Você já assistiu ao filme Click e se pegou pensando em como usamos nosso tempo no dia a dia? Essa comédia dramática nos faz refletir sobre a rapidez da vida moderna e o quanto ignoramos o presente em nome do futuro. E se tivéssemos um controle remoto mágico, capaz de acelerar as partes tediosas da vida e pausar o tempo ao nosso bel-prazer, será que esse poder nos traria a felicidade?
Desde sempre, o ser humano deseja controlar a vida ao seu redor. Apesar de impossível, visto os diferentes fatores naturais que não dominamos, ainda assim ansiamos criar uma tecnologia capaz de subjugar o tempo e o espaço. A arte, como veículo criador da imaginação, nos deu diversas narrativas que falam sobre essa luta humana contra a natureza e seu desejo por controle. Um deles é o livro “Fausto”, de Goethe, em que o protagonista faz um pacto com um demônio para conseguir ter todos os prazeres do mundo.

Já no cinema essa mesma narrativa foi criada com grandes doses de humor. Estamos falando do filme “Click”, dirigido por Frank Coraci e estrelado por Adam Sandler. De antemão, podemos apontar que este é um daqueles filmes que, à primeira vista, parece uma comédia leve para divertir em uma tarde qualquer, mas que carrega consigo reflexões tão profundas quanto um clássico da literatura.
A premissa é simples: um homem encontra um controle remoto mágico capaz de pausar, adiantar e rebobinar sua própria vida. No entanto, conforme a história avança, percebemos que aquilo que parecia uma bênção vai se tornando uma verdadeira maldição. Esse filme tem o poder raro de fazer rir e, ao mesmo tempo, arrancar lágrimas. Ele nos convida a olhar para nossa própria vida e perguntar: estamos vivendo de fato ou apenas sobrevivendo no piloto automático? Quantos abraços deixamos de dar porque “não era o momento certo”? Quantas vezes acreditamos que a felicidade está adiante, após uma promoção, após terminar um projeto, após resolver pendências? Enquanto esperamos o “tempo ideal”, o tempo real escorre pelos dedos.
Do que trata o filme “Click”?
Antes de mergulharmos nas reflexões, é importante que conheçamos um pouco do enredo do filme. Michael Newman (Adam Sandler) é um arquiteto talentoso, mas constantemente pressionado pelo trabalho. Ambicioso e obcecado por crescer na carreira, ele se vê sobrecarregado entre prazos, clientes exigentes e a busca por reconhecimento. Ao mesmo tempo, é marido de Donna (Kate Beckinsale) e pai de dois filhos pequenos, Ben e Samantha. Apesar de amar a família, Michael frequentemente sacrifica momentos preciosos em nome do trabalho, pois sente que precisa dar sempre o melhor para sua família.
Cansado do ritmo frenético, ele encontra Morty (Christopher Walken), um excêntrico funcionário de uma loja que lhe oferece um controle remoto universal diferente de qualquer outro: ele não apenas controla a TV, mas a própria realidade. Com ele, Michael pode pausar discussões, acelerar tarefas entediantes, voltar a momentos passados e até silenciar quem o incomoda.
No início, o artefato parece uma benção. Michael finalmente tem o poder de escapar do que considera perda de tempo. Mas, aos poucos, o controle começa a agir sozinho, memorizando suas preferências. O resultado é devastador: Michael avança pelos anos de sua vida sem sequer perceber, perdendo o crescimento dos filhos, o amor da esposa e a presença dos pais. Quando finalmente entende o preço de suas escolhas, já é tarde demais.
Para além da história, Click nos mostra que brincar com o tempo pode ser um erro irreversível. A grande lição do filme é clara: a vida não pode ser adiantada, porque cada instante, até mesmo os difíceis, carrega em si um valor inestimável. Estar no presente, seja em qual momento da vida for, é uma dádiva.
Nesse sentido, Michael Newman, o protagonista do filme, não é apenas um personagem de ficção. Ele é, na verdade, uma representação de milhões de pessoas ao redor do mundo que vivem em uma espécie de “piloto automático”. Você deve conhecer alguém assim: aquele sujeito que acorda cedo, enfrenta o trânsito, mergulha em reuniões intermináveis, sonha com reconhecimento profissional, mas que, no meio do caminho, perde os detalhes da vida cotidiana. Não percebe a beleza que é estar vivo, tendo uma família ou aproveitando o que lhe é proporcionado. Não nota os pequenos milagres que ocorrem toda manhã ao abrir os olhos, pois já está focado em chegar em seu próximo compromisso.
Muitas vezes, nós somos essa pessoa. A força do filme está justamente na identificação que ele causa nos espectadores. Quem nunca deixou de ir a um jantar de família porque havia “coisas mais urgentes”? Quem nunca prometeu a si mesmo que depois do próximo projeto, da próxima meta atingida, finalmente teria tempo para aproveitar a vida? Michael é a soma de nossas desculpas mais recorrentes.
Ele não é mau pai, nem mau marido. Ele ama sua família, mas, como tantos de nós, acredita que sempre haverá tempo para estar presente depois. O filme mostra que esse “depois” pode nunca chegar. Diante dessa perspectiva, o controle remoto que Michael encontra é, sem dúvida, o símbolo mais forte do filme. Ele representa o desejo universal de controlar o tempo. Aqui, mais uma vez, caímos na identificação com o protagonista, afinal, quem nunca sonhou em avançar momentos de dor, pular filas, saltar discussões desagradáveis ou até mesmo rebobinar erros do passado para corrigi-los?

A mágica do roteiro está em transformar esse desejo em realidade e nos mostrar o perigo escondido atrás da fantasia. Se tivéssemos o poder de controlar o tempo, provavelmente faríamos as mesmas escolhas de Michael, mas, ao fazer isso, abriríamos também mão da essência da vida: a experiência que molda quem somos.
O perigo de viver no automático
Vivemos em uma sociedade obcecada pela pressa. As agendas estão lotadas, os prazos são curtos, e até mesmo o lazer, muitas vezes, se transforma em obrigação. Quantas vezes marcamos encontros com amigos e passamos mais tempo olhando para o celular do que para o rosto de quem está à nossa frente?
O filme “Click” evidencia essa pressa. Michael decide adiantar pequenas tarefas, porém, o hábito se transforma em rotina. Assim, ao viver no “piloto automático”, os dias se transformam em meses, e os meses, em anos; e quando ele percebe, os filhos já cresceram e a vida passou sem que ele estivesse presente. Essa pressa é o automatismo que consome nossos dias. Estamos sempre correndo para o “próximo momento”, sem perceber que o agora é tudo o que realmente temos.

No início, Michael acredita que não há problema em usar o controle para situações simples. Afinal, adiantar uma briga ou uma reunião não parece mudar nada. Mas é justamente aí que mora a armadilha. Na vida real, também fazemos escolhas aparentemente pequenas: adiar uma visita aos pais, cancelar um café com um amigo, deixar para brincar com os filhos em outro momento. O acúmulo dessas decisões, entretanto, transforma-se em um abismo de ausência. O piloto automático, portanto, nos rouba a capacidade de estar presentes, fazendo com que vivamos como figurantes da própria história.
Um dos aspectos mais emocionantes de “Click” é quando Michael percebe que perdeu os momentos mais simples da sua vida. O café da manhã com os filhos, a conversa com a esposa antes de dormir, a piada sem graça contada pelo pai. Essas pequenas cenas são as partes mais banais e, ao mesmo tempo, as que dão sentido à vida. Sem elas, até as grandes conquistas perdem o sabor. Na vida real, estamos perdendo esses momentos. Já não reunimos a família para jantar ou almoçar, conversamos apenas por mensagens ou figurinhas e avançamos o tempo sem perceber que estamos deixando de lado uma parte fundamental de nossas vidas.
Trabalho vs. Família: um conflito atemporal
“Click” causa um grande impacto nos adultos por antagonizar dois polos importantes para todo ser humano: o trabalho e a família. Todos nós já passamos pelo dilema de ter que priorizar, em certos momentos, um ou outro. No caso de Michael, sua ambição por chegar ao topo da empresa o faz abrir mão de praticamente todos os momentos importantes com sua família. O desejo de ser reconhecido e conquistar novos patamares é, no fundo, um desejo demasiadamente humano, e por isso nos identificamos, em algum grau, com ele.
Quantas pessoas já conhecemos que haviam passado décadas acumulando conquistas materiais, mas que, no final, perceberam que também haviam perdido os vínculos afetivos mais importantes? Michael, portanto, simboliza essa inversão de valores: ele se esforça tanto para “garantir o futuro da família” que esquece de viver o presente ao lado dela. Essa obsessão pela carreira não é apenas ficção. É uma realidade que atinge milhões de famílias. A mensagem do filme é clara: trabalhar é essencial, mas não pode ser a razão de existir.

Frente a isso, a todo momento o filme nos alerta: o tempo perfeito não existe. O momento de amar, cuidar e estar presente é sempre agora. Não podemos deixar para viver quando estivermos plenamente realizados no trabalho ou com uma saúde financeira exemplar. É preciso aprender a equilibrar esses mundos vivendo o presente de maneira consciente. Quando isso não ocorre, podemos mergulhar no mesmo erro de Michael, que vê sua carreira crescer, mas sua vida pessoal desmoronar.
Essa inversão de prioridades é uma crítica social profunda, principalmente em um filme de comédia. Vivemos em uma cultura que valoriza títulos, cargos e salários, mas raramente ensina a valorizar o tempo de qualidade com quem amamos. No entanto, como o próprio filme mostra, no fim da vida, ninguém se arrepende de não ter passado mais horas no escritório, o arrependimento está sempre nas relações negligenciadas.
O ser humano e o tempo: um eterno dilema
A grande reflexão do filme está em como lidamos com o tempo. De fato, temos um “prazo de validade”, ou seja, um dia nosso tempo acabará e o que poderá nos restar é saber como empregamos o tempo que nos foi dado. O ser humano luta contra a finitude desde sempre, e para demarcar bem essa questão, criamos calendários, relógios, agendas e aplicativos para tentar organizar o tempo e usá-lo da melhor forma. Porém, no fundo, o tempo é indomável. Não importa quantos recursos tecnológicos inventemos, o relógio da vida seguirá avançando.
O controle remoto é a materialização desse sonho impossível de dominar o incontrolável. Ele dá a Michael o poder de manipular o tempo, mas, em vez de libertá-lo, o aprisiona em um ciclo de perdas irreparáveis. Essa é uma metáfora clara de nossa própria obsessão com produtividade, metas e cronogramas. Tentamos controlar cada segundo, mas esquecemos que o valor do tempo não está em como o gerenciamos, mas em como o vivemos.

Quando o controle passa a “memorizar” as preferências de Michael, a tragédia se intensifica. Ele já não escolhe o que pular ou viver — a própria vida é conduzida no automático. Isso é assustador porque espelha nossa realidade atual. Hoje, muitos de nós já não escolhemos o que consumir, o que assistir, o que ouvir. Plataformas digitais aprendem nossas preferências e decidem por nós. Assim como o controle remoto, elas criam atalhos que parecem convenientes, mas nos afastam da experiência plena de escolher conscientemente.
Frente a isso, pode-se afirmar que a maior lição de “Click” é clara: a vida acontece no presente. Nem no passado, que já não volta, nem no futuro, que ainda não chegou. Michael percebe tarde demais que passou anos esperando o “momento certo” e que, quando acorda, o tempo já lhe roubou o que era essencial. Estar presente é mais do que estar fisicamente em um lugar: é desligar distrações, ouvir com atenção, sentir de verdade a cada instante.
Como “Click” dialoga com a nossa vida?
Se em 2006 “Click” representou o objeto mágico da trama como um controle remoto, hoje poderíamos facilmente substituí-lo pelo celular. Esse aparelho, que cabe no bolso, é também uma extensão de nossas escolhas, preferências e vícios. Ele decide, muitas vezes, o que vemos, quando vemos e quanto tempo passamos em determinada atividade.
Assim como o controle de Michael, o celular nos dá a sensação de poder: com alguns toques, podemos adiantar a rotina, pular o tédio, evitar conversas e mergulhar em distrações. Mas, ao mesmo tempo, ele também nos coloca no piloto automático, roubando nossa atenção do presente. Atualmente, as redes sociais são outro paralelo evidente. Um simples gesto de “rolar a tela” pode significar horas perdidas em intermináveis vídeos. O algoritmo funciona como o controle de Michael: ele aprende tudo do que gostamos e passa a decidir por nós, sem que tenhamos consciência.
Esse hábito nos dá a ilusão de escolha, no entanto, na prática, somos conduzidos a viver em função de conteúdos instantâneos, enquanto a vida real, feita muitas vezes de silêncios, conversas e convivência, vai ficando para trás. Nesse novo paradigma social estamos arriscados a acordar tarde demais, percebendo que os anos passaram e que nossa presença esteve mais no mundo virtual do que no real.
É irônico perceber que, mesmo sem controle mágico, já temos meios de “pausar” a vida. Quantas vezes deixamos uma conversa com os filhos para “checar uma notificação rápida”? Quantas vezes preferimos assistir a uma série do que sentar com nossos pais para ouvir histórias? Se em “Click” o controle remoto rouba anos de convivência, no mundo atual quem rouba é a própria distração.
O humor como porta de entrada para reflexões profundas
Um fato curioso sobre o filme é que, a rigor, seu gênero não deveria causar tantas reflexões ou impactos em nós. Uma comédia é feita, em geral, para nos fazer rir e nos divertir, não para nos fazer pensar e chorar. Porém, a arte não aceita regras tão rígidas, e sua flexibilidade é o que a torna sempre imprevisível. A genialidade de “Click” consiste em usar o humor como uma camada inicial, que relaxa o espectador, para depois atingir o coração com cenas de profunda emoção.
O filme começa leve, com piadas, situações absurdas e um tom quase de paródia. Um espectador pouco atento não percebe o que está por vir e se diverte pensando no quão bom seria ter aquele poder. Mas, conforme a trama se desenvolve, o riso vai dando lugar à reflexão e, finalmente, às lágrimas. Esse contraste é o que torna “Click” tão memorável. Nesse aspecto, a ficção encontra-se com a realidade, pois, muitas vezes, é assim na vida: sorrimos em meio às dificuldades, e é nesse equilíbrio, entre alegria e dor, que crescemos.
Se “Click” fosse apenas um drama, talvez fosse mais difícil encarar suas verdades. Mas a comédia funciona como um disfarce. Ela nos atrai, nos envolve, e quando menos esperamos, nos confronta com perguntas dolorosas: o que estamos fazendo com nosso tempo? O que estamos sacrificando em nome de ambições passageiras? Esse recurso faz com que o filme alcance públicos diversos, desde quem busca entretenimento até quem deseja uma reflexão existencial.
Outro ponto que nos chama atenção e nos faz classificar esse filme como uma verdadeira obra de arte é o fato de ele nos levar a refletir sobre algo atemporal. Apesar de ter sido lançado em 2006, “Click” continua incrivelmente atual. Se naquela época a pressa já era uma marca da sociedade, hoje ela é quase insuportável. Trabalhamos conectados o tempo todo, somos cobrados por produtividade constante e temos a sensação de que nunca conseguimos dar conta de tudo.
Visto isso, não precisamos de um controle remoto para pausar a vida. Podemos criar nossas próprias pausas: desligar o celular durante o jantar, reservar um tempo diário para refletir, caminhar sem pressa e observando o mundo ao redor. A vida exige ritmo, e podemos adquiri-lo em diferentes momentos, sabendo eleger a cada instante o correto a se fazer. Essas pausas nos reconectam com o presente e nos ajudam a perceber a riqueza que existe no simples.

Quando fazemos essas pequenas pausas no cotidiano podemos perceber o que é, de fato, fundamental em nossa vida. Não precisamos apontar que a família deve estar no centro das prioridades, pois é sempre pelos parentes e pessoas mais próximas que derramamos o nosso suor, nosso sangue e nossas lágrimas. O trabalho e as conquistas são importantes, mas nada substitui a presença em momentos significativos. Estar com os filhos, ouvir os pais, cultivar o relacionamento com o(a) parceiro(a): tudo isso constrói memórias que duram mais do que qualquer sucesso profissional.
Sendo assim, Click é muito mais do que um filme de entretenimento. Ele nos convida a viver com intensidade o agora: abraçar hoje, amar hoje, agradecer hoje, porque, no fim, é disso que a vida é feita. Não se trata de ter grandes momentos isolados, mas de usufruir da soma de pequenos instantes bem vividos. Que possamos aproveitar o dia, tal como nos lembra o poeta Horácio, pois o tempo seguirá passando e dele restará somente as preciosas lições que aprendemos e ensinamos ao longo do caminho.
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