Vivemos em uma época que, no geral, entende-se compromisso como uma limitação, algo que tira nossa liberdade de escolha. Porém, nem sempre se pensou assim, pois, houve momentos em que o compromisso era uma das maiores qualidades do Ser Humano, seja pelo nível de envolvimento com alguma instituição ou pessoa ou mesmo um grau de responsabilidade sobre o indivíduo que fez o compromisso. Em certas épocas históricas podia-se, inclusive, definir o caráter de uma pessoa pela quantidade de compromissos que ela era capaz de honrar. Ou seja, a confiança em uma pessoa podia ser medida pelo grau de responsabilidade e compromissos que possuía. Quem não lembra dos contratos assinados através do “fio do bigode”? Acordos eram realizados através da confiança na palavra dada, não se precisavam de contratos escritos com assinaturas em cartórios e tudo isso graças às imagens de responsabilidade que as pessoas apresentavam. Realidade bem diferente da que vivemos hoje, infelizmente.
Se buscarmos a origem da palavra compromisso chegaremos ao termo latino “Compromissus”, que traz uma ideia de fazer uma promessa mutuamente, ou seja, de prometer ou garantir junto com algo ou alguém. Um bom exemplo para se entender essa ideia é quando a aplicamos numa relação de amizade, na qual duas pessoas se comprometem em tornarem-se amigas para serem fatores de soma uma na vida da outra, entregando assim, o seu melhor. Tal relação vai além do coleguismo, uma vez que trata-se de uma opção de relacionamento para a vida toda. Entretanto, hoje quase sempre somos estimulados a pensar no compromisso como algo ruim, que nos aprisiona e por isso devemos tentar evitá-lo.
Em parte, essa nossa atual postura frente às palavras “compromisso” e “liberdade”, se dá pelo esvaziamento do valor que damos a esses e tantos outros termos. Segundo Platão, quando se há um esvaziamento dos sentidos das palavras, não perdemos só o seu valor ou sua essência, mas comprometemos a própria transmissão do conhecimento para as próximas gerações. E nesse caso, a perda de uma compreensão genuína da palavra nos causa grandes consequências não só a nível social, mas, principalmente, a nível pessoal.
Sob uma perspectiva filosófica, o primeiro compromisso de um indivíduo é com a sua condição humana, compromisso com a sua essência, ou o seu Ser para além de sua aparência. E se não assumirmos essa primeira responsabilidade, dificilmente, poderemos garantir condições para lidar com qualquer outro compromisso, por menor que ele seja. Por uma questão de lógica, quando não honramos a nossa palavra, quando não realizamos o que prometemos quem mais se prejudica somos nós mesmos e não o outro. Partindo desse ponto de vista, quando marcamos, por exemplo, o início de um regime ou da nossa atividade física e não cumprimos por reiteradas vezes, a tendência é perdermos a confiança em nós mesmos e, quando chegamos a esse estágio, é muito difícil recuperá-la, pois passamos a duvidar de nossa própria capacidade de ação.
Acreditar que a vida tem um propósito é o mesmo que entender que dentro desse espaço e tempo, dentro da trajetória humana, todo o indivíduo também tem a sua razão de existir. Segundo algumas tradições, o Ser Humano veio ao mundo para sair da sua ignorância e alcançar a Sabedoria. Quando se trabalha para essa realização, cada um cumpre a sua razão de ser, dessa forma, não há maior liberdade do que realizarmos aquilo para o qual nascemos. Sendo assim, na Natureza cada ser vivo tem a sua Identidade própria: os minerais sendo minerais, as plantas sendo plantas, os animais sendo animais e os Seres Humanos sendo Humanos, realizando Valores Humanos. E comprometer-se com algo para além de si mesmo, baseado em Princípios e Valores, é uma condição estritamente Humana. Os animais ou qualquer outro ser da Natureza não são capazes de realizar essa tarefa, logo, o compromisso é uma atitude exclusivamente nossa. Assim, ver o compromisso como um comprometimento, a priori, com a própria condição humana ou com a nossa essência é o mesmo que ter um propósito, uma razão de existir. Sem dúvida alguma, uma pessoa que tem um propósito, sabe se localizar no mundo, pois parte de um ponto fixo para sair em busca de sua meta, para se alavancar para o futuro e não se torna vítima das circunstâncias.
Dentro dessa lógica, todos nós devemos nos responsabilizar para sair dessa existência menos ignorantes do que quando entramos. Ao saber quem se é, pode-se ter a liberdade de escolher de forma consciente como se quer viver e não ficar à mercê do sopro dos ventos. Comprometer-se com as Leis Humanas nos convoca à consciência para assumirmos todas as responsabilidades do que nos acontece, nos fazendo assumir o volante de nossas próprias vidas para além da sobrevivência material. Vale lembrar que a Natureza não admite vácuo, logo, se não tomamos as rédeas de nossas vidas, estaremos as entregando a alguém.
A vida se sustenta por um ritmo e essa dinâmica se apoia em compromissos e responsabilidades e não na ausência deles. Por isso, é preciso que haja um conhecimento da importância desses Valores que nos caracterizam como Seres Humanos, e não só isso, mas uma apropriação e uma prática diária para que nos comprometamos com a Natureza Humana que habita em cada um de nós.
Portanto, ser livre não é sinônimo de não se comprometer com nada. Não estar comprometido é o mesmo que estar comprometido com a alienação de si e de tudo o que está a sua volta. Um indivíduo alienado não pode ser livre e nem pode caminhar de maneira consciente, não pode construir nada, não pode somar para si e nem para o outro. Sem compromisso nos tornamos suscetíveis e escravos das circunstâncias, perdemos o nosso poder sobre a vida e consequentemente nos perdemos, renunciamos a nossa condição e a nossa consciência humana.
Diante disso nos tornamos, fatalmente, um joguete na complexa existência com suas demandas e tensões. Porém, quem tem compromisso com a sua consciência e tudo o que qualifica a sua dignidade humana garante as condições necessárias para firmar compromissos por onde quer que transite, seja no trabalho, no ambiente familiar ou social. O compromisso traz consigo Virtudes como o Respeito, o Autocontrole, a Lucidez, a Atenção, a Vontade, a Garra e a Inteligência, que são imprescindíveis e nos ajudam a caminhar em direção ao Ideal Humano de Sabedoria. O compromisso com a condição humana nos garante uma fidelidade a nós mesmos e ao que elegemos como caminho a se trilhar, nos retira da mediocridade e nos eleva a um patamar além da sobrevivência. O comprometimento nos possibilita sair da posição de meros espectadores de nossas próprias vidas e nos permite construir a nós mesmos e, como construtores, somos livres para criar essa que é a mais importante de todas as obras de arte – a nossa Humanidade.