Independência do Brasil

A Independência do Brasil, proclamada em 7 de setembro de 1822, representa um dos marcos mais importantes da história nacional. Muito além de uma simples ruptura política com Portugal, ela expressa um processo longo, cheio de tensões internas, negociações diplomáticas e embates ideológicos. Ao contrário do senso comum, que faz referência à cena de D. Pedro I às margens do Ipiranga, gritando “Independência ou Morte!”, a realidade histórica é bem mais complexa e com outros atores políticos envolvidos.

Visto isso, ao começarmos a refletir sobre a Independência do Brasil, é fundamental entender algumas nuances e seu contexto histórico, afinal, seria simplista apontar apenas D. Pedro I e seu desejo de manter-se no Brasil como a única exclusiva causa da independência. Portanto, trata-se de um processo que mobilizou diferentes setores da sociedade e contou com figuras centrais como, por exemplo, José Bonifácio de Andrada e Silva, o verdadeiro articulador político da emancipação, e o próprio príncipe regente D. Pedro I, que acabou por se tornar o imperador do novo país.

Pintura de D. Pedro I proclamando a Independência do Brasil às margens do Ipiranga
O grito do Ipiranga: símbolo da independência

O caminho até a independência: o Brasil no contexto do império português

Para entender o que ocorreu em 7 de setembro de 1822, é fundamental situar o contexto histórico que gerou esse fato. Assim, vamos retornar ao início do século XIX. Em 1808, a transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em decorrência da invasão napoleônica em Portugal, mudou completamente a dinâmica do império ultramarino português. Pela primeira vez na história, a sede de um reino europeu foi transferida para uma colônia, transformando o Brasil em centro administrativo e coração do império. 

Do ponto de vista brasileiro, esse evento teve consequências imensas: abertura dos portos às nações amigas, instalação de instituições modernas (como a Imprensa Régia e o Banco do Brasil) e fortalecimento do Rio de Janeiro como capital política e econômica. Esses avanços não somente alçaram o Brasil e sua infraestrutura, mas o colocou, pela primeira vez, como um território que não era apenas mais uma colônia. Não por acaso, com a presença da família real no Brasil, o antigo pacto colonial foi quebrado, visto que agora era necessário ter acordos comerciais com outras nações.

O país deixou de ser apenas fornecedor de matérias-primas e mercado cativo para se aproximar da condição de reino. Esse processo se consolidou em 1815, quando o Brasil foi elevado à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves, sinalizando que já não era mais uma simples colônia. Contudo, essa elevação não eliminou as tensões internas e políticas entre Portugal e Brasil.

Os brasileiros, especialmente as elites agrárias, desejavam autonomia política e econômica, mas não estavam dispostos a romper com a monarquia e causar uma revolução. Ao mesmo tempo, setores populares e militares, influenciados pelos ideais da Revolução Francesa e pelos movimentos de independência na América Hispânica, defendiam transformações mais profundas, muitas vezes republicanas. Esse caldo de contradições preparou o terreno para a ruptura que viria.

É nesse contexto que os personagens com maior relevância na articulação da independência aparecem. Entre eles estava José Bonifácio de Andrada e Silva, frequentemente chamado de “Patriarca da Independência”. Cientista respeitado, formado em Coimbra e com longa experiência na Europa, Bonifácio retornou ao Brasil em 1819 e logo se envolveu nas questões políticas do governo. Sua visão era pragmática: acreditava que a independência deveria ocorrer de forma controlada, sob a liderança da monarquia, evitando tanto uma fragmentação territorial quanto uma revolução social descontrolada.

Retrato de José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência
José Bonifácio: o estrategista da independência

Esse é um aspecto importante a ser ressaltado. Bonifácio percebeu que o Brasil era um imenso território, marcado por profundas desigualdades regionais e sociais. Se a independência ocorresse de forma abrupta e desorganizada, como em algumas colônias espanholas, poderia resultar em guerras civis prolongadas ou mesmo na divisão do território em várias repúblicas. Por isso, sua aliança com D. Pedro I foi fundamental para buscar a preservação do território. Ele via no príncipe regente a figura capaz de unir as províncias em torno de um projeto nacional.

Ao mesmo tempo, José Bonifácio defendia ideias avançadas para sua época: a abolição gradual da escravidão, a valorização do trabalho livre, a reforma agrária com distribuição de terras improdutivas e a construção de uma identidade nacional baseada no equilíbrio entre diferentes grupos sociais. Embora muitas dessas propostas não tenham sido aplicadas, seu pensamento revela a amplitude do debate que acompanhou a emancipação. Como pensador e político, fez um trabalho excelente na manutenção dos valores nacionais e foi quem, de fato, pensou no Brasil enquanto unidade, não apenas como uma série de grupos e regiões alocadas sob uma mesma tutela.

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Se José Bonifácio foi o articulador da Independência do Brasil, o grande protagonista, que colocou-se à frente e se tornou o primeiro imperador do nosso país, foi D. Pedro de Alcântara, filho de D. João VI. D. Pedro I tornou-se regente do Brasil em 1821, quando seu pai retornou a Lisboa para assumir o trono português. As Cortes de Lisboa, reunidas após a Revolução Liberal do Porto de 1820, exigiam o retorno imediato da família real para o seu país, simbolizando assim que Portugal voltaria a ser o centro do império. Ao exigirem isso, porém, se assumia o risco do Brasil voltar à condição de colônia, algo que, para aquele momento, seria inaceitável, visto os avanços alcançados desde 1808. 

Com essa tensão política, a ida de D. João VI foi uma tentativa de apaziguar os ânimos portugueses e manter, ao mesmo tempo, a condição do Brasil, com D. Pedro I sendo o regente destas terras. Entretanto, a pressão continuou para que o príncipe voltasse para Portugal e o modelo colonial fosse restaurado no Brasil. Diante dessa ameaça, as elites brasileiras viram em D. Pedro I a única figura capaz de resistir às imposições portuguesas e liderar o processo de Independência do Brasil.

O primeiro passo foi o famoso “Dia do Fico”, ocorrido em 9 de janeiro de 1822, simbolizando esse momento de autonomia perante a pressão da metrópole. Pressionado pelas Cortes a regressar, D. Pedro I declarou: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo que fico”. Essa decisão marcou um ponto de não retorno.

A partir daí, o príncipe cercou-se de conselheiros, sendo o principal deles José Bonifácio, e passou a articular abertamente a ruptura com Lisboa. Em agosto de 1822, em viagem a São Paulo, recebeu mensagens que exigiam uma decisão definitiva sobre a situação. Em caso de uma resposta negativa, Portugal poderia declarar guerra contra o Brasil, o que colocava a situação ainda mais sob tensão. Entretanto, como nos conta a História, às margens do Riacho Ipiranga, D. Pedro I decidiu que não retornaria para Portugal e proclamou a Independência do Brasil. O gesto simbólico ganhou dimensão mítica, mas na prática foi apenas a culminância de um processo em andamento.

Proclamar a independência, entretanto, era apenas o primeiro passo. A partir de 1822, iniciou-se a difícil tarefa de consolidar o novo Estado, visto que não existia uma ideia de identidade nacional consolidada. Assim, rapidamente guerras regionais ocorreram em diferentes províncias: na Bahia, no Pará, no Maranhão e no Piauí. 

Na Bahia, por exemplo, a luta pela independência foi intensa. Tropas portuguesas mantinham forte presença em Salvador, e a população local organizou uma verdadeira guerra de resistência. Apesar dos esforços, em julho de 1823, as tropas imperiais venceram a batalha, resultando na expulsão dos portugueses. Desse modo, sem a presença portuguesa, a política regional da Bahia gerou espaço para que aqueles a favor do império comandassem a região, aderindo assim a causa nacional em detrimento dos que aliaram-se à Portugal.

Cena da Batalha da Independência na Bahia em 1823
Luta baiana pela independência

No Pará, o processo foi igualmente conturbado e resolvido a partir do conflito. Belém só aderiu oficialmente à independência em agosto de 1823, após pressão militar. Já no Maranhão e no Piauí, a resistência portuguesa também foi significativa, exigindo campanhas militares coordenadas pelo governo imperial.

Como podemos perceber, a independência não foi um ato único, mas um processo de unificação que durou anos. Assim também é a vida em seus processos naturais, não existe apenas um ato definidor, mas uma série de aspectos que vai gerando, ao longo do tempo, essa mudança. Reduzir a independência apenas ao seu marco, ao grito às margens do Ipiranga, é criar uma imagem imperfeita e ilusória deste fato. Assim, é importante entendermos que em diversas partes do Brasil essa resistência ocorreu e levou anos para ser desmobilizada.

Voltando ao aspecto histórico, o fato de essas revoltas terem ocorrido mostra que, em alguns locais, a elite da região não buscava uma independência, mas sim manter-se junto ao império português. Essas lutas, apesar do péssimo resultado humano, ajudaram a consolidar a unidade territorial do Brasil, pois os revoltosos foram capturados e o império pôde triunfar.

Outro ponto central foi a questão internacional. Portugal não reconheceu imediatamente a Independência do Brasil, e apenas em 1825 aceitou a emancipação brasileira, mediante acordo conduzido pela Inglaterra, conhecido como Tratado de Paz e Amizade, que incluía o pagamento de uma indenização. A presença inglesa, aliás, foi decisiva: como potência hegemônica, interessava-lhe manter o Brasil unido e integrado ao comércio mundial, visto o grande mercado que abarcava aquela região. Por isso, a Inglaterra foi uma das primeiras nações a reconhecer o Brasil como nação.

Esse aspecto revela uma contradição da independência: se por um lado o Brasil se libertava de Portugal, por outro caía cada vez mais na órbita britânica. A dependência comercial e financeira em relação à Inglaterra limitava a autonomia real do novo Estado. Em termos práticos, a independência não significou plena soberania, mas sim uma mudança no eixo da influência internacional. Assim, devemos nos questionar: o que significa ser independente de fato?

O que significa ser independente?

Para além dos fatos históricos, é importante refletirmos o que significa, não somente para o Brasil, mas também para todos nós, ser independente. No plano simbólico, o ano de 1822 representou a afirmação da identidade nacional. O Brasil deixou de ser colônia para se tornar um Estado soberano, capaz de decidir seus próprios destinos. Essa conquista, sem dúvida, tem enorme importância.

No entanto, a vida cotidiana da maioria da população pouco mudou. A escravidão continuou como base do sistema econômico por mais de seis décadas, as desigualdades sociais permaneceram e o poder político concentrou-se nas mãos de uma elite restrita, formada por grandes proprietários de terras e comerciantes ligados ao mercado externo. Em outras palavras, a independência não significou liberdade plena para todos, mas sim a consolidação do poder de determinados grupos sociais.

Esse paradoxo nos leva a uma questão mais ampla: o que significa ser independente? Um país pode conquistar sua soberania formal, mas se suas estruturas sociais e econômicas permanecem baseadas na exclusão, essa independência é parcial. Fazendo uma pequena analogia com nossa vida cotidiana, achamos que ao fazer 18 anos, por exemplo, somos seres independentes, mas de que vale essa dependência política se no plano econômico somos completamente dependentes de nossos pais?

O Brasil, desde 1822, viveu justamente essa contradição. Apesar de conquistar sua independência política, no plano social nada mudou, como vimos. A economia, por outro lado, antes totalmente refém da balança comercial portuguesa, agora tinha liberdade para negociar com outros países, entretanto, a dívida adquirida ao pagar Portugal para ter sua independência tornou, durante algumas décadas, as contas do recente império brasileiro instáveis. Assim, apesar de apontarmos a independência como um marco, e de fato o foi, também devemos entender que essa mudança foi, acima de tudo, uma mudança na política e que serviu para a manutenção do poder nas mãos das elites regionais e do governo central.

Devemos olhar para tais aspectos e pensar sobre como conduzimos nossa própria vida. Todos buscam a independência, seja ela física, financeira ou mesmo emocional. Mas será que somos independentes ou apenas trocando de senhores? A liberdade, por vezes, é vista como o espaço entre as grades da prisão invisível que habitamos. Desse modo, apesar de desejarmos a liberdade que a independência nos proporciona, muitas vezes, não a alcançamos e achamos que somos livres quando, na verdade, estamos reféns de uma outra situação.

E quando poderemos dizer que somos independentes de verdade? Essa é uma pergunta um tanto quanto complexa e talvez não tenha uma resposta assertiva. Entretanto, pensamos que alguém (ou uma nação) só pode ser verdadeiramente independente quando se sabe quem é, ou seja, possui uma identidade. Seja a nível individual ou coletivo, reconhecer quem é, quais são seus valores e o que de fato lhe é próprio é um passo importante para chegar até a verdadeira independência, afinal, uma vez que sabemos separar o que somos do que não somos, não precisaremos nos apegar àquilo que, tal qual uma névoa, encobre a verdade.

A busca por uma identidade nacional

Visto isso, é a partir do processo de Independência do Brasil que começa um esforço para se construir uma identidade nacional. Ainda hoje, a bem da verdade, podemos nos perguntar se sabemos o que significa ser “brasileiro”, visto que algumas culturas regionais, por vezes, se sobrepõem à cultura nacional. Porém, estamos avançando no assunto.

Jovens brasileiros segurando bandeira do Brasil em manifestação
A construção contínua da identidade nacional

Em linhas gerais, a independência não significou apenas a criação de um Estado soberano. Ela também inaugurou, como falamos, a busca por uma identidade nacional. Como construir um “povo brasileiro” a partir de um território marcado por tamanha diversidade étnica, cultural e social? Essa foi uma tarefa árdua para os intelectuais do século XIX. Obras que exaltavam a natureza tropical, o índio idealizado e os heróis nacionais ajudaram a construir um sentimento de pertencimento. O próprio Hino da Independência,  fazia parte desse esforço de criar símbolos comuns. Desse modo, a partir dos elementos comuns e da criação de símbolos, começou-se a criar uma referência do que é, de fato, ser brasileiro.

No entanto, essa identidade era excludente. Os indígenas reais, por exemplo, eram frequentemente marginalizados, enquanto o “índio heroico” era apenas uma figura literária, reservada aos livros e às lendas. Os negros, que compunham grande parte da população, foram invisibilizados ou tratados apenas como simples mão de obra, mesmo quando grande parte da cultura brasileira estivesse diretamente ligada à cultura africana. A construção da nação, portanto, foi seletiva e privilegiou certos elementos em detrimento de outros.

Ainda assim, esse é o primeiro passo para conseguirmos encontrar um elemento em comum entre tantas culturas e regiões diferentes. No entanto, ao longo desse processo, houve, naturalmente, resistência e muitos movimentos que buscaram se separar do Brasil, uma vez que queriam uma identidade própria e uma autonomia política. A confederação do Equador, por exemplo, que tentava criar um nordeste independente, é emblemático sobre como essa busca por uma identidade nacional passou – e ainda passa – por uma série de problemas. 

Essa dualidade, marcada por uma força que busca unir e por outra que quer autonomia, nos leva a refletir sobre a natureza da independência. Ser independente não é apenas separar-se de uma metrópole, como ocorreu com o nosso país. É também garantir liberdade, dignidade e participação a todos os cidadãos, pois uma nação, para ser reconhecida como tal, deve ter cidadãos e estes, independente de qualquer outro aspecto social que possam ter, devem ter seus direitos e deveres garantidos. 

Nesse sentido, visto a construção da nossa independência, podemos afirmar que em 7 de setembro de 1822 demos um passo importante para a construção da nossa identidade nacional, nos desvencilhando de Portugal; entretanto, ainda há um longo caminho para, de fato, existir a soberania brasileira.

Assim, a Independência do Brasil deve ser compreendida não como ponto final, mas como começo de uma longa jornada. Ser independente, afinal, não é apenas governar-se sem tutela externa. É também construir uma sociedade justa, inclusiva e capaz de oferecer oportunidades a todos os seus cidadãos. Logo, a independência proclamada em 1822 foi, ao mesmo tempo, uma conquista e um desafio. É conquista porque rompeu com a condição colonial e inaugurou o Brasil como Estado soberano. É desafio porque, mesmo após dois séculos, ainda nos convida a pensar que a liberdade de uma nação só se realiza plenamente quando alcança todos os seus filhos.

Por fim, entendemos que se torna cada vez mais necessário refletirmos sobre este tema. Não para apontar acertos ou erros, muito menos para criar heróis e vilões, mas para entender que a busca por uma identidade nacional é fundamental para a construção do nosso país. Apesar de vivermos sob o mesmo Estado, esse é um desafio diário para lidar com as diferentes influências que nos atravessam.

Essa é, portanto, tarefa contínua, e cada geração de brasileiros tem que, como uma condição moral, alimentar essa identidade que une o Brasil. Que o grito do Ipiranga não seja apenas uma pintura em um quadro, ou um bordão usado em momentos de dificuldade, mas que um dia todos nós possamos fazê-lo e entender que precisamos, acima de tudo, buscar nossa verdadeira independência.

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