Você já percebeu que a dor humana é o motor por trás das grandes civilizações? É como uma força propulsora da natureza que nos lança para diante. Por exemplo, a locomotiva surgiu por um ato de desespero, para salvar a indústria de uma crise de produção no começo do século XIX; os antibióticos surgiram em 1941 diante de milhões de soldados gravemente feridos na II Guerra Mundial; e as máquinas de raio–x portáteis surgiram da mesma forma para socorrer os feridos de guerra, e essa escala não para.
A internet surge de um conflito de vida ou morte entre os EUA e a Rússia no contexto da Guerra Fria; a psicologia científica avança na mesma proporção do avanço das dores psíquicas; a neurociência, a cibernética, a inteligência artificial, todas essas áreas pulsam no mesmo ritmo da dor humana universal.
Vemos que os grandes fatos históricos são resultantes da forma como lidamos com o sofrimento: a Idade Média é uma resposta do Ocidente à dor decorrente da derrubada do mundo clássico; o renascimento é uma mudança de perspectiva, como um remédio para as dores causadas durante a Idade Média; a modernidade, com a revolução científica, o surgimento do capitalismo, a revolução industrial e todo o sistema de pensamentos racionalistas é uma busca profunda desta civilização pelo controle e pela superação da dor.
Isso nos mostra que a forma como interpretamos a dor através dos nossos mitos é o grande motor por trás da História. Se quisermos saber para onde a História está nos levando, temos que examinar o jeito como estamos lidando com a dor. De que modo estamos conduzindo nossas dores?
Esse vídeo, do Jordan Peterson, traz um desabafo sobre os equívocos desta civilização diante do sofrimento, pois ao invés de nos lançarmos diante da dor com uma postura ativa, optamos pelo prazer de sermos vítimas. Repudiamos a dor, corremos dela, como se fosse possível fugir. Choramos nos velórios da vida, inativos, como se uma mão invisível provesse todo o funeral. Temos sido débeis diante dor, gritamos aos quatro cantos que tudo está errado, como se daí viesse uma espécie de solução invisível.
Somente quando mudarmos nossa postura diante da dor, teremos condições de mudar o curso da História. Quando entrarmos em contato com a dor, temos que nos lançar ao mar como fizeram os navegadores da Escola de Sagres.
Diante da dor, temos que lutar, atirar lanças contra moinhos de vento, ativar a Vida, temos que ser heróis e diminuir o sofrimento do mundo, buscando a causa da dor.
Um dos fragmentos do livro “A Voz do Silêncio”, trazido para o Ocidente pela filósofa russa Helena Blavatsky, diz que devemos receber em nosso coração todas as lágrimas humanas, e não enxugar nenhuma delas até que haja desvanecido a dor que as causara.
Somos imediatistas, queremos apertar um botão (ou tomar um remédio) e resolver a dor, quando, na verdade, o sentido da nossa existência é conhecer a causa da dor humana.
Uma das reflexões mais profundas da humanidade sobre a causa da dor está nos escritos de Buda, para quem a dor é resultado da ilusão. Sofremos porque tratamos o ilusório como real e o real como ilusório. Ilusão, para as tradições, é tudo o que é passageiro: os bens materiais, o reconhecimento social, a saúde, a beleza e a vida do corpo. E somente as coisas que permanecem são verdadeiramente Reais: o Amor que sentimos, os atos de Justiça que praticamos, a Bondade que nos move, e tudo aquilo que supera as barreiras do tempo e da morte.
Aferramo-nos a uma vida transitória e choramos a dor de vê-la passando. Somos uma civilização infantil que brinca com sua parafernália, sem se dar conta do quanto tudo isso é tão efêmero e pueril. É urgente amadurecer e despertar para o que nunca morre. Só assim, faremos cessar a dor.