No curta-metragem “Memórias”, assinado pela Veritas University Animation School, vemos a história de um rapaz que acompanha os últimos momentos de vida de seu pai no leito de morte. Aquele momento de despedida e tristeza traz à tona, para o jovem, as lembranças de toda uma vida e com elas as memórias mais dolorosas que a mágoa alimentou em seu coração durante muito tempo.
Felizmente, aquele menino que acabara de ficar órfão pode fazer as pazes com os seus sentimentos e com a sua consciência, ao compreender os motivos do sofrimento que o atormentava e também ao seu pai. Ao final, ele pode perdoá-lo e também a si mesmo, e então, ficar em paz.
Julgar as atitudes de outras pessoas é uma coisa fácil de se fazer. Difícil mesmo, no entanto, é enxergar e compreender os motivos que elas têm para agir da maneira como agem. É óbvio que não são justificáveis determinadas ações e posturas agressivas, antissociais, mesquinhas e outras tantas que possamos demonstrar em nosso comportamento quando regidos por nossas mágoas. O que estamos dizendo, na verdade, é que nada acontece por acaso.
Por trás de toda ação, sempre há uma causa. As dores que carregamos não surgiram do nada, afinal, elas também tiveram sua origem. Será, entretanto, que precisamos continuar alimentando esses sentimentos ruins? Ou ainda, ao invés de julgar alguém, não seria bem melhor tentar compreender os sentimentos que estão por trás de suas atitudes, e assim estarmos prontos para ajudá-lo?
Aprofundando-nos um pouco mais na mensagem do nosso curta, descobrimos que a causa de quase todas as mágoas pode ser o apego e que a humanidade, como um todo, sofre com esse mal. De imediato, é natural que associemos a palavra apego aos nossos bens materiais e sentimentos. De igual maneira, direcionamos o que entendemos de seu significado aos que estão mais próximos de nós. Mas, em sua ação, a palavra apego é muito mais abrangente e seus efeitos danosos podem ser cruéis. Não nos damos conta disso, mas nos apegamos a tudo em nossa vida. Pequenas coisas tornam-se grandiosas quando as alimentamos com nossas expectativas, nosso sentimento de posse e a falsa sensação de controle.
Tudo aquilo que experienciamos em nossas vidas passa a nos pertencer, e consequentemente, nos agarramos a cada mínimo detalhe das nossas vivências. Até aí tudo bem, afinal, temos mesmo que cuidar e valorizar nossas conquistas. O problema está em não sabermos viver sem aquilo ou aquela pessoa acreditando que faz parte de nós, quando, na verdade, a qualquer momento, podemos perdê-la. De uma hora para outra, deixamos que esses sentimentos de posse invertam os papéis e então, nós é que passamos a pertencer a eles. Temos dificuldade de nos livrar de emoções, lembranças, desilusões, agressões, grosserias e tantas outras situações negativas.
O apego se torna um mal ainda maior quando nos tornamos reféns dos transtornos que ele nos traz. Se o apego a qualquer coisa, até mesmo as que vemos como boas (como uma paixão, por exemplo) pode nos prejudicar tanto, já que passa a nos dominar, imagine quando ele nos prende ao que nos causa mágoas.
Passamos muito tempo sendo consumidos pelas coisas que nos fazem mal, como se isso fosse mesmo uma escolha nossa. Acreditamos, às vezes, sermos tão incapazes de nos livrar daquilo que nos aprisiona que, em alguns casos, preferimos continuar alimentando o que nos faz sofrer e sendo alimentados por ele, ao invés de tentarmos nos libertar de uma vez por todas desses carrascos. A nossa crença é a de que aqueles que nos magoam fazem isso de maneira deliberada e proposital. Sendo assim, não vemos motivo para perdoá-los. A verdade é que, na maioria das vezes, eles também estão sofrendo e assim como nós, não sabem como se livrar das suas prisões emocionais. Frequentemente, essas pessoas tentam nos pedir ajuda, mostram sua fragilidade de alguma forma, mas como não sabem como fazê-lo, nós não as compreendemos.
Também existem as pessoas equivocadas, ou seja, que não têm consciência do que as faz sofrer. Elas acreditam que dividindo o que sentem podem se sentir melhor, pois julgam que o outro também pode ser responsável pelo seu pesar. E por já não suportarem sozinhas serem consumidas por seus sofrimentos, procuram alguém para compartilhar a responsabilidade.
Não devemos generalizar, mas observando a nós mesmos, veremos que as nossas mágoas são frutos de situações que não conseguimos superar. Muitas vezes, coisas muito pequenas, que só poderiam tomar as proporções que tomam por terem sido supervalorizadas, no fim das contas, não precisavam ter se tornado os monstros que agora nos atormentam.
E como não deixar que isso nos aconteça? Com certeza dando a cada coisa a sua medida certa, o que se aproxima muito do que Platão sugere como conceito de Justiça: dar a cada um de acordo com sua natureza e seus atos. São as expectativas que criamos, e o apego que alimentamos, que não nos deixam superar traumas e sentimentos que, afinal, não precisavam existir.
Como dissemos antes, nos apegamos a qualquer coisa. E os fatores externos, como as atitudes dos outros, por exemplo (principalmente aquelas que nós não conseguimos ou não queremos entender), nos causam frustrações e mágoas. E são elas que nos fazem sofrer.
Concluímos que não precisamos absorver o que não nos pertence, muito menos alimentar sentimentos que não nos elevam e não nos tornam melhores. Podemos entender e, com isso, amenizar o sofrimento dos outros e também os nossos. Podemos fazer isso vivendo um dia de cada vez, não deixando nada para ser resolvido depois. Aproveitando cada detalhe de tudo e levando conosco apenas o melhor de todas as coisas. Trocando essas tristezas por ensinamentos, conseguiremos bases sólidas para construir a nossa felicidade. As mágoas nem mesmo precisarão existir quando formos capazes de enxergar, em todas as coisas, apenas aquilo que nos faz crescer. Não é fácil, mas é possível.