Bem-vindos a mais um texto da série “Gêneros Musicais”! Hoje vamos explorar a música clássica, um gênero musical que vai muito além das notas harmônicas e belas melodias. Preenchida de formas e estilos por séculos, esse tipo de música toca profundamente a alma de quem o aprecia. Ao mergulharmos nesse universo sonoro, percebemos que, mais do que narrar ideias ou contar histórias, a música que consumimos no cotidiano nos conecta com camadas emocionais sutis e nos conduz a estados de espírito específicos. Por isso, é relevante compreender um pouco mais sobre os gêneros musicais e como essa forma de arte tão presente em nossas vidas pode nos elevar ou nos afundar em nós mesmos.
Visto isso, nosso principal objetivo com esta série é provocar uma reflexão sobre como nos relacionamos com esse tipo de arte e de que maneira somos, muitas vezes, influenciados de forma inconsciente pelas músicas que escolhemos ouvir. Entretanto, para uma compreensão mais ampla dessa proposta, recomendamos a leitura do nosso texto de introdução, pois nele detalhamos os caminhos e propósitos desta reflexão. Dito isto, agora vamos mergulhar no mundo da música clássica.
A origem da música clássica
A música clássica talvez seja um dos gestos artísticos mais delicados e, ao mesmo tempo, mais poderosos que a humanidade já produziu. Ela não apenas atravessa séculos, mas também impacta gerações de seres humanos, refletindo seus anseios, desejos e emoções. Enquanto muitos a tratam como algo do passado, reservado a palácios e a uma elite, quem a escuta com atenção percebe que suas melodias não são uma exaltação de um estilo de vida, mas sim o reflexo da alma humana. Por isso, ainda hoje, continua a ser produzida e reproduzida por diferentes artistas, dando nova vida através do tempo.

Entretanto, não podemos compreender o que é a música clássica sem antes tentar experimentá-la. De fato, se estamos absorvidos pela nossa cultura moderna, será uma tarefa hercúlea manter-se tranquilo para apreciar a beleza desse gênero musical, pois, diferente da música popular, que muitas vezes é construída em torno da letra, da batida repetitiva ou do refrão, a música clássica trabalha com outros tempos e, em geral, com a ausência do canto. Apesar de existirem músicas cantadas, principalmente no formato de ópera, a música, em grande parte de sua história, foi exclusiva dos instrumentos e pouco espaço para o canto, salvo alguns estilos específicos.
Nesse sentido, ao falarmos sobre a origem da música clássica devemos voltar no tempo e observar a própria história da humanidade. A bem da verdade, é quase impossível apontar uma data exata para o início desse estilo musical; entretanto, é no período da Idade Média que podemos começar a reconhecer o embrião do que hoje chamamos de música clássica. A Igreja Católica, como centro intelectual e espiritual da Europa, desempenhou um papel crucial nesse desenvolvimento.
Foi principalmente nos mosteiros que se copiaram os primeiros manuscritos musicais e se preservaram a tradição através de instrumentos e novas técnicas. Enquanto isso, artistas populares desenvolveram um estilo de música lírico, cantado e, muitas vezes, ligado a outras artes como o teatro e a poesia. Dessa forma, foi dentro do mundo eclesiástico que a ciência da música foi realmente desenvolvida. Não por acaso, é justamente nos claustros dos templos que surgiu o famoso canto gregoriano, um gênero musical feito para exaltação de hinos religiosos, que, via de regra, detinham uma técnica apurada, capaz de alcançar notas e formas até então inovadoras dentro da música.
Nesse sentido, este foi o cenário que moldou a música ocidental por séculos. É também nesse período que surgem os primeiros esforços para sistematizar a notação musical (as famosas partituras que usamos nos dias atuais). A partir daí, abre-se o caminho para que, nos séculos seguintes, uma verdadeira tradição musical fosse expandida e ganhasse outros espaços, como os ambientes das cortes e salões da nobreza nos seus palácios.
A evolução e o apogeu da música clássica
Após mil anos de Idade Média, o Ocidente mergulha no período renascentista e a influência da arte greco-romana ganha cores e novos sons em pinturas, esculturas e também na música. É justamente no Renascimento que a música ganha clareza, equilíbrio e um novo olhar para a beleza. O som, assim como as artes visuais da época, busca o ideal de harmonia, e isso produz um tipo de música que versa pela ordem e beleza.

Esse é o primeiro passo da música clássica nos moldes em que a conhecemos. Porém, dentro desse grande gênero musical que chamamos de “música clássica”, existem vários períodos e subgêneros. Podemos citar, por exemplo, o estilo Barroco, próprio do século XVII, que busca retratar a música de modo dramático e intenso, e repleta de contrastes. É uma época de profundidade emocional, em que cada nota carrega uma carga simbólica.
Os compositores não querem apenas encantar ou tocar de modo harmônico, mas principalmente comover o seu público. É nesse tempo que nomes como Bach e Vivaldi demonstram como a música pode ser um ato sublime e criam composições quase espirituais, criando obras que ainda hoje nos inspiram.
Entretanto, a música clássica vai chegar ao auge no período que carrega, inclusive, o seu nome: o período clássico. Cronologicamente, é por volta do século XVIII que a música clássica atinge uma forma de equilíbrio entre emoção e razão, que até hoje é considerada modelo de perfeição entre os músicos.

Compositores como Mozart, Haydn e o jovem Beethoven são os grandes arquitetos desse momento da música. Em suas composições, há uma busca pelo ideal, pela obra perfeita, pela proporção entre as partes, tudo dentro de uma racionalidade quase matemática e, por isso, próxima da perfeição. Ainda assim, essa racionalidade não retira o sentimento da música; ao contrário, é dela que brotam melodias que encantam pela leveza e sofisticação.
Música Clássica vs. Música Erudita
A pergunta que muitos fazem – especialmente quem começa a explorar esse universo sonoro mais profundamente – é: afinal, há diferença entre música clássica e música erudita? A resposta, embora simples na superfície, carrega nuances que merecem ser refletidas com calma.
O termo “música clássica”, de forma geral, é usado popularmente para designar toda a tradição musical que envolve orquestras, partituras complexas, compositores consagrados e uma escuta mais atenta. Nesse aspecto, colocam-se todos os estilos e períodos desse tipo de música em uma mesma categoria, e os chamam, no senso comum, de clássico. Entretanto, do ponto de vista técnico, o termo “música clássica” se refere especificamente a um período da história da música, que está entre o final do século XVIII e o início do século XIX.
Marcada por nomes como Mozart, Haydn e Beethoven, esta é a verdadeira forma da música clássica, que de tão famosa acabou tornando-se uma expressão comum para todos os gêneros musicais que já citamos. Esse foi o chamado “Período Clássico”, que sucedeu o Barroco e antecedeu o Romantismo.

Já a expressão “música erudita” é mais abrangente e tem por objetivo abarcar todos os períodos da chamada “música clássica”. Ela engloba toda a produção musical que segue certos padrões formais, estruturais e compositivos, geralmente associados à tradição escrita da música ocidental. Assim, a música medieval, a renascentista, a barroca, a clássica, a romântica e até mesmo boa parte da música contemporânea de concerto fazem parte da música erudita.
Portanto, toda música clássica é erudita, mas nem toda música erudita é clássica. A confusão entre os termos ocorre porque, fora dos círculos acadêmicos, o adjetivo “clássica” tornou-se uma espécie de sinônimo informal para a música de concerto em geral. Isso, porém, não é necessariamente um problema. O mais importante, talvez, não seja o nome que damos, mas sim o espaço que oferecemos para que essa música viva dentro de nós.
Os grandes compositores da música clássica
Agora que já sabemos diferenciar a música clássica e erudita, podemos desenvolver um pouco mais a relação de alguns dos principais expoentes desse gênero musical. Falar da música clássica sem falar de seus compositores é como tentar entender a pintura sem olhar para as obras dos mestres. São eles que moldam o som, que lhe dão alma, forma e eternidade. E cada um deles, ao compor, deixou um traço único de sua visão de mundo.
Comecemos por Johann Sebastian Bach. Nascido em 1685, na cidade de Eisenach, na Alemanha, Bach cresceu em uma família de músicos e desde cedo demonstrou um talento incomum. Devido à sua desenvoltura na arte, desde criança seu destino estava traçado: ser um dos maiores compositores da humanidade. Sua vida foi marcada por uma disciplina quase monástica e por uma dedicação integral à arte de compor, tocar e ensinar.
Atuando como organista, maestro e professor, passou por diversas cidades, mas foi em Leipzig, onde permaneceu por quase trinta anos e produziu algumas de suas obras mais sublimes. A música de Bach parece falar diretamente com o divino, e essa era sua verdadeira busca. Por sua relação profunda com a religião, seus temas, em geral, retratam a busca humana por se conectar com o divino.
Nesse aspecto, a música de Bach é marcada pela busca por ordem, beleza e transcendência. Para ele, a música não era apenas som: era uma maneira de orar. Seu legado não apenas influenciou gerações de músicos, como também permanece vivo cada vez que uma de suas composições ressoa, nos lembrando de que, por meio da arte, o humano pode tocar o eterno.
Falaremos agora daquele que foi, talvez, o maior músico de toda humanidade: Wolfgang Amadeus Mozart. Nascido em 1756 em Salzburgo, Mozart, assim como Bach, revelou seu dom extraordinário ainda criança, compondo suas primeiras peças aos cinco anos e realizando turnês pela Europa com a família.
Dono de um talento sem igual, fala-se que aos 6 anos de idade já era capaz de executar todas as músicas de Bach com perfeição, algo que um músico comum passaria uma vida para alcançar. Como podemos perceber, Mozart era um verdadeiro prodígio, mas sua genialidade foi muito além do período da infância. Ao longo de sua curta vida (morreu aos 35 anos de maneira abrupta devido a uma febre), ele compôs mais de 600 obras que atravessam praticamente todos os gêneros da música clássica: óperas, concertos, sinfonias, quartetos.
Além do seu aspecto formal, a música de Mozart carrega uma relação com a arte de modo quase visceral: ao escutar suas músicas, percebemos não apenas técnica, mas principalmente a tentativa de nos fazer mergulhar nos sentimentos, nas emoções, nos pensamentos e nas próprias questões existenciais.
Para fechar o ciclo de grandes compositores, não poderíamos deixar de falar de Ludwig van Beethoven, o homem que apesar de perder a audição, continuou a compor. Nascido em Bonn, em 1770, na atual Alemanha, Beethoven também revelou seu talento ainda muito jovem, o que fez a sua vida ser dedicada à música. Não por acaso, no começo de sua vida, ele foi visto como um novo Mozart, o que demonstra o tamanho talento que esse músico possuía.
No entanto, ao longo de sua vida adulta, Beethoven foi perdendo sua audição devido a um problema de saúde. Quando sua surdez começou a se agravar, por volta dos 28 anos, o que poderia ter sido o fim da sua carreira se tornou, na verdade, a grande marca desse mestre da música. Beethoven mergulhou ainda mais profundamente na composição, criando obras que pareciam desafiar os limites da audição; afinal, como era possível compor sem escutar? Graças aos seus conhecimentos e à vivência com a música, Beethoven já não precisava escutar os sons para saber se aquela melodia era bela ou não. Dentro de si, conhecia todos os sons e, por isso, podia apreciá-la apenas lendo partituras.
Visto isso, podemos apontar que sua música é marcada por intensidade e drama. Beethoven compôs algumas das sinfonias mais monumentais da história, como a heroica Terceira e a vibrante Nona, sinfonias que até hoje são tocadas em apresentações e usadas em filmes, séries e até mesmo jogos.
Quais os Benefícios de Ouvir Música Clássica?
Agora que apreciamos um pouco das obras destes grandes músicos, podemos sentir os efeitos da música clássica. Entrar em contato com um estilo tão refinado de música pode nos ajudar a entrar em contato com nossas emoções, nos fazer refletir o que essas melodias despertam em nós e, acima de tudo, nos revelar, por vezes, um gosto pessoal que até então não tínhamos.
Nesse aspecto, escutar música clássica vai além do prazer estético. Há algo nela que nos transforma, como uma alquimia que atua em silêncio, mexendo com nossas emoções, com nossos pensamentos e até com o funcionamento do corpo.
Ao longo dos anos, diversos estudos acadêmicos têm buscado compreender os efeitos dessa música sobre o cérebro humano. Descobriu-se, por exemplo, que determinadas peças podem estimular a concentração, facilitar o aprendizado e até aliviar a ansiedade. O chamado “Efeito Mozart”, ainda que alvo de controvérsias, sugere que ouvir música clássica pode melhorar temporariamente habilidades espaciais e cognitivas.
O fato é que a música clássica nos educa a sentir. Nos dias atuais, se existe algo que precisamos aprender urgentemente, é entrar em contato com nossas emoções, a senti-las. Hoje somos estimulados a viver com velocidade e pouca profundidade, o que nos faz entrar em contato com muitas ideias, mas com pouca relevância para nossa vida. Ao entendermos e escutarmos música clássica, podemos não apenas apreciar uma boa música, mas perceber internamente o que nos faz vibrar, que ideias podem nos tocar.
Para crianças essa experiência é ainda mais poderosa, visto que ainda não estão presas ao ritmo social que os adultos precisam exercer. Assim, introduzir a música clássica na infância é oferecer não apenas um repertório estético, mas também um caminho para o desenvolvimento emocional e cognitivo, o que pode ajudar ao longo das fases de desenvolvimento. Para os adultos, a música clássica também traz benefícios. Nos momentos de estresse, por exemplo, esse tipo de música pode funcionar como um bálsamo, dando possibilidades de canalizar o estresse em uma emoção ou mesmo de aprender a transmutá-lo, acalmando-se.
Frente a isso, o ato de ouvir música clássica pode ser, paradoxalmente, uma forma de silêncio. Um silêncio que não nega o som, mas que cria um espaço de conforto e segurança para podermos conhecer um pouco de nós mesmos. É evidente que esse tipo de relação com a música não nascerá rapidamente, e muito menos em um único contato. É preciso educar-se e conhecer diferentes composições, músicos e estilos.
Esse esforço de entrar em contato com a música clássica é, para muitos, uma barreira intransponível, já que não estamos dispostos a nos dedicar a escutar por tanto tempo esse tipo de música. No entanto, é exatamente pela nossa falta de persistência nesse estilo musical que a música clássica ainda parece pertencer a um outro mundo e que já se assemelha a uma peça de museu do que necessariamente do que um artefato do nosso mundo moderno. Sentimos que ela “parou” em um mundo distante, feito de palácios antigos, teatros imponentes, partituras indecifráveis. Entretanto, a verdade é que ela pode ser, sim, uma companheira íntima da vida cotidiana, desde que saibamos como nos aproximar dela com sensibilidade e curiosidade.
Nesse sentido, apreciá-la no dia a dia é, acima de tudo, permitir-se criar pequenos rituais de escuta. Ouvir uma peça de Bach ao acordar pode transformar o modo como o dia começa. Um noturno de Chopin ao fim da tarde talvez traga a pausa necessária depois de um dia agitado. Dessa forma, não se trata de escutar o tempo todo, mas de encontrar momentos em que a música possa, de fato, ser ouvida e, por suas melodias, guiar o desenvolvimento emocional e cognitivo e/ou transmutar as emoções.
Redescobrindo a música clássica
Chegamos ao fim desta jornada que, como toda boa viagem, nos transformou mais do que esperávamos. A música clássica, com sua riqueza de formas, histórias e emoções, não é uma relíquia de museu. É um organismo vivo, que respira conosco, que fala com nossa alma em idiomas que o tempo não consegue apagar.
Mais do que uma estética, ela é uma forma de ver o mundo. Escutá-la é como reaprender a sentir, reaprender a esperar, reaprender a escutar — o outro, o silêncio, e a si mesmo. É descobrir que há beleza na lentidão, intensidade na sutileza, liberdade na forma. É também perceber que, mesmo em um mundo barulhento e acelerado, há espaço para o que é profundo, para o que é delicado, para o que resiste ao efêmero.
Em um tempo em que somos levados a consumir sons em doses rápidas, a música clássica nos propõe outra experiência: a da permanência, a do mergulho, a da escuta sem pressa. E talvez seja justamente por isso que ela continua a emocionar, mesmo após séculos — isso porque nos convida a sair da superfície e tocar, ainda que por instantes, a profundidade da nossa existência.
Assim, redescobrir a música clássica é redescobrir uma parte de nós mesmos que o ruído do cotidiano quase nos faz esquecer. É um reencontro com aquilo que, mesmo sem palavras, diz exatamente o que precisamos ouvir.
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