Você já se perguntou o porquê de gostarmos dos nossos hábitos ao ponto de ficarmos viciados neles? Ou já refletiu sobre como algumas pessoas perdem o controle de si mesmas apenas para realizar o desejo de consumir certo tipo de substância? O que as faz seguir por este tortuoso caminho? Desde o início dos anos 1990, alguns pesquisadores têm se debruçado sobre essas perguntas para entender melhor a relação entre o nosso cérebro e os vícios, sejam estes das mais diferentes naturezas. Porém, para além de uma questão química e biológica, o que podemos aprender sobre os vícios e como eles afetam nossas estruturas física, psíquica e espiritual? É o que vamos descobrir hoje.
Para falar dos vícios, é inevitável recorrermos ao prazer. Se somos viciados em jogos, por exemplo, é porque o jogo em si nos causa uma sensação de bem-estar, nos afeta profundamente em nosso campo emocional, e nosso cérebro interpreta aquela sensação como positiva e, consequentemente, somos inclinados a repeti-la. O que é, portanto, o prazer? Ao que ele está necessariamente ligado?
Deixe-nos contar uma história da Grécia Antiga para tornar didática essa explicação: conta-se que Sócrates, em seu último dia de vida, estava cercado por seus discípulos e com correntes em seus punhos e pés. O carcereiro, ao levar a cicuta ao encontro do filósofo, retirou os grilhões que prendiam seus membros há dias, e Sócrates então declarou: “Que divina sensação, o prazer. Se há pouco estava sentindo dor pelas algemas apertarem meus punhos, agora sinto-me bem ao tirá-las de mim.” Parece-nos simplória a história, mas a fala do mestre de Platão nos guarda uma excelente chave para entendermos o prazer, que, em linhas gerais, pode ser visto como o contrário da dor.
Entretanto, não pensemos que estes dois estão sempre separados. Em verdade, muitas vezes, algo pode nos causar uma dor em determinado aspecto e prazer em um outro plano. Por exemplo, quando fazemos atividade física – seja ela qual for –, o que ocorre com nosso corpo? Ele se desgasta, fica cansado e muitas vezes pode até sentir dores musculares de forma mais objetiva, mas como nos sentirmos bem ao realizar tais tarefas? Como pode algo que “machuca” meu corpo me fazer bem? Isso ocorre porque a dor física sentida na atividade realizada é somente física, enquanto que o prazer dessa realização atinge um outro patamar, o psicológico. Sendo assim, é fundamental sempre analisarmos nossa vida de forma integral, completa, percebendo todas as nuances e aspectos que compõem o Ser Humano. Se assim o fizermos, poderemos perceber que todo prazer pode nos levar a dor e vice-versa.
Pense bem sobre as seguintes situações: qual o maior prazer para uma pessoa que está com sede? Certamente um copo – ou vários – de água bem gelada. Para um enfermo? Recobrar a saúde. E para quem sente-se abandonado? O acolhimento das pessoas amadas. A dor e o prazer, portanto, andam de mãos dadas e não há como falarmos de um sem entendermos o outro. Essa dualidade é a qual Sócrates tenta ensinar aos seus discípulos quando fala dos grilhões que o prendiam. Mas o que isso tem a ver com os nossos vícios? Ora, se os vícios são, em resumo, algo que nos causa tanto prazer ao ponto de repeti-los, então é fundamental entendermos que eles também causam dores e problemas em nosso aspecto humano.
Deixemos isso claro: todo e qualquer vício é prejudicial ao Ser Humano. Por definição, o vício é caracterizado por nos gerar uma forte dependência ao ponto de nos colocar em estados psíquicos e físicos debilitantes quando deixamos de entrar em contato com o elemento que causa o vício. Quando falamos desse assunto é natural pensarmos no efeito nocivo das drogas e nos estados de alteração que causam em seus usuários. Basta vermos o estado decadente de pessoas que se entregam completamente a essas substâncias, sejam lícitas ou ilícitas, ao ponto de perderem o controle de suas próprias vidas e ações. Entretanto, o vício não está somente relacionado com substâncias químicas, mas também com nossa ligação a certos hábitos. Os jogos, como mencionamos anteriormente, têm causado cada vez mais danos aos nossos jovens que, imersos nessa realidade desde cedo, acabam crescendo e ficando dependentes desse tipo de prazer. Hoje, infelizmente, é cada vez mais comum o número de jovens que não se relacionam entre si no mundo físico e concebem a convivência, em grande parte, como algo que acontece no mundo virtual dos games.
Para entendermos como isso ocorre em nosso organismo e o porquê dos vícios afetarem mais algumas pessoas do que outras, é necessário conhecermos um pouco do nosso sistema nervoso e como nosso cérebro interpreta essas relações. Frente a isso, é fundamental sabermos sobre o sistema de recompensa em que nosso cérebro atua, no qual o contato com algumas substâncias e experiências liberam em nosso organismo outras substâncias que causam prazer. Quando isso ocorre, nosso cérebro interpreta aquela sensação como positiva e busca repeti-la. Porém, à medida que vamos aprofundando nessas experiências, o sistema de recompensa passa a ser um sistema de dependência, uma vez que nosso sistema nervoso central passa a “exigir” que aquela substância esteja em nosso organismo.
Um exemplo clássico disso ocorre com o café. Para grande parte dos adultos, a cafeína é um importante componente do cotidiano, sendo ingerido várias vezes ao dia. Quando crianças, porém, é incomum encontrarmos alguém que seja afeito ao café. O que ocorre, então, para que ao longo do tempo saiamos dessa posição de rejeição ou indiferença ao café e passemos a gostar de modo que ele se torne um item essencial do dia a dia? A resposta está justamente nos efeitos que a substância causa a longo prazo. O café, em geral que é amargo e que não é agradável quando provamos, pode nos causar certa repulsa inicial, mas a cafeína e seus efeitos acabam atacando o sistema de recompensa do cérebro, dando mais energia e liberando as substâncias que estão nesse sistema como a adrenalina, a serotonina e a dopamina. O mesmo ocorre ao ingerirmos açúcares e outras substâncias.
Foto: Marcus Aurelius, Pexels.
Sendo assim, problema está quando nosso corpo fica viciado nessas substâncias e seus efeitos. Aos apreciadores de café, por exemplo, é comum sentir dores de cabeça, mal-humor ou falta de energia quando passam alguns dias sem ingerir a cafeína. Tais sintomas, que poderiam sinalizar uma doença em outros casos, nada mais é do que o organismo “exigindo” o consumo daquilo em que está viciado. Esse é um processo puramente químico e que envolve trocas de substâncias, porém, nem sempre ocorre apenas dessa maneira.
No caso dos jogos, por exemplo, esse sistema de recompensa é ativado a partir das emoções que o jogo nos provoca. Assim, quando uma mãe coloca um filho de castigo e esse, se já está viciado em jogos, não pode fazer essa atividade por muito tempo, tem acesso de raivas, tristezas e outra série de reações provocadas pela “falta” desse componente no seu dia a dia. Nesse sentido, o sistema de recompensa do cérebro faz com que as substâncias que nos causam prazer não sejam liberadas e, como a outra face de uma moeda, a dor (em seus mais diferentes aspectos) é o resultado.
Essa fase de abstinência é, de fato, extremamente dolorosa. Basta vermos as reações irracionais que algumas pessoas chegam a tomar devido à falta de execução de seus vícios. E isso, naturalmente, torna-se perigoso, pois perdemos a capacidade de decidir racionalmente sobre nossas ações. Uma pessoa que está em abstinência pode cometer atos de verdadeira insanidade, levada pela dependência dessas substâncias. Por isso, é fundamental percebermos que todo vício, mesmo os mais “inofensivos” como o café e o açúcar, podem nos gerar problemas a níveis biológico, psíquico e espiritual, afinal, quando estamos condicionados por esses vícios, nossa consciência passa a se fixar apenas neles. Assim, enquanto não tomamos o nosso sagrado café, por exemplo, parece-nos que o dia não começou ou que não temos energia para nada.
Entender essa realidade dos vícios é saber que todo prazer, levado ao extremo, nos levará a dor e a dependência. Não por acaso, muitas doutrinas orientais falam sobre a necessidade de conhecermos nossos propósitos, independente do prazer ou da dor. Essas duas faces nos levam a se desviar do nosso caminho enquanto Ser Humano, e isso pode ser visto quando deixamos um vício tomar conta de nossa vida. Por isso, para além de entendermos como esses hábitos nos condicionam a nível psíquico, devemos tomar extremo cuidado para não acharmos que somos somente uma série de estímulos e substâncias que operam em nosso organismo. Muito além disso, devemos entender que o cérebro funciona tal qual uma máquina e responde a comandos, mas que o Ser Humano é, em última instância, muito mais do que o que pensa e muito mais do que suas funções biológicas. Por isso, não caiamos em desenganos ao achar que um vício é quem somos. O vício pode ser visto como um vírus que invadiu nosso sistema e que precisa ser expulso. Para isso, é preciso um exame de consciência e saber o que de fato tem dominado nossos pensamentos e desejos e, acima disso, o que estamos dispostos a fazer para vencermos tais aspectos de nossa personalidade.
No fim, pode-se afirmar que nos viciamos pelo prazer temporal que tais aspectos nos proporcionam. Entretanto, é fundamental entendermos o valor atemporal da vida humana, dos que há por trás dos elementos sutis que envolvem nossa vida objetiva para que entendamos nosso verdadeiro propósito. Conhecendo nossa finalidade espiritual, poderemos usá-la como motor para superar nossos limites internos, sejam eles de que ordem for.