Delulu é a Solução? O Que Está Por Trás do Otimismo Mais Viral das Redes

Provavelmente você já ouviu o termo #delulu nas redes sociais. Frases como “Ser delulu é a solução” estão inundando a internet, principalmente o Tik Tok, mas você sabe o que isso significa? A frase, nascida entre risadas e ironia, tornou-se uma espécie de mantra moderno entre os mais jovens. Estes a repetem em tom leve, quase de brincadeira, como quem ri da própria esperança para não parecer ingênuo diante dos problemas do mundo. Porém, por trás da brincadeira se esconde uma ideia interessante e que se relaciona com uma antiga lei da natureza, hoje cada vez mais mal compreendida.

Frase "ser delulu é a solução" em destaque em tela de celular nas redes sociais
Delulu: o lema viral do otimismo moderno nas redes

Estamos nos adiantando, então vamos por partes. Comecemos explicando o que é o delulu. Esse termo é uma abreviação de “delusional” (“iludido”, em inglês), e começou como uma piada nos fandoms de K-pop. Os fãs que acreditavam que seus ídolos poderiam notá-los se autointitulavam como “delulus”, ou seja, pessoas iludidas. Com o tempo, entretanto, o termo “furou a bolha” do mundo do K-pop e passou a definir um tipo de otimismo extremo, quase delirante, que mistura humor, espiritualidade e autoconfiança. Assim, o delulu passou a ser um sinônimo para positividade extrema, de modo que, ao olhar de alguns, chega a ser um grande problema.

O nascimento do delulu

Nos termos atuais, podemos dizer que o delulu se tornou uma forma de “mindset”, ou seja, uma mentalidade assumida por aqueles que decidiram acreditar intensamente em si mesmo e agir como se o que se deseja já fosse realidade, mesmo que na vida prática isso não seja real. Para os mais antigos, que viveram os anos 1990 e 2000, essa ideia assemelha-se muito com a lei da atração explicada no livro “O segredo”, que aborda a ideia de que tudo começa na sua mentalidade; logo, para mudar a realidade que vivemos, era necessário mudar nossa maneira de pensar. 

Em meio à incerteza global, esse pensamento – que no fundo tem base em doutrinas milenares, mas não é tão simples assim – tem se tornado uma febre entre os jovens que decidiram combater, ao seu modo, o pessimismo que se instalou no mundo nas últimas décadas. Não por acaso, o sucesso do conceito revela algo importante sobre o nosso tempo. Em um mundo marcado pela instabilidade, seja ela econômica, climática, política ou emocional, o delulu aparece como uma espécie de “antídoto” para não sairmos em desânimo. O otimismo, antes visto como ingenuidade, transformou-se em gesto político.

Jovem olhando no espelho com post-its motivacionais colados ao redor
A crença como prática: o mindset por trás do delulu

Ariano Suassuna, um dos maiores intelectuais da história do Brasil, dizia que o otimista era um ingênuo, o pessimista, um chato. O melhor seria ser um realista esperançoso. Essa ideia é perfeita para o tempo em que vivemos, uma vez que não podemos desanimar frente ao cenário que nos deparamos, afinal, isso seria o mesmo que abaixar as nossas armas e admitir a derrota da humanidade para a própria humanidade.

O delulu surge, assim, como o equilíbrio entre a descrença e a esperança, uma forma de dizer “eu sei que é improvável o que desejo, mas vou acreditar mesmo assim”. É um tipo especial de fé que se mistura com o senso de humor, pois às vezes é preciso ser capaz de rir das próprias fantasias.

Junto a isso, a popularização do termo acompanha um fenômeno que vem crescendo ao longo do tempo: o retorno das ideias espiritualistas e esotéricas em uma linguagem pop. Termos como “manifestar”, “vibrar alto” e “lei da atração” tornaram-se comuns nas redes e são assuntos cada vez mais procurados entre os jovens. São versões simplificadas de antigas tradições filosóficas e por isso nos cabe explicá-las para melhor entendermos o que significam. No caso do delulu, uma das ideias mais presentes é a famosa  Lei do Mentalismo, que prega que tudo o que existe começa na mente e que, ao longo da história da filosofia, foi explicada de diferentes modos.

A Lei do Mentalismo e o poder criador da mente

Primeiramente, devemos entender o que são as leis da natureza. De acordo com a perspectiva filosófica e, de certo modo, a própria ciência moderna, entende-se que todo o cosmos é regido por leis. A gravidade, por exemplo, é uma das leis da natureza que ao atuar organiza e relaciona os diferentes objetos, mantendo-os conectados. 

Partindo dessa perspectiva, se conhecermos todas as leis do universo e entendê-las, podemos operar conforme os ditames da natureza. O problema é que nós, seres humanos, nem conhecemos todas as leis, muito menos as entendemos profundamente. A ciência, por mais que tente nos explicar, ainda possui limitações, e sua compreensão parte de pressupostos que, por vezes, não podem ser demonstrados, como a lei do mentalismo, da qual falaremos a seguir. Essa lei é descrita em um livro de sabedoria hermética chamado “O Caibalion”,e afirma que “O Todo é Mente; o Universo é mental”. Essa frase sintetiza o que muitos espiritualistas, filósofos e até cientistas modernos têm sugerido: que a realidade começa no pensamento.

Representação da Lei do Mentalismo com mente humana conectada ao cosmos
Tudo começa na mente: o princípio do mentalismo

Segundo a Lei do Mentalismo, o universo é uma grande consciência, e cada mente individual é uma centelha dessa consciência universal. Assim, tudo o que vivemos é, em algum grau, reflexo da forma como pensamos e percebemos o mundo. Colocando em exemplos, pensemos na seguinte possibilidade: imagine uma pessoa que tem como ideia de vida a frase “dinheiro traz felicidade”. Com essa ideia em mente, como será a vida dessa pessoa? Quais ações ela buscará para se realizar? E qual a raiz dessas ações, senão o pensamento? Pode-se entender que, de fato, antes das ações ocorrerem no mundo, existia o pensamento, a ideia. 

É partindo desse paradigma metafísico que surge a lei do mentalismo. Logo, para mudar o mundo, seja em que nível for, é fundamental mudar as nossas ideias, pois tudo começa na mente. Assim, essa mesma ideia antiga e metafísica reaparece no discurso contemporâneo sob uma roupagem acessível e otimista. É o famoso “pense positivo”, ou “atraia o que deseja”, e, mais recente, “aja como se já vivesse essa realidade”. Tais modos de pensar – e viver – são apenas reflexo dessa antiga doutrina, mas com novos formatos.

Frente a isso, quando um jovem afirma que vai “manifestar” um relacionamento saudável, um novo emprego ou um futuro brilhante, está, de certa maneira, praticando mentalismo. Ele acredita que a imaginação pode moldar a experiência e, até certo ponto, está certo. É evidente que não basta apenas pensar positivo, pois o mundo é feito de ações. Por isso, é fundamental entender que tudo começa no pensamento, mas é preciso encontrar caminhos na realidade. 

Curiosamente, a ciência oferece um paralelo interessante quanto à perspectiva do mentalismo. Estudos de neurociência mostram que o cérebro não distingue completamente o que é imaginado do que é vivido. Não por acaso, quando estamos sonhando, por exemplo, muitas vezes confundimos o sonho com realidade, e isso ocorre porque o cérebro não consegue interpretar perfeitamente a diferença entre esses dois mundos. Assim, ao visualizar repetidamente uma situação, ativamos áreas cerebrais ligadas à ação e à recompensa, reforçando comportamentos e emoções que tornam o objetivo mais tangível. É o que atletas e músicos chamam de “ensaio mental”, no qual imaginam com tanta precisão que o corpo se prepara para agir como se fosse real.

Entre a imaginação e a fantasia

Entretanto, pensar não é o mesmo que sonhar sem limites. O poder mental não se sustenta no vazio; ele requer direção, ética e responsabilidade. Quando a crença é usada apenas como fuga, ela deixa de ser criadora e se torna anestésica. É aí que a imaginação se torna uma grande fantasia, uma linha tênue que insistimos em cruzar diversas vezes. A fronteira entre imaginação e fantasia é o coração do debate sobre o delulu. Como sabemos, ambas nascem da mente, mas seguem direções opostas. A imaginação é criadora e objetiva, ela observa a realidade e nos dá a capacidade de agir e transformar. A fantasia é evasiva, ela nega a realidade e busca substituí-la por uma ilusão confortável.

Imaginemos um estudante que sonha em estudar fora do país. Se ele usa a imaginação para planejar, pesquisar bolsas, estudar idiomas e visualizar sua vida futura, está usando o poder mental de forma construtiva. A mente, nesse caso, é o motor que impulsiona a ação. Mas se ele passa os dias sonhando sem agir, culpando o “universo” por não atender seus pedidos, cai na fantasia paralisante. Com o passar do tempo, o que resta é apenas as ilusões de uma vida que poderia ter vivido, mas que nunca saiu da mente.

Pessoa sentada entre dois mundos: realidade cinza e mundo colorido de sonhos
Imaginando com os pés no chão: o equilíbrio entre sonho e ação

Por isso, é fundamental aprender a imaginar corretamente, pois quantas vezes simplesmente fantasiamos com um mundo melhor, em sermos pessoas melhores e conquistar nossos objetivos, mas pouco fazemos para alcançar esses objetivos? No mundo das redes sociais, por exemplo, muitos jovens confundem visualização com resultado, e acabam frustrados quando o mundo real não corresponde à narrativa digital. Cultivar uma imaginação saudável parte da realidade e a amplia; logo, o nosso desafio é resgatar o poder imaginativo sem se perder na névoa da fantasia.

O risco da positividade tóxica: quando o delulu se torna negação

Agora que entendemos a diferença entre imaginação e fantasia, é fundamental compreender o risco de cairmos em uma ilusão que nos tira do senso de realidade. Todo ideal, quando levado ao extremo, corre o risco de se inverter, e o delulu não escapa disso. Quando o otimismo se transforma em obrigação, ou seja, quando nos sentimos forçados a ver sempre o lado positivo, isso pode nos levar a adoecer a psique. A chamada “positividade tóxica” é um fenômeno crescente e se manifesta quando o indivíduo acredita que deve estar bem o tempo todo, que qualquer tristeza é sinal de fraqueza ou “baixa vibração”. Essa pressão emocional cria culpa e isolamento.

Pessoa sorrindo forçadamente com máscara feliz na frente do rosto
Positividade tóxica: quando o otimismo vira obrigação

Frente a isso, precisamos aprender a sonhar com os céus, mas mantendo nossos pés no chão. De nada adianta imaginar um futuro brilhante, cheio de cores e bondade, se a minha vida ao redor e até a forma como atuamos, não nos leva para essa finalidade. Apesar disso, é interessante perceber como que, mesmo em tempos de desilusão, o ser humano continua buscando sentido em sua existência. O delulu é, de certo modo, uma prova de que acreditar é uma necessidade biológica, quase tão vital quanto respirar. E quando a realidade parece estreita demais, quando não conseguimos ver uma “luz no fim do túnel”, é o momento em que a imaginação nos dá asas de esperança.

Ser “delulu”, como os jovens estão se chamando, não é negar o real, mas acreditar que o sonho, ainda que improvável, merece ser sonhado. A chave para manter-se são nesse mundo de ilusões está no equilíbrio, ou seja, ser capaz de manter a cabeça nas nuvens e os pés no chão. O pensamento cria caminhos, mas é a ação que os percorre. O otimismo, quando lúcido, é força civilizatória. O delulu consciente é aquele que transforma fé em prática, imaginação em construção e humor em esperança.

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