O mercado de videogames é um dos mais prósperos do mundo atual, e dentro dele, poucos títulos se tornaram tão icônicos quanto Shadow of the Colossus. Este clássico atemporal não apenas marcou gerações, mas também ajudou a moldar os jogos de mundo aberto com sua abordagem única e poética.
Entretanto, é fundamental lembrar de franquias e jogos que, em outros tempos, marcaram gerações de players e construíram o caminho para que a nova geração de jogos fosse bem-sucedida. Hoje falaremos de um clássico dos videogames que teve esse papel, estamos falando de Shadow of the Colossus.
Lançado originalmente para PlayStation 2 em 2005, o jogo desenvolvido pelo Team Ico não se preocupa em explicar demais, nem em agradar de imediato ao jogador que só quer partir para ação. Usando a estratégia do mundo aberto, em que o player pode explorar diferentes cenários, o jogo nos leva a explorar e conhecer mais do mundo, não dando caminhos “fáceis” nem, como ocorre em alguns jogos atuais, guiando o jogador por todo o caminho, sem o deixar explorar novas possibilidades. Nesse sentido, para aqueles acostumados a jogos desse estilo, Shadow of the Colossus é um bom desafio para fazer pensar e refletir, não apenas jogar, pois é justamente essa diferença que faz desse jogo uma obra inesquecível.
A história de Shadow of the Colossus
Dito isso, é importante conhecermos um pouco da história do jogo. Tudo começa com o protagonista e, naturalmente, o personagem que o jogador controla. Seu nome é Wander, um jovem que atravessa terras proibidas levando consigo o corpo de uma garota chamada Mono. Seu objetivo é claro: ressuscitá-la. Para isso, ele busca uma entidade misteriosa chamada Dormin, que promete devolver a vida da jovem em troca de um preço alto: a destruição de dezesseis colossos espalhados por aquele vasto e desolado mundo.
Inicialmente não há longos diálogos, nem explicações detalhadas sobre quem são esses personagens ou qual é a origem daquele lugar. Tudo é apresentado de maneira fragmentada, deixando lacunas que o jogador precisa preencher com sua própria interpretação. Essa escolha de narrativa é fundamental para o impacto do jogo, pois ao invés de conduzir o jogador pela mão, Shadow of the Colossus confia na inteligência e na sensibilidade de quem está jogando. Em vez de receber respostas prontas, o jogador é estimulado a pensar, a questionar e a refletir sobre as próprias ações. Assim, sabendo do seu objetivo, começa-se a caça desses grandes monstros.
A experiência do jogo, portanto, começa ao precisar explorar o mundo aberto em que está ambientado. Ao mesmo tempo, para a maioria dos jogadores esse pode parecer um desafio intransponível, pois não há excesso de estímulos, nem centenas de personagens lhe dizendo o que fazer. A exploração do mundo é por conta de cada jogador, e encontrar os colossos pode ser mais desafiador do que o que estamos habituados. Não existem cidades, NPCs ou missões secundárias a serem realizadas. Há apenas ruínas, montanhas, desertos, florestas e lagos. Esse vazio não é por acaso, mas feito propositalmente para que o jogador possa explorar por si mesmo, lhe dando maior autonomia para pensar sobre como achar e destruir seus desafios.
A ausência de vida humana reforça a sensação de isolamento que permeia toda a jornada. Cada cenário parece carregar vestígios de uma civilização antiga, esquecida pelo tempo. Nesse aspecto, o mundo de Shadow of the Colossus não existe apenas como pano de fundo, mas conversa com a narrativa. A solidão de Wander, por exemplo, é refletida nas paisagens amplas e desertas, mostrando como o mundo externo é, na verdade, um reflexo do que se passa dentro do jovem.
Do ponto de vista gráfico, Shadow of the Colossus foi um marco no seu tempo. Não por acaso, muitos analisam que a forma como o jogo foi construído não é compatível com o nível do seu console, o PlayStation 2; e, na verdade, sua jogabilidade se assemelha a jogos que seriam lançados apenas na próxima geração, a do PlayStation 3. Isso demonstra que apesar de ser considerado um jogo “antigo”, a qualidade gráfica estava bem à frente do esperado. Isso certamente contribui para que Shadow of the Colossus seja um jogo marcante para sua época, pois demonstra uma qualidade até então inédita.
Aliado a isso, o fato desse mundo estar destruído, cheio de ruínas gigantescas e templos abandonados faz parecer que ali possui uma história não contada, um passado esquecido que estimula a curiosidade e a imaginação. Por isso, reforçamos que o jogo em si aposta na inteligência dos seus jogadores, pois não dá chaves fáceis para o seu desenvolvimento, uma característica que muitos jogos antigos possuíam e que vem se perdendo ao longo das gerações.
Assim, um dos grandes méritos de Shadow of the Colossus seja a confiança que ele deposita em quem joga. Essa confiança é algo raro e extremamente valioso. Para a nova geração de jogadores, acostumados a tutoriais e jogos que os guiam do início ao fim, entrar em contato com uma obra que os trata como sujeitos inteligentes e sensíveis pode ser transformador e estimulante para aqueles que gostam de explorar as possibilidades do mundo aberto.
O que podemos aprender com os personagens do jogo
À medida que o jogador avança em Shadow of the Colossus, algo curioso começa a acontecer. Não é apenas o mundo que se revela pouco a pouco, mas o próprio protagonista passa por uma transformação visível. Wander, que no início parece apenas um jovem determinado a cumprir sua missão, começa a apresentar sinais claros de desgaste físico e espiritual. Seus movimentos se tornam mais pesados, sua aparência muda, e a sensação de que algo está errado se intensifica a cada colosso derrotado. É importante entender que essa transformação não é explicada diretamente, mas percebida. A ideia é mostrar claramente que cada escolha tem consequências e que nem sempre os nossos desejos estão ligados ao que é correto a se fazer.
É nesse momento que o jogador embarca de fato na aventura com Wander, pois começa a notar a sua transformação à medida que cumpre o desafio de derrotar os colossos. O jogador não está apenas controlando Wander, mas compartilhando seu fardo. A cada vitória, surge uma dúvida: até onde vale a pena ir para alcançar aquilo que se deseja? Será que realmente isso é o que precisa ser feito? Wander passa a ser corrompido a cada vitória, o que demonstra para o jogador como podemos errar ao perseguir aquilo que mais desejamos; logo, o jogo não trata apenas de vencer desafios, mas de notar o quanto nossas metas e ambições podem, no fim, nos tornar aquilo que não queremos ser.
Outro ponto alto do jogo são, naturalmente, os Colossos, os verdadeiros desafios que enfrentamos na jornada com Wander. Como já apontamos, os colossos são criaturas gigantescas que habitam regiões específicas do mapa. Cada colossus é único em aparência, comportamento e forma de ser derrotado, o que gera uma experiência única ao jogador. Não existe “receita” para derrotar todos de uma vez, mas sim entender a mecânica exclusiva de cada um e seu modo de combater. Alguns parecem mais agressivos, enquanto outros parecem quase indiferentes à presença do jogador; porém, no momento do combate, é fundamental encontrar o seu ponto fraco.
O aspecto mais interessante é que esses gigantes não são apresentados como monstros malignos. Muitos estão apenas existindo em seu habitat, sem atacar Wander até serem provocados. Isso cria um conflito nos jogadores mais atentos, pois percebem que tem de derrotá-los para avançar na história, mas não conseguem ignorar a sensação de estar fazendo algo errado. Nessa perspectiva, ficamos a nos questionar quem é, de fato, o verdadeiro “vilão” da história.
Essa ambiguidade moral é um dos maiores trunfos do jogo. Shadow of the Colossus ensina, sem discursos diretos, que nem toda missão é moralmente simples ou mesmo correta de ser executada. À medida que os colossos são derrotados, Wander começa a apresentar sinais físicos de desgaste, como se cada vitória estivesse cobrando um preço. Tudo isso está por trás de Dormin, um dos personagens mais interessantes do jogo. Ele é apresentado como uma entidade antiga e poderosa, que promete a Wander algo até então impossível: trazer alguém de volta à vida. No entanto, desde o primeiro encontro, fica claro que Dormin não é uma presença confiável; porém, para realizar o seu desejo, Wander embarca na jornada de derrotar os colossos.
Dormin, entretanto, representa uma ideia recorrente em muitas histórias: o poder que seduz. Ele oferece uma solução fácil para um problema insolúvel, e naturalmente compra-se essa ideia. Porém, o preço a se pagar para realizar esse desejo é incrivelmente alto. O jogo nunca diz explicitamente se Dormin é bom ou mau, mas constrói um clima constante de desconfiança em volta dessa entidade, pois, no fundo, ela vai cumprir o desejo de Wander. Essa ambiguidade é essencial para o impacto da narrativa, pois ficamos apreensivos com o que acontecerá com o protagonista, que aos poucos vai se corrompendo e tornando-se, ao final da jornada, uma criatura monstruosa.
Ao aceitar o acordo, Wander acredita estar fazendo a coisa certa, porém, conforme a história avança, fica cada vez mais difícil ignorar os sinais de que algo está sendo quebrado naquele mundo. Assim, Dormin simboliza o perigo de aceitar respostas simples para questões complexas, um tema extremamente relevante ainda hoje; afinal, quantas vezes somos seduzidos por saídas mais fáceis, ou por conseguir alcançar um patamar – seja social, físico ou financeiro – que vai de encontro aos nossos valores? Nesse sentido, a mensagem de Shadow of the Colossus é atemporal e alerta aos jogadores sobre o perigo de querer realizar nossos desejos a qualquer preço.
Simbolismo em Shadow of the Colossus
Visto isso, é importante entendermos que Shadow Of Colossus não é apenas um jogo para entretenimento. A bem da verdade, sua narrativa se pauta em ideias atemporais e também é marcado por simbolismos, e isso é, sem dúvida, algo fascinante dentro do mundo dos jogos. Junto a isso, há diferentes modos de interpretar alguns aspectos do jogo, como os Colossos, por exemplo.
Para alguns, esses monstros representam pecados antigos e, por isso, deveriam ser combatidos; para outros, eles são os guardiões desse mundo destruído. Porém, se observamos a partir de um ponto de vista psicológico, podemos entender que tais criaturas podem ser vistas como aspectos da psique humana, sendo Dormin a representação desses desejos e aspectos que necessitam ser vencidos. Essa multiplicidade de leituras transforma o jogo em uma experiência pessoal, em que não existe uma interpretação “certa”, mas sim aquela que faz mais sentido para quem joga.
Essa liberdade é extremamente valiosa. Em vez de consumir uma história fechada, o jogador é convidado a refletir, discutir e reinterpretar o que está vendo. O fato é que a jornada de Wander é, em algum grau, a jornada do herói às avessas. Seus percalços, na verdade, o fazem chegar em uma reviravolta em que quanto mais se deseja alcançar um desfecho, mais se aproxima de uma corrupção. Nesse sentido, o jogo não acaba ao finalizarmos os seus desafios, mas essa história continua a reverberar dentro de nós.
Compreendendo essa perspectiva, é importante observarmos que a experiência de Wander se assemelha, de fato, à juventude humana. O protagonista é jovem, determinado e impulsivo, pronto para sacrificar tudo em prol dos seus desejos. Ele não aceita a morte de Mono e se recusa a lidar com a perda, logo, sua resposta é agir, custe o que custar. Esse impulso de desafiar limites e ignorar consequências é algo muito presente na juventude; entretanto, esse ato tem consequências.
A narrativa do jogo não julga Wander abertamente, apontando seus erros, mas também não o absolve. Ele simplesmente mostra o caminho escolhido e permite que o jogador vivencie as consequências do que foi realizado. Ao final da jornada, fica claro que nem todas as batalhas que escolhemos lutar podem ser vencidas sem perdas. Essa é uma mensagem importante do jogo e o mais incrível é que consegue ser transmitida sem discursos moralizantes, apenas por meio da experiência vivida dentro do game.
Por que Shadow of the Colossus continua sendo um grande jogo?
Ao chegar ao fim de Shadow of the Colossus, não é incomum que o jogador deseje recomeçar a jogar imediatamente. Não porque o jogo precisa ser refeito, mas por nos causar uma sensação de que, em algum momento da narrativa, nos perdemos e deveríamos refazer os passos de Wander para corrigir alguns erros. O jogo exige tempo para ser assimilado completamente, pois ficamos atônitos com seu desfecho. Essa reação diz muito sobre o tipo de experiência que ele oferece. Diferente de muitos jogos que se encerram com sensação de conquista ou euforia, Shadow of the Colossus termina deixando perguntas e uma sensação de transformação, como se não fôssemos os mesmos após terminar de jogar.
Certamente esse é um dos motivos que faz com que Shadow of the Colossus continue sendo um jogo relevante, mesmo sendo ultrapassado pelas novas gerações em questão de gráficos e jogabilidade. Porém, o jogo entrega muito mais do que um aspecto técnico: ele dá uma história que realmente toca quem se dispõe a entendê-la. É por isso que esse não pode ser um jogo em que ficamos apenas atacando e resolvendo quebra-cabeças, mas precisamos compreender tudo que se passa ao seu redor.
Além disso, um fato curioso em Shadow of the Colossus é que o jogo consegue transmitir, mesmo com uma aura de melancolia e solidão, que há beleza nesse processo. Nem tudo precisa ser ruim, e podemos encontrar algo de belo dentro de nós quando nos propomos a procurar. Seu mundo vasto e silencioso, seus colossos imponentes e sua trilha sonora, por exemplo, constroem uma experiência que permanece viva na memória muito tempo depois do fim e nos faz perceber a importância de trabalhar esses aspectos em nosso interior.
Frente a isso, é válido ressaltar o quanto Shadow of the Colossus é um grande exemplo de que os videogames podem ser mais do que uma máquina de entretenimento. Através dos jogos, podemos ensinar valores, ideias e se conectar com diversas gerações, pois tanto crianças como adultos gostam e podem jogar. Nesse sentido, é útil e importante começarmos a pensar no papel que os games podem exercer na educação e na formação humana; afinal, eles não precisam apenas nos causar divertimento e lazer, mas também serem ainda mais do que isso.
Junto a essa perspectiva, também podemos compreender como os jogos podem ser profundos sem serem complicados, emocionantes sem serem apelativos e marcantes sem precisarem explicar tudo. Sua força está justamente naquilo que ele escolhe não dizer, permitindo que cada jogador encontre seus próprios significados. Não por acaso, desde seu lançamento, Shadow of the Colossus tem sido constantemente citado como um dos jogos mais importantes da história dos videogames. O jogo também recebeu versões remasterizadas e um remake completo, permitindo que novas gerações tivessem acesso à obra com gráficos atualizados, mas preservando sua essência.
Portanto, para desfrutar da sua narrativa, não precisamos ir atrás de consoles antigos, muito menos renegar o jogo como uma peça de museu, que já não pode ser acessado pelos jovens, mas sim jogar em uma versão moderna de uma história que desde o seu início se mostra como um clássico. Por todos esses motivos, indicamos aos gamers que se desafiem a enfrentar os colossus e a embarcar nessa maravilhosa jornada!
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