Vivemos em um mundo dependente da tecnologia. É fato: caso as máquinas deixassem de funcionar nesse exato momento, a humanidade inteira sofreria para se adaptar a uma nova forma de vida. A bem da verdade, as consequências poderiam ser realmente desastrosas, ocasionando a perda de recursos e pessoas ao longo do tempo.
Basta imaginar todo o processo industrial, grande parte automatizado. A produção cairia e a economia entraria em colapso. Sem satélites, computadores e celulares, perderíamos uma quantidade inimaginável de informações que está na rede mundial de computadores e, em poucos anos, viveríamos de modo similar aos homens e mulheres do período pré-revolução industrial. Como deixamos essa dependência ocorrer?
A tecnologia, a priori, é desenvolvida para facilitar a vida humana. Somos a única espécie do planeta capaz de modificar o seu meio para que este nos favoreça. Assim, invertemos a lógica darwinista de adaptação ao meio, pois fazemos com que o nosso entorno se adapte às nossas necessidades e não o contrário. Porém, o que deveria ser uma benesse adquirida a partir do nosso esforço racional se tornou uma verdadeira faca de dois gumes, uma vez que já não conseguimos nos readaptar a uma vida sem tecnologia.
Uma vez que não temos a possibilidade de voltar livremente para um caminho sem o uso da tecnologia, o que nos resta? Aparentemente continuar a avançar por este caminho. Por isso, hoje vivemos em um mundo cercado de modelos artificiais, desenvolvidos exclusivamente para agilizar nossos processos e aumentar nossa capacidade de produção. Queremos máquinas não apenas velozes, mas também capazes de construir padrões cada vez mais precisos e, consequentemente, gerar novas formas.
Análise do filme “A.I – Inteligência Artificial”
Uma utopia humana é a de que as máquinas um dia estejam tão desenvolvidas ao ponto de se assemelhar ao ser humano. Aqui nasce o mito da Inteligência Artificial, uma máquina capaz de sentir, pensar e viver como um humano em sua mais intrínseca natureza. Vivemos esse mito constantemente nos dias atuais, uma vez que a “I.A”, como a chamamos, avança a passos largos, mesmo que ainda não seja capaz de realizar as façanhas humanas. Entretanto, será que realmente é possível que uma máquina, algum dia, consiga desenvolver aspectos tão intrínsecos e que perpassam a lógica racional? Hoje indicamos um filme para refletirmos sobre essa ideia.
O filme “A.I.” passa-se num futuro distante. É uma história da humanidade numa época de máquinas inteligentes. O filme foca na relação e nos desafios envolvidos quando um menino androide, o primeiro programado para amar, coexiste como membro de uma família. Depois de uma série de circunstâncias inesperadas o deixar sem a aceitação dos humanos e das máquinas, ele viaja para descobrir o local a que realmente pertence.
A discussão é extremamente interessante, e, dentro da arte, já se falou muito sobre isso. Porém, devemos observá-la a partir de um ponto de vista filosófico. Afinal, é possível que uma máquina possa realmente viver uma vida humana? Para responder essa questão, precisamos entender o que nos faz verdadeiramente humanos.
De um ponto de vista puramente biológico, o ser humano é um ser autoconsciente que possui um cérebro capaz de processar quase instantaneamente milhares de informações que chegam através dos nossos sentidos. No entanto, esse fato por si só não explica como adquirimos essa autoconsciência, pois, se assim o fosse, seria relativamente fácil desenvolver uma máquina capaz de pensar sobre si mesma e se reinventar.
Com essa constatação em mente, talvez o processo de autoconsciência esteja ligado a fatores menos tangíveis, assim como a própria percepção dos sentimentos, da imaginação e de outras capacidades psicológicas de que somos dotados. É evidente que os outros animais, por exemplo, possuem emoções e compartilham conosco essa característica, mas apenas o ser humano é capaz de construir uma lógica e tentar materializar aquilo que, a priori, não tem forma. Essa capacidade de interpretar, redefinir e criar é algo que vai muito além de uma questão biomecânica.
Será, portanto, que seremos capazes de desenvolver uma inteligência artificial que consiga emular perfeitamente essas nuances?
Frente a isso, o filme debate um tema interessantíssimo de uma maneira clara e eficiente: a questão do amor incondicional entre um “objeto”, no caso, um androide, semelhante a uma pessoa fisicamente, e um ser humano. Uma das funcionárias da empresa que projeta robôs lança um questionamento que vai permear todo o filme: é possível criar um androide que ame um ser humano incondicionalmente? Nada garante que esse amor será recíproco, pois, para o ser humano, os androides sempre serão máquinas, objetos que não possuem carne e osso e são descartáveis.
Esse é um questionamento relativamente antigo, mas será que somos capazes de amar outros seres da mesma forma que amamos seres humanos? E a resposta mais sincera que podemos afirmar é que sim, isso é possível. Assim como amamos nossos animais de estimação, podemos amar coisas. Comumente, falamos que amamos nosso carro, nossa casa, então, nesse sentido, é muito provável que amemos máquinas. Porém, amar verdadeiramente como se ama outro ser humano, em seu sentido mais intrínseco, ainda é um grande mistério, até mesmo para nós. Raramente, conseguimos cultivar esse amor real, que vence o tempo e as formas e que tantas religiões e doutrinas versaram sobre.
Assim, o filme nos remete a um dilema importante não apenas do ponto de vista tecnológico, mas um dilema moral: se as máquinas sentem, pensam e agem como humanos, o que pode nos diferenciar? Seus circuitos podem ser de metal e outros elementos, mas se começa a existir uma verdadeira autoconsciência, será que as máquinas não serão seres tão evoluídos quanto nós? Ou serão somente, no fim das contas, o fruto de um avanço tecnológico? É nesse momento que a fronteira da ficção e realidade começa a se tornar tênue, pois se não reconhecermos o que nos diferencia, acima de qualquer outro aspecto, dos demais seres da natureza, poderemos nos confundir com máquinas.
Em síntese, podemos falar que o ser humano é capaz de viver pelo bem. Não por uma norma, não por uma conduta pré-estabelecida, por um código moral, mas apenas pela livre escolha de ajudar e alimentar suas virtudes. A máquina, por mais bem programada que seja, ainda seguirá os comandos determinados pelo seu criador. Por mais que pensemos que elas poderão escolher, em sua gênese já se tem estabelecido o que pode ou não fazer. O ser humano é imprevisível em suas ações, e aí habita sua verdadeira genialidade, e isso, até onde sabemos, as máquinas jamais poderão alcançar.
Considerando todos esses aspectos, o filme “A.I – Inteligência Artificial” nos dá uma série de elementos para entender o nosso mundo moderno, que cada vez mais caminha para transformar a ficção em uma realidade palpável. Recomendamos a todos que assistam e apreciem aquilo que nos torna demasiadamente humanos.