Alguma vez você já ouviu falar de Confúcio? Se sua resposta foi negativa, é compreensível, pois, infelizmente, nossa sociedade ocidental dedica pouco tempo ao estudo de filósofos e personagens do Oriente. A História das civilizações do Oriente Antigo guarda milênios de experiências e descobertas para a Humanidade, entretanto, raramente nos debruçamos sobre esses povos e acabamos limitando nosso conhecimento apenas ao que nos é apresentado. Tratando-se de Confúcio, sua filosofia influenciou o modo de vida chinês por mais de dois mil anos, e tem como principal aspecto o desenvolvimento individual e social a partir da razão. Visto isso, no texto de hoje trataremos dessas ideias desenvolvidas pelo “Platão do Oriente”, como Confúcio foi chamado na modernidade, e de sua relevância para os nossos dias.
Nossa jornada começa em torno do ano 551 a.C. no extinto Estado Lu (atual Xantum). Ali nascia Kung-Fu Tsé, mais conhecido como Confúcio. Durante sua infância, dizia-se que preferia passar mais tempo com os anciãos do que com as crianças. Sua principal diversão eram os livros e, não por acaso, desde cedo interessou-se por compreender o mundo, o Universo e o Ser Humano. Ao chegar à vida adulta, começou a exercer funções importantes no Estado de Lu, mas a decepção com o governante do Estado o fez desistir da carreira pública.
Por muitos anos, o filósofo peregrinou por diversas regiões da China, ensinando a qualquer um que quisesse aprender. Dos camponeses aos príncipes, dos homens de posse até aos mais pobres, Confúcio não escolhia a quem iria ensinar, apenas o fazia e, desse modo, ao longo dos anos construiu relações e discípulos. A história do filósofo chinês está repleta de acontecimentos fantásticos, misturando-se à realidade objetiva com um pouco de mitologia; porém, esses fatos, por mais que sejam alegóricos, demonstram os principais atributos de Confúcio: a busca pela Harmonia entre o Homem, a Sociedade e o Universo.
Uma das principais ideias de Confúcio trata da relação entre Ética e Política. Conhecido por uma filosofia moralista, o filósofo chinês nos fala que Ética seria, em síntese, a Arte de Harmonizar-se internamente, enquanto a Política seria a capacidade do Homem de Harmonizar as diferentes partes em uma sociedade. Mas, afinal, o que seria Harmonia? De modo geral, a Harmonia seria a relação justa entre duas ou mais partes. Uma pessoa Ética, portanto, seria aquela que consegue ter uma boa relação entre seu corpo e sua mente, na qual cada um exerce a função que lhe cabe, constituindo uma Unidade.
Se pensarmos em um corpo humano, por exemplo, perceberemos que todas as suas partes (células, tecidos, órgãos etc) trabalham em Harmonia pela preservação da Unidade, que é o corpo humano. Do mesmo modo, o corpo e a psique juntos devem atuar em Harmonia com a Natureza Humana, e essa ação conjunta entre corpo, mente e espírito gera o que chamamos no Ocidente de Virtude. Quando conseguimos alcançar esse estado, transformamos nossos atos em pequenas cerimônias, ou seja, nos tornamos capazes de agir conectados profundamente com as ideias que desejamos expressar e viver. Com o tempo, após praticar esse modo de agir em todos os lugares, conquistamos uma Vida Cerimonial, que é, em síntese, quando todas as nossas atitudes estão repletas de Ordem e de Harmonia.
Esse Ser Humano Ético, que conseguiu harmonizar suas diferentes partes e viver conforme as Leis da Natureza, agora está habilitado a exercer a Política, em seu mais profundo sentido. A finalidade desse Homem Político, que Confúcio chama em seus escritos de “Homem Ju”, é a de conduzir as outras pessoas a aprenderem a Arte de se governarem. O Político, em síntese, é aquele que busca ajudar as outras pessoas a exercerem a Ética. Desse modo, a sociedade tornar-se-ia melhor e caminharia em um mesmo sentido. Logo, a filosofia confucionista não enxerga diferenças entre Ética e Política, a não ser a de proporção: uma cuida do Indivíduo, a outra busca ajudar a coletividade.
A ideia desenvolvida por Confúcio não foi fruto do acaso. Em seu tempo, ao perceber que os governantes não conseguiam dominar a si mesmos, de maneira que perdiam-se em vícios e atitudes imorais, o filósofo entendeu que o caminho para a construção de uma sociedade melhor não seria possível sem antes existirem Seres Humanos melhores. Se utilizarmos esse pensamento para os dias de hoje, compreenderemos que, em diversos momentos, exigimos atitudes assertivas por parte de governantes, grupos sociais e instituições; porém, nós mesmos, em nossa vida particular, não buscamos refinar nossas atitudes e agir de maneira fraterna. Como podemos, portanto, desejar uma sociedade mais altruísta e empática quando não conduzimos a nossa vida por meio desses Princípios?
Pensando sobre esse dilema, Confúcio decidiu educar antes de governar. Como já citado, percorreu diversas localidades e criou discípulos, fundamentando sua doutrina numa série de aforismas que conhecemos como “Analectos”. Graças a essa corrente de transmissão de Sabedoria, tanto pelos escritos que deixou como pelos seus discípulos, hoje podemos ter acesso às reflexões e sínteses desse grande filósofo. Mas será que ideias tão antigas ainda são aplicáveis aos dias atuais?
Uma antiga frase diz que “o que é nunca deixa de ser”, portanto, quando analisamos os ensinamentos de Confúcio podemos perceber que eles não estão restritos a um tempo e espaço. Confúcio estava se baseando em Arquétipos, Ideias Atemporais acerca do Ser Humano. Qual de nós nunca se sentiu dividido? Em vários momentos de nossa vida, sentimos que o corpo, as emoções e a mente entram em desacordo. Cada um, ao que parece, deseja algo distinto e, no fim, o lado que “puxar mais forte” comanda o que devemos fazer. Essas situações nos mostram a falta de Harmonia que vivemos dentro de nós, e uma das causas é a falta de um Princípio que nos norteia, ou seja, de uma Ética que fundamente o nosso pensar, sentir e agir.
De igual maneira, quando olhamos para a sociedade que vivemos, é preocupante a nossa dificuldade em sermos fraternos. Todos os dias sobram exemplos de egoísmo e individualismo, além do confronto aberto entre grupos sociais. Fazendo uma analogia com o corpo humano, seria como se cada um de nossos órgãos buscasse reclamar para si o comando de todo o organismo. Ademais, tão absurdo quanto isso seria imaginar esses mesmos órgãos – que deveriam trabalhar em conjunto – tentando eliminar uns aos outros. Assim, infelizmente, caminha a nossa sociedade atual. A desarmonia que vivemos enquanto Indivíduos, afinal, expressa-se em nossos ambientes coletivos causando confusão, conflitos e desordem.
Visto isso, os Valores Atemporais ensinados por Confúcio não se restringem ao tempo. O Ser Humano, em essência, continua similar aos que viveram há 2.500 anos.
Confúcio deixou como legado não apenas os seus discípulos, mas também seus aprendizados. No livro “Analectos”, podemos encontrar pérolas de sabedoria que ainda hoje podemos levar para a nossa vida prática. Vamos conhecer algumas delas?
Um dos aforismas mais conhecidos de confúcio aponta para o valor das amizades. O aforisma em questão diz o seguinte:
“Para conhecermos os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos a quantidade e, na desgraça, a qualidade.”
Uma frase singela e que provavelmente você já escutou em algum momento, correto? A verdadeira amizade está presente tanto no infortúnio como nos bons momentos, e um amigo jamais abandona aquele no qual sua amizade reside. Essa não é uma ideia nova, mas será que praticamos constantemente? Ou apenas aceitamos que não possuímos tantos amigos e que deve-se confiar em poucos? Não deveríamos construir amizades mais duradouras e sermos nós mesmos esse arquétipo de amigo, que está pronto para enfrentar as grandes dificuldades da vida ao lado dos nossos camaradas?
Ainda sobre esse tema, outro aforisma de Confúcio nos fala sobre as qualidades de um bom amigo:
“Beneficia-se aquele que faz amizade com três tipos de pessoa. Igualmente, prejudica-se aquele que faz amizade com outros três tipos de pessoa. Fazer amizade com os retos, com aqueles que são fiéis às próprias palavras e com os bem informados é beneficiar-se. Fazer amizade com aqueles que são subservientes em suas ações, agradáveis na aparência e eloquentes no discurso é prejudicar-se.”
Aqui podemos observar que o sábio chinês destaca três qualidades que todo bom amigo deve ter: a retidão, a fidelidade e boa informação – que podem ser entendidas como características de uma pessoa que possui conhecimento. Não pensemos, nesse momento, em nossos amigos, mas em nós mesmos nessa condição: será que não podemos ser cada vez mais retos, ou seja, agir com princípios e valores, sermos mais fiéis aos nossos ideais e buscar conhecer ainda mais os assuntos que nos tocam? Na mesma medida, devemos evitar, como destaca Confúcio, sermos bajuladores, expor-se desnecessariamente com demasiadas palavras e agir de forma servil.
O leitor atento pode se perguntar: mas qual a razão de sempre observarmos a nós mesmos e não os demais? Afinal, a amizade não é uma via de mão dupla? Sim, de fato, qualquer relação humana envolve duas ou mais pessoas, e nisso deve-se considerar as responsabilidades, pontos de vista e sentimentos alheios. Entretanto, só podemos definir nossas próprias ações, o que nos leva a acreditar que empregar energia em como o outro deveria comportar-se é, em síntese, um desperdício. Sobre isso, Confúcio também nos aponta um dos seus famosos aforismas: “Aquilo que um cavalheiro procura, ele procura dentro de si próprio; aquilo que um homem vulgar procura, ele procura nos outros.”
Um cavalheiro, no sentido colocado por Confúcio, nada mais é do que um ser humano que sabe corrigir a si mesmo. Não se trata aqui de regras de cortesia somente, mas de buscar o autoconhecimento para poder dominar-se e servir aos demais. O homem comum, como apontado, é aquele que apenas aponta o dedo e não se autocorrige. Visto isso, é preciso que cada vez mais tenhamos como meta essa busca de melhorar a si mesmo e, quem sabe, ao nos inspirar com o exemplo de ser humano que foi Confúcio, um verdadeiro amante da Sabedoria, possamos viver de forma mais consciente e próxima do nosso ideal de Ser Humano.