Quem acredita que os filmes têm apenas a capacidade de nos entreter está completamente equivocado. Existem filmes que nos ajudam a pensar e a refletir profundamente sobre determinados aspectos da Vida. O telespectador que assistiu atentamente ao filme “Primavera, Verão, Outono, Inverno e… Primavera”, sabe do que estamos falando.
O longa-metragem Sul Coreano lançado em 2003 que teve a direção, roteiro e produção de Kim Ki-Duk é um daqueles filmes que nos coloca para pensar sobre a vida, os seus ciclos e como eles nos afetam em todas as áreas de nossa existência. A narrativa nos fala, dentre outros temas, sobre a Lei da Causa e do Efeito, conhecida pelos orientais como a Lei do Karma. O filme é lindo, sensível e profundo. Ao abordar temas tão universais acaba por trazer à tona a nossa própria condição humana frente ao processo de mudança constante ao qual estamos passíveis.
Baseado no Zen Budismo, o filme conta a história de um Mestre e um discípulo que vivem em um mosteiro flutuante sobre um belo lago rodeado por uma floresta frondosa e várias montanhas que nos arrebatam para um momento idílico. A composição das ideias, a trilha sonora e a sequência das imagens pode ser vista apenas como uma paisagem natural, ou como momentos simbólicos representando instâncias de nosso interior.
O paralelo que se faz entre os Ciclos da Natureza, como sugere o título do filme, e os ciclos do desenvolvimento de um Indivíduo, é narrado através da trajetória e das várias fases da vida do discípulo na busca por sua maturidade. No processo de formação do seu discípulo, o Mestre educa o monge desde garotinho e passa-lhe valiosas lições de vida. Em um dos poucos diálogos do filme, por exemplo, o Mestre diz para o seu discípulo que há pequenas atitudes pelas quais podemos carregar as consequências por toda uma vida, fazendo assim, uma clara referência à Lei de Causa e Consequência. Mas, de maneira geral, a narrativa é contada com poucas palavras, compensadas pelos recursos visuais e as imagens que guiam o telespectador a transitar pelas diferentes épocas do ciclo de vida dos dois monges através das estações do ano.
Imerso na rotina de uma vida simples em seu monastério, o Mestre passa a ensinar ao seu discípulo todos os saberes e técnicas importantes sobre o conhecimento e o controle da mente e das emoções. Entretanto, em certo momento, o discípulo se apaixona por uma mulher que foi visitar o monastério e, por uma necessidade clara de experiência, ele acaba por abandonar o monastério para viver a sua paixão.
Após a sua tomada de decisão e sob o olhar e o acompanhamento de seu Mestre, o discípulo passa a vivenciar os infortúnios dos prazeres, dos desejos e dos instintos, onde precisou enfrentar e aprender sobre a força do ciúme, do desejo de posse e o valor do perdão. Toda essa dolorosa trajetória fora do monastério e longe de seu Mestre lhe serviu para alcançar as certezas necessárias ao seu amadurecimento, levando-o, contudo, a construir firmes convicções e clareza mental sobre o caminho que devia seguir.
É interessante como para nós, ocidentais, o conceito do Karma é sempre visto como algo ruim ou punitivo. Quase sempre nos pegamos pensando, quando estamos diante de uma adversidade: “que Karma é esse que estamos carregando por essa ou aquela situação”. Quem nunca disse ou já ouviu falar, por exemplo, que quando acontece um problema estamos mesmo é pagando um Karma dessa ou de outra vida? A verdade é que muito pouco sabemos ou entendemos sobre esse conceito, apenas o importamos para a nossa cultura e, assim como com outras palavras, aportuguesamos e damos nós mesmos os nossos significados, desconsiderando com isso a origem das mesmas e seus conteúdos simbólicos.
Dessa forma, o filme em questão é uma ótima oportunidade para refletirmos sobre os conceitos de Dharma e Karma. Tendo em vista que ambos os conceitos advêm da Sabedoria Oriental e são vistos como Leis Universais que tocam a todos os seres que existem no Universo, a compreensão desses termos pode nos ajudar a compreendermos a nossa própria caminhada individual e o conjunto de fatos que se integram a ela. Mas, o que significa o conceito de Dharma e de Karma? Como esses conceitos podem nos iluminar?
Antes de qualquer coisa, é importante ressaltar que aqui não se pretende discorrer em profundidade sobre os conceitos em questão, devido a sua amplitude e complexidade. A intenção é apenas abordar os mesmos em linhas gerais dentro de recortes que nos ajudem a compreender a centralidade do tema. Dito isto, é interessante afirmar que para a cultura oriental, o Universo é um grande ser vivo que está em processo constante de evolução. Assim, não há caos, mas, uma Harmonia que une e perpassa todos os elementos que são regidos por uma Inteligência Cósmica que ordena e garante esse ciclo evolutivo.
Assim, segundo essa Filosofia Oriental, o Dharma pode ser entendido como o próprio caminho evolutivo, por onde todas as coisas, necessariamente, deverão trilhar. Já o Karma é uma Lei de ação que ajuda a todos os seres a se reposicionarem diante desse caminho evolutivo. Ambas as Leis coexistem equilibrando a dualidade da existência dentro dos vários ciclos da vida. Toda a ação gera uma reação, não estando essa premissa restrita apenas à Lei da física, mas a toda a realidade.
Mas, diferentemente de outros seres vivos, ao Ser Humano é necessário caminhar dentro do seu processo evolutivo a partir de escolhas conscientes e, na margem de espaço e de tempo que lhe compete o livre arbítrio. Entretanto, todas as vezes que um Indivíduo não optar ou não decidir por sua evolução humana, a própria Lei de reação o ajuda a se redirecionar no caminho, utilizando para tal os instrumentos e os veículos para gerar a consciência necessária, mesmo que para isso as dores e os infortúnios, porventura, possam nos acontecer.
Por isso, quando observamos todo enredo e sequência do filme, fica clara a importância dos ciclos e das experiências que eles nos trazem. Assim como o discípulo, é preciso aprender com as experiências para que o amadurecimento e o progresso da consciência ocorra em nosso caminho rumo à evolução.
Portanto, é sempre muito importante perguntar – O que há por trás da repetição de nossas experiências diárias? Por que repetimos as mesmas experiências, quando já deveríamos ter superado-as? Certamente, porque não houve aprendizado e consequentemente não houve consciência, e como a natureza é pedagógica e não dá saltos, repetimos a lição até que possamos passar para o próximo aprendizado e dar continuidade ao nosso processo evolutivo. Assim, para responder a pergunta – O que há por trás da repetição de nossas experiências? É preciso entender, antes de mais nada, que há na vida uma ordem que encadeia todos os fatos que atravessam a nossa existência. Ou seja, cada situação ou pessoa que cruza ou passou por nosso caminho teve alguma razão ser, como numa trama inteligente e misteriosa, esses acontecimentos geram ou são consequências de uma necessidade de experiência para que haja o processo de consciência e o amadurecimento.
Contudo, por não estarmos conscientes das lições pedagógicas que estão por trás de nossas experiências diárias, tendemos a repetir as experiências por várias vezes. Por exemplo, repetir um padrão ao nos relacionarmos com alguém ou alimentarmos hábitos, sejam mentais, emocionais ou comportamentais que nos prejudicam. Só que como estamos desatentos, não relacionamos as consequências com as suas origens e causas. E, segundo essa tradição do Zen Budismo, enquanto não houver consciência e aprendizado por parte do Indivíduo não há como ter superação, ficando o Indivíduo estagnado no tempo em que estiver inconsciente.
Visto isso, o filme “Primavera, Verão, Outono, Inverno e… Primavera” é um bonito exemplo que nos ajuda a refletir sobre a importância de nossas ações conscientes e, principalmente, sobre as consequências de nossas desatenções na caminhada da vida. Nós, do Portal Feedobem o recomendamos!