Sem dúvida alguma, há dois grandes desafios presentes na nossa vida em sociedade, eles podem ser denominados como a comunicação e a convivência. E, a depender de como nos comunicamos, podemos ter convivência harmônica ou não. Pois, se partimos do pressuposto que comunicar não é só um amontoado de palavras expressas e que conviver não é transitar ou partilhar apenas espaços físicos, iremos concordar que a arte de viver nos exige um bom domínio frente a essas complexas demandas.
Foi por compreender essas necessidades humanas que o estudo da oratória sempre foi matéria importante na formação básica dos indivíduos desde as tradições mais antigas, pois, para esses povos, a oratória era uma necessidade de três cultivos. O primeiro era o cultivo do espírito para se ter ideias claras, fundamentos e convicções, uma vez que, quando se fala algo ou se deseja dar uma mensagem, entrega-se mais do que palavras, entrega-se também um pouco de nosso ser, do espírito de quem se fala. O segundo cultivo é o do intelecto, uma vez que, quando se tem uma ideia a ser transmitida, precisa-se de ferramentas, elementos associativos e meios exemplificativos, ou seja, quanto mais conhecimento geral se possui, maior a possibilidade de alcançar mais pessoas para ouvir a nossa ideia. O terceiro e último cultivo está relacionado diretamente ao da fala, não como a busca de uma eloquência que visa convencimento do outro a todo custo, mas como o desenvolvimento e a aprendizagem da estrutura lógica e da análise de discurso, e também como a ampliação de vocabulário e expressões para a escolha da forma mais adequada a ser utilizada na fala.
É importante lembrar que não podemos confundir a retórica (arte de defender interesses) com oratória (arte de entregar uma mensagem de forma sagrada). Etimologicamente, a palavra oratória vem da mesma raiz da palavra “orare”, ou oração, e que nos remete a ideia de falar de forma ritualística aquilo que nos vem da alma. E, na verdade, quando falamos de dentro da alma, seguimos um rito e cada movimento ou expressão tem uma forma ordenada para que a ideia possa se encarnar, para que a mensagem possa ser entregue. Neste caso, cada orador é o próprio instrumento e canal da sua mensagem que necessita transmitir. Sob uma perspectiva filosófica, acredita-se que cada um de nós tem uma mensagem a ser transmitida à humanidade e que precisamos entregá-la antes de morrermos.
Entretanto, precisamos olhar para dentro e encontrar essa mensagem a qualquer custo sob os escombros das ideias e percepções que julgamos sermos, como que uma espécie de diálogo íntimo entre a nossa essência e a nossa consciência que precisa ser estabelecido, para que se possa logo a seguir trazê-lo para os demais. Assim, o exercício da oratória, antes de qualquer outra coisa, seria vital para nos ajudar a encontrar as verdadeiras ideias que carregamos conosco e nos preparar para a entrega de nossa mensagem como uma oferenda a toda a humanidade. Quando estabelecemos um contato profundo entre a nossa consciência e a nossa essência, conseguimos usar as palavras certas dentro das condições mais adequadas; conseguimos, acima de tudo, conviver conosco independentemente de nossos fracassos ou sucessos.
É a partir dessas experiências íntimas que brotam as nossas experiências com as ideias, por isso, falar bem, com clareza e com verdade tem muito mais a ver com ideias e não com repertórios bem elaborados ou rebuscados. O mais impressionante é que, equivocadamente, chegamos por vezes a acreditar que para dominar a arte de falar precisamos acumular uma série de conhecimentos, fatos ou referências, mesmo sem ter chegado a nenhuma conclusão própria. Talvez seja por isso que somos uma sociedade que fala demais, mas tem poucas ideias válidas a compartilhar. Quando temos ideias ou convicções, o repertório de conhecimentos, fatos ou referências apenas serve como base de exemplos que nos ajudam a transformar a mensagem que temos que transmitir em fala.
Mas, o que tudo isso tem a ver com comunicação e convivência? Tudo. Se entendermos que o indivíduo é a chave para todas as coisas, chegaremos a conclusão de que, para se comunicar, é preciso ter ideias profundas e não apenas conhecimento e, para isso, é imprescindível ter uma relação harmoniosa entre a nossa essência e a nossa consciência. Dessa forma, quando conquistamos essa relação interna, realizamo-nos enquanto indivíduos e podemos trazer à tona a nossa verdade interna para compartilhar com os demais. Por outro lado, quanto mais verdadeiros e realizados nos tornarmos, mais e melhor nos comunicamos com os demais e, por conseguinte, melhor convivência estabelecemos com os outros.
Diante disso, só é capaz de se comunicar sem ferir o outro quem fala com o coração, acima de tudo, quem une o seu coração ao coração do seu ouvinte e, por se sentir unido, pode transmitir a mensagem, cumprindo assim, a tríade ou triple da comunicação, estabelecendo a conexão. E é pelo princípio da unidade – da unidade entre corações – que surge a fraternidade a partir do respeito e o valor não só a nossa ideia, mas a ideia do outro. Se tudo for ideia, como acreditou o filósofo Platão, que possamos cultivar as melhores ideias, mas, acima de qualquer coisa, que possamos trazer do fundo de nossa alma a nossa ideia mais divina e, por mais humilde que ela seja, que possamos entregá-la a toda a humanidade.