Não podemos mentir: ouvir críticas sempre são dolorosas. Mesmo as famigeradas “críticas construtivas”, que em tese são feitas para nos ajudar a melhorar, ainda podem ser devastadoras para a nossa psique. A reação natural – e até esperada – às críticas são a tristeza, a raiva, uma sensação de injustiça e um desejo de revanche. Vamos descobrir como lidar com críticas.
Como você lida com as críticas? Será que há uma maneira saudável de recebê-las sem se afetar tanto? E o que podemos fazer para avançar frente a esses apontamentos? Sem dúvida, esse é um assunto que precisamos abordar, e por isso vamos aprofundá-lo nesse texto.
De onde nasce a crítica?
Vivemos em um mundo que estimula o pensamento crítico. Somos viciados em encontrar defeitos, melhorias e em sempre buscar uma alta performance, seja no que for. Até mesmo nos momentos em que devemos relaxar, em que estamos em nosso lazer, acabamos caindo no pensamento de que sempre podemos fazer melhor e desempenhar ainda mais perfeitamente nossos papéis. Se por um lado existe um valor intrínseco no aperfeiçoamento, por outro a exigência para tal pode nos roubar a alegria de realizar nossas atividades e, nesse aspecto, a crítica é uma ação extremamente nefasta.
Para entendermos essa relação, é fundamental retornar ao papel da crítica em nossa vida. A crítica não nasce apenas em um contexto cultural, mas é um mecanismo de sobrevivência humana. Em linhas gerais, a crítica serve para avaliarmos rapidamente uma situação e saber se devemos investir ou não nossa energia nessa atividade, relação ou perigo. A crítica está diretamente ligada à conservação de energia, uma vez que nossos instintos trabalham sempre para a melhor relação custo X benefício, sendo o principal benefício a sobrevivência.
Desse modo, ao elaborarmos critérios para manter nossa vida, seja escolher um caminho seguro para retornar para casa ou o melhor modo de realizar uma tarefa, estamos exercitando esse instinto ancestral em nós. Ter critérios e segui-los, nesse aspecto, é positivo e nos ajuda a lidar melhor com a vida em nosso entorno. Entretanto, o verdadeiro problema nasce quando deixamos que esse aspecto ganhe tanta força que nos tire do controle.
A crítica é uma arma letal para a convivência
O grande problema da crítica é, portanto, quando deixamos nossa vida ser conduzida por esse mecanismo. Associada com alguns defeitos como a inveja, por exemplo, a crítica se torna uma arma letal para a convivência humana, pois já não somos regidos por uma necessidade de proteção, mas sim pelo desejo de possuir o que o outro possui. Observando esse aspecto, podemos avaliar que muitas críticas nascem apenas com o intuito de machucar o próximo, de causar dor e não ajudar verdadeiramente os demais.
Eis a nossa primeira lição sobre lidar com as críticas: avaliar o que está motivando a crítica, seja a que fazemos ou recebemos. Muitas vezes, poderemos notar que os motivos não são genuínos, que estão imersos em desejos e debilidades, e que o crítico, no fundo, sente-se acuado e defende-se dessa maneira. Saber definir o que nos move é fundamental para saber lidar, pois, uma vez que eu entendo os motores que me levam a criticar outra pessoa, também poderei entender a crítica alheia e o que as motiva.
Há, entretanto, outra série de questões com que precisamos lidar, afinal, muitas vezes, as críticas entram em nosso organismo e nos contaminam, tal qual uma doença contagiosa, e devemos ser capazes de combatê-las após instaladas. Sendo assim, o que fazer nesses cenários? Acreditamos que o primeiro passo está em saber o que nos fez, de fato, ficar magoados com a crítica. Por vezes, pode ser a forma com que nos foi falada a crítica; por outras, é possível que seja apenas uma questão de suceptibilidade, ou seja, de estarmos demasiadamente sensíveis e a crítica colocar mais um ponto de dor em nosso organismo.
No primeiro caso, não há muito o que fazer, afinal, não controlamos a maneira com que os outros conduzem suas falas. Ainda assim, aprender a enxergar a intenção e motivação por trás de uma crítica irá nos blindar quanto a forma grosseira, por exemplo, que uma crítica pode ser feita.
Uma dica importante é a de evitar ironias e palavras mais duras. Essa é uma boa forma de ajustar a forma ao fazer uma crítica. A ironia é, de certo modo, uma covardia, pois, ao disfarçar a crítica com duplos sentidos, não damos a oportunidade do outro se corrigir, além de nos colocar numa posição que impeça o diálogo. Já palavras duras podem machucar e não ensinar, causando mais dor do que compreensão.
Já a susceptibilidade não se trata do outro, mas sim de nós mesmos. Ela nasce da falta de autoconhecimento e nos deixa numa posição de insegurança. Assim, ao recebermos uma crítica, acabamos “ativando” nossas defesas e passamos a não aceitar o que nos está sendo dito, criando assim um “campo de guerra” entre duas ou mais pessoas. Uma pessoa com essa característica tende a afundar diante das críticas, pois, além de perder a pouca segurança que tem, sente-se atacada e busca, de forma inconsciente, defender-se de um perigo que, no fundo, não existe.
Visto isso, precisamos aprender a lidar não apenas com a crítica, mas também aprender a conhecer quem realmente somos e adquirir confiança nessa imagem. Se a crítica não for válida, não cairemos na susceptibilidade, e caso ela tenha de fato razão, agradeceremos aos críticos por nos ajudarem a observar outro aspecto de nós mesmos que, a partir disso, poderemos corrigir.
O caso de Ole Bull: aprendendo a lidar com a crítica
O violinista norueguês Ole Bull, século XIX, após anos de estudos, resolveu realizar concertos como músico profissional. Num desses concertos, um crítico de música assistiu à sua apresentação e publicou no jornal da época sua crítica, chamando Ole de um “músico mau treinado […] que se comparado a um diamante, estaria no estado mais bruto”.
Antes de contar o final da história, vamos refletir um pouco e nos colocar no lugar de Ole. Fazemos o nosso trabalho, ao qual passamos meses nos preparando, e recebemos uma crítica pesada, espalhada aos quatro cantos do mundo, para quem quiser ouvir, e conhecemos a pessoa que nos criticou.
Diante de tal cenário, podemos assumir 3 posturas:
- Se chatear, obviamente, pois ninguém se sente bem sendo criticado, e dar uma resposta para a crítica que foi feita, ou seja, se defender;
- Simplesmente ignorar o que foi dito, ou
- Buscar a pessoa que nos criticou e aprender algo com a crítica. Não precisamos pensar muito para perceber que em 99% dos casos exercitamos a opção 1 ou 2.
Como já apresentamos, sabemos que não reagimos muito bem às críticas e tendemos a ficar reativos, “armados” emocionalmente ante elas. Quando alguém nos dá um feedback do tipo “olha, você poderia melhorar nesse ponto”, ou “esse serviço poderia ter sido mais bem feito”, automaticamente ligamos nossos escudos, nossas armas, e nos irritamos, nos fechamos para não ouvir aquela opinião. Em resumo, ficamos susceptíveis. Como resposta ao que ouvimos, mentalmente criticamos e/ou xingamos o crítico.
Existem algumas teorias para essa nossa postura. A primeira é a de que não aceitamos um ponto de vista diferente do nosso, consideramos ter sempre a visão certa das coisas, o que é um problema, porque, muitas vezes, nossas opiniões podem estar embasadas em falsas crenças, em preconceitos e maus gostos, gerando pontos de vistas distantes da realidade.
A doutrina tibetana nos ajuda a refletir sobre essa questão. Para essa cultura, a mente humana cria um mundo ilusório, distorcido da realidade. Assim, mergulhados nesse mundo – que são as opiniões, nossas sensações, crenças e preconceitos –, acabamos invalidando toda e qualquer crítica que não participe desse universo particular que existe em nossa mente.
Para resolver esse estado de pensamento, precisamos ter a mente aberta, e ver que todas as pessoas possuem um pedaço da verdade. Uma boa prática indicada pelos monges tibetanos é o de não apegar-se a nada, mas sim ter uma mente disciplinada, capaz de escutar e ser receptiva, e avaliar com cuidado o que participa ou não da Verdade.
É inegável o valor de um olhar diferente em nossa vida. Uma nova perspectiva sempre mostrará ideias e opções novas que nosso olhar nunca captaria, pois vê sempre da mesma forma. Para conseguir ter essa visão, é preciso sinceridade conosco mesmos, não ter raiva de nossos defeitos e erros, aprender com eles e ter a humildade para reconhecê-los. Sem sinceridade não conseguimos ser humildes.
A outra teoria é a de que somos muito vaidosos, não aguentamos ouvir algo que “derrube” nossa imagem pessoal. É preciso estar de coração aberto ao que nos falam, pois aí está a oportunidade para novos aprendizados e reflexões sobre nós mesmos. Estamos aqui para crescermos como seres humanos, e não nos tornarmos cada vez mais vaidosos e orgulhosos!
Aqui aprendemos uma lição importante com Ole: Ao invés de ignorar seus defeitos, o músico norueguês se dirigiu ao jornal que o crítico trabalhava e foi conversar com ele. Humildemente, pediu para que explicasse todos os comentários. O crítico apontou as falhas do músico e deu uma série de conselhos para que melhorasse sua performance.
Depois dessa tarde de conversa, o violinista passou a estudar as técnicas de forma diferenciada, procurou novos professores e melhorou sua arte. Em 1837, Ole Bull realizou 274 concertos somente na Inglaterra, feito nunca realizado por ele antes! Assim, Ole aprendeu muito mais do que técnicas musicais, mas um valor imprescindível sobre si mesmo e sua capacidade enquanto ser humano!
Que possamos nos inspirar nele e adquirir a postura de aprender com tudo: as críticas e os elogios, afinal, o que seria de nossas vidas se não tivéssemos as oportunidades de crescermos e nos melhorarmos como seres humanos?