustiça, a saudade, a esperança. Apesar de todos esses temas estarem inseridos nas canções, a maneira pela qual ela abarca todos esses aspectos da vida faz com que possamos vislumbrar o que há de atemporal na arte, feita com um esmero técnico que demonstra o refinamento dos nossos compositores.

Talvez o principal motivo, entretanto, seja porque a MPB é o Brasil cantando a si mesmo. E enquanto houver Brasil, haverá MPB. Portanto, ouvir esse gênero musical é mais do que apreciar um estilo de música: é se permitir mergulhar na identidade de um povo; entender sua trajetória, suas contradições e belezas. É abrir espaço para refletir, sentir e transformar.

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