A morte de um papa sempre foi um momento de grande comoção para a Igreja Católica. Com o objetivo de guiar milhões de fiéis, o papa é o cargo mais alto do catolicismo, logo, esse pontífice é muito mais do que somente um cargo religioso: é um verdadeiro sucessor de Pedro, o fundador da Igreja, na Terra.
A morte e a escolha de um novo papa, portanto, não podem passar despercebidas aos olhos do mundo. Enquanto ainda se sofre pela partida do antigo pontífice, é necessário se preparar para a escolha de um novo líder. É nesse contexto que se dá início a um dos rituais mais antigos e envoltos em mistério do mundo ocidental: o conclave. Esse processo, que visa escolher o novo sucessor de São Pedro, é profundamente espiritual, mas não está isento de tensões políticas, conflitos e dilemas.

Em parte, a preocupação não está apenas no preceito religioso que seguem os ritos da Igreja, mas também na postura e forma de atuação do novo papa como um líder de milhões de pessoas, o que, naturalmente, influencia a sociedade. Assim, o conclave ganha um valor que perpassa o aspecto religioso.
Pensando nisso, hoje resolvemos indicar um filme que trata diretamente do assunto. Apesar de ser uma obra de ficção, é válido conhecer o rito e tentar enxergar o conclave como mais do que uma cerimônia de sucessão. Visto isso, o filme que indicaremos hoje tem por nome “Conclave”. Lançado em 2024 e dirigido por Edward Berger, o longa usa como base de sua narrativa o romance de Robert Harris.
A trama se passa logo após a morte inesperada de um papa muito amado. O cardeal Jacopo Lomeli, decano do Colégio dos Cardeais, é encarregado de organizar o conclave que elegerá o novo pontífice. Mas, ao contrário de uma transição pacífica, Lomeli se vê imerso em uma rede de intrigas, alianças silenciosas e revelações devastadoras.

Entre os principais candidatos estão figuras de diferentes alas da Igreja: o ambicioso e midiático cardeal Tremblay, o tradicionalista cardeal Tedesco, e o carismático cardeal nigeriano Adeyemi. Diante disso, Lomeli, buscando manter a integridade do processo, se vê obrigado a investigar informações sensíveis sobre os candidatos e, ao fazer isso, depara-se com um segredo que pode abalar toda a estrutura da Igreja.
A obra, portanto, mostra não somente o processo de escolha de um novo papa, mas como entretenimento, consegue entregar uma boa experiência ao espectador. Porém, ao assistir o filme, podemos nos perguntar: por que é necessário um conclave? Não poderia este ser um processo democrático? É o que vamos refletir agora.
O que é um conclave?
Para entender o conclave, precisamos mergulhar na história da Igreja. Primeiramente, o termo “conclave” vem do latim cum clave, que significa “com chave”. Isso remete ao isolamento dos cardeais durante o processo de escolha do papa, trancados a chave e sem comunicação com o mundo exterior. Esse método tinha como objetivo evitar a interferência externa e manter em sigilo a forma de escolha do novo pontífice, além de ser uma maneira eficaz para a decisão do novo papa.

O motivo desse processo ser feito de uma forma ágil não é por acaso. A prática nasceu após um episódio caótico na história da Igreja: entre 1268 e 1271, os cardeais levaram quase três anos para escolher um novo papa, após a morte de Clemente IV. Frustrados, os cidadãos de Viterbo, na Itália, chegaram a trancar os cardeais e retirar parte do telhado do local para forçar uma decisão rápida. Esse episódio levou o papa Gregório X, no Concílio de Lyon (1274), a formalizar o conclave como o conhecemos hoje: isolamento absoluto, voto secreto e sigilo estrito.
O rito, então, segue basicamente o mesmo até os dias atuais. Porém, é fato que além de ter um sentido prático, o conclave também simboliza o recolhimento da Igreja para essa decisão. É por isso que não é uma escolha aberta ao público, mas destinada apenas ao mais alto dos cargos do clero: os cardeais. E mesmo estes, que ao longo da vida entregaram sua energia à causa religiosa, ainda possuem algumas restrições acerca da votação para a escolha do novo pontífice.
Uma dessas restrições é a idade. Apenas cardeais com menos de 80 anos podem votar no conclave. Logo, mesmo que haja milhares de cardeais pelo mundo, é fato que apenas um número restrito deles está em condições de participar da votação. Em geral, essa regra existe para preservar a saúde desses cardeais que, ao passarem dos 80 anos, já não deveriam passar por um rito tão exigente.
Visto isso, em geral, o número de cardeais eleitores gira em torno de 115 a 120 pessoas. Um número ínfimo quando comparado a quantidade de fiéis ao catolicismo. Por isso, não podemos afirmar que a escolha de um novo papa é democrática, afinal, é apenas esse pequeno conselho da alta cúpula da Igreja que pode ter direito a votar. Assim, como diria Platão em “A República”, vive-se uma aristocracia em que, ao estar dentro desse ciclo, pode-se tomar decisões a partir do voto, pois já estão entre os mais aptos.
Outro ponto importante sobre o conclave é em qual espaço ele ocorre. Os cardeais ficam trancados dentro da Capela Sistina, no Vaticano – certamente o espaço religioso mais emblemático do mundo. Antes do início do rito, a capela é inspecionada rigorosamente para eliminar qualquer dispositivo eletrônico que possa vazar informações do que está sendo decidido ou conversado dentro da capela. Uma equipe de técnicos desmonta microfones, bloqueia sinais de celular e instala mecanismos de segurança para garantir o sigilo absoluto.
Cada dia de conclave pode incluir até quatro votações, sendo duas pela manhã e duas à tarde. Para ser eleito, o candidato precisa de uma maioria qualificada de dois terços e, por isso, é natural que ocorram várias votações até chegarem a essa resolução. Cada cardeal escreve seu voto numa cédula com a frase latina “Eligo in Summum Pontificem” (“Escolho como Sumo Pontífice”).

As cédulas são queimadas após cada rodada de votação e a cor da fumaça indica o resultado: preta significa que ainda não houve um eleito; branca indica a eleição de um novo papa. A fumaça é produzida com compostos químicos para garantir que não haverá engano com a mensagem a ser passada.
Todos esses passos são apresentados no filme. Um grande mérito de “Conclave” é a de reproduzir com fidelidade muitos detalhes históricos e protocolares: desde a jura de silêncio dos cardeais até a aparência austera dos quartos em que ficam hospedados. O suspense aumenta com o uso de trilhas sonoras discretas, olhares silenciosos e diálogos carregados de tensão. Entretanto, o filme nos entrega muito mais do que apenas uma experiência de estar “dentro” do rito. Há diversas lições e reflexões que podemos fazer a partir do longa-metragem.
O que podemos aprender com o filme?
“Conclave” vai muito além de um filme que apresenta um rito da Igreja Católica. Na verdade, o que podemos perceber é que, embora a trama aconteça dentro dos muros do Vaticano, muitos comportamentos e convicções apresentadas no filme refletem disputas humanas universais, como a sede de poder, vaidade de possuir um cargo, medo perante a incerteza, o desejo de justiça e outros vários pontos sobre os quais podemos refletir.

As dinâmicas entre os cardeais lembram cenários corporativos, políticos e familiares, em que a disputa por voz e mais ação é apenas um reflexo do desejo humano. Assim, o filme mostra que mesmo os ambientes mais espirituais não estão imunes à natureza humana – afinal, ainda somos todos humanos. Esse lado político, porém, não deve nos afastar da importância espiritual deste momento tão caro a centenas de milhões de fiéis.
O personagem Lomeli – o protagonista do filme – representa o dilema do indivíduo que deseja agir corretamente, mesmo sob enorme pressão institucional. Sua coragem de buscar a verdade, mesmo que custe sua reputação, nos leva a refletir sobre os nossos valores e até que ponto estamos dispostos a ir para honrá-los. O filme questiona: quantos de nós manteriam a retidão se o custo da verdade fosse muito alto?
Muitas vezes, abrimos mão de nossas convicções por medo das consequências que podemos sofrer, desde a perda de uma amizade ou até mesmo a demissão de um emprego. Assim, ficamos sujeitos a tomar atitudes que não condizem com nossa índole, mas que acabam por nos macular.

É dentro dessa perspectiva que podemos afirmar que “Conclave” é um filme que vai além do ambiente religioso, apesar de tratar de religião. Ele nos convida a observar a complexidade do poder, os bastidores das grandes decisões e o papel da consciência em tempos sombrios. Sua ambientação precisa e seu roteiro instigante tornam a obra não apenas uma aula sobre o Vaticano, mas também uma reflexão sobre liderança, verdade e espiritualidade.
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