Por que os filhos dos bilionários estão estudando agricultura, IA e filosofia?

Durante muito tempo, o caminho da elite era bem conhecido. Os filhos de magnatas frequentavam internatos de prestígio, faziam cursos de administração em universidades renomadas, aprendiam sobre investimentos, mercado de capitais e estratégias de crescimento empresarial. Em geral, suas preocupações estavam voltadas somente para a manutenção do grande patrimônio que herdaram ou ainda a sua ampliação. Assim, estavam sendo moldados para dar continuidade ao império construído por seus pais, dominando os instrumentos clássicos do poder econômico. Entretanto, esse cenário tem ganhado novos contornos.

Hoje, vemos jovens herdeiros das maiores fortunas do planeta matriculados em cursos que, até pouco tempo atrás, soavam quase como um desvio de rota. Eles estão estudando agricultura orgânica e regenerativa, filosofia estoica e clássica, ética aplicada, inteligência artificial e ciência da computação. Todos esses saberes são extremamente válidos e não estamos diminuindo nenhuma destas áreas; afinal, todas são extremamente relevantes para nosso conhecimento de mundo. 

Jovens da elite econômica estudando agricultura, IA e filosofia
Jovens herdeiros mudam o foco da educação tradicional

O que nos chama atenção é o fato de filhos dessa elite econômica se preocuparem com tais saberes, que, via de regra, não estão conectados com as empresas e a manutenção da fortuna que irão receber. O que leva, portanto, a esse comportamento nos dias atuais?

Antes de mais nada, devemos entender que esse movimento não é fruto de uma moda ou capricho juvenil, como podemos pensar primeiramente. Ele sinaliza algo mais profundo: uma mudança na percepção sobre o que, de fato, será essencial no futuro. Ao olharmos com atenção para essa tendência, talvez possamos vislumbrar não apenas o tipo de mundo que está por vir, mas também o tipo de humanidade que será necessária para habitá-lo com sabedoria. Sendo assim, quais saberes serão úteis no futuro próximo?

Quais conhecimentos serão importantes no futuro?

Vivemos em um mundo cada vez mais acelerado, fragmentado e imprevisível. As estruturas que nos sustentaram no último século estão em processo de transformação, e as mudanças climáticas ameaçam a segurança alimentar e energética de vários países. Em contrapartida, a inteligência artificial promete substituir milhões de empregos humanos, uma vez que consegue acelerar processos e automatizar ainda mais a indústria e outros serviços. 

Além desse cenário complexo em que começamos a viver, estamos nos confrontando com um vazio de sentido coletivo: para onde estamos indo? O que queremos construir como civilização? O que vale, de fato, preservar? Não por acaso, os índices de problemas psicológicos, tanto em adultos quanto crianças, crescem todos os anos, e isso aponta um adoecimento coletivo devido à falta de resposta e sentido de vida.

Nesse contexto, os conhecimentos que antes eram considerados “alternativos”, “humanistas” ou “ancestrais” começam a ser vistos não apenas relevantes, mas também essenciais para uma verdadeira forma de encontrar a si mesmo e lidar com toda pressão que o mundo exerce em nós. A agricultura, por exemplo, antes vista como uma ciência simples e muitas vezes voltada apenas para o homem do campo, emerge como um dos pilares mais importantes da transição ecológica que vivemos. Com o esgotamento dos solos e a escassez hídrica, causada pelo aquecimento global e por outras mudanças climáticas, se mostra cada vez mais fundamental saber plantar de modo sustentável, regenerar ecossistemas e manejar o solo com inteligência. 

Agricultura regenerativa e sustentável sendo ensinada
O retorno ao saber ancestral como ferramenta estratégica

Essas habilidades, até então vistas como um trabalho quase braçal e que não precisava de tantos conhecimentos, agora se mostram essenciais para que possamos seguir alimentando o mundo sem destruir nosso planeta no processo. Nesse aspecto, no futuro a agricultura se tornará uma habilidade tão estratégica quanto saber operar o mercado financeiro. É por isso que os futuros bilionários, que provavelmente possuirão grandes fazendas e controlarão parte desse sistema, devem aprender como manter sua produção sem causar tantos impactos ao meio ambiente.

Já a inteligência artificial, longe de ser apenas uma ferramenta de automação, revela-se como a nova infraestrutura da sociedade digital. Dominar sua linguagem, entender seu funcionamento, prever seus impactos e, principalmente, refletir sobre seus limites éticos, tornaram-se um imperativo. Não basta apenas consumir tecnologia, é preciso também compreendê-la criticamente, influenciar sua criação e regular sua aplicação.

Jovem estudando inteligência artificial com foco ético
Compreendendo os impactos éticos da IA

Outro saber que tem chamado cada vez mais atenção da elite econômica é a filosofia. Num tempo em que a quantidade de informação supera nossa capacidade de assimilação e julgamento, a habilidade de pensar, discernir, argumentar e sustentar valores se torna vital. A filosofia não é um adorno intelectual, mas uma necessidade perante o mundo. Ela oferece ferramentas para lidar com a dúvida, com o paradoxo, com a complexidade; ensina a pensar a longo prazo, a considerar o outro, a buscar coerência entre ideias e ações; e, acima de tudo, nos oferece caminhos para buscar as respostas para as perguntas que tanto afligem nossa alma.

Esses saberes são uma tentativa de responder à pergunta mais urgente do nosso tempo: como viver em um mundo em crise sem perder a humanidade?

Por que estudar tais disciplinas?

A decisão de estudar essas áreas específicas não é um gesto isolado, nem tampouco aleatório. Por trás dela há uma percepção refinada das tensões que moldarão o século XXI. Os filhos dos bilionários estão se voltando para disciplinas que lidam com o essencial: o alimento, a consciência e a tecnologia.

Comecemos pela agricultura. Ela representa o elo mais direto com a sobrevivência. Se o mundo passar por rupturas graves, a capacidade de produzir comida sem depender de agroquímicos será crucial. Desse modo, pensando em um cenário em que não tenhamos tantas tecnologias disponíveis para usar no meio rural, saber cultivar a terra de modo saudável será fundamental. Muitos herdeiros de fortunas estão comprando terras, criando fazendas experimentais, estudando permacultura e agroecologia, pois compreendem que o futuro da riqueza pode estar menos nos números da bolsa e mais na fertilidade do solo. Mais do que isso, reconhecem que o modo como lidamos com a terra é também um modo de nos relacionarmos com a vida.

No campo da inteligência artificial, o interesse também vai além da curiosidade técnica. A IA está moldando nossas escolhas, nossos gostos, nossa visão de mundo. O que antes era uma simples novidade, hoje é uma realidade estabelecida em nossa sociedade e será cada vez mais usada para nos dar respostas, ajudar em tarefas cotidianas e moldar, em algum grau, as informações que consumimos. Já não se trata apenas de prever padrões ou acelerar processos, mas também de pensar sobre quem somos diante de uma tecnologia que aprende com nossas ações, que nos imita, que pode nos substituir. 

Muitos jovens da elite estudam IA porque querem participar das decisões que definirão os rumos da humanidade, que está conectada a essa realidade. Querem criar algoritmos mais éticos, pensar políticas públicas para mitigar abusos, entender como garantir que a tecnologia esteja a serviço da coletividade. É nesse cenário que entra a filosofia. Talvez a mais inesperada e, ao mesmo tempo, mais reveladora das escolhas. 

Em um mundo onde tudo é medido, calculado e otimizado, o pensamento filosófico surge como uma espécie de resistência. Estudar filosofia é aprender a não aceitar respostas fáceis, produzidas pelo cruzamento de dados. É aprender a perguntar e refletir sobre o mundo. A busca pela sabedoria passa necessariamente por esses processos de reflexão e compreensão do mundo, mas não através somente de dados e frases prontas, mas também de uma vivência daquilo que se pensa. 

Nesse aspecto, a filosofia está na capacidade de sustentar valores mesmo diante de pressões contrárias. Quando os filhos dos bilionários estudam filosofia, eles não estão apenas lendo textos antigos, mas buscando uma bússola interna para não se perderem em um mundo que muda o tempo todo. 

Jovens refletindo sobre dilemas filosóficos contemporâneos
A filosofia como bússola em tempos incertos

Dito isso, é importante entendermos que essa mudança de áreas de interesse não exclui ou descarta os saberes e paradigmas que vivemos hoje. Não estamos falando de uma substituição pura e simples das ciências exatas e aplicadas pelas humanas e naturais. O que se observa é uma integração desses saberes que, ao que se nota, é quase uma exigência nesse novo modelo social. Não podemos pensar nessas áreas separadas, pois, no fundo, todas buscam a integração humana. Logo, por que precisamos deixá-las tão isoladas? 

A nova geração de cientistas e pesquisadores já nota a necessidade de caminhar lado a lado com os mais distintos saberes, gerando assim novas possibilidades de aprendizado e descobertas. Esses jovens compreendem que o mundo não é dividido entre números e ideias, entre natureza e cultura, entre máquinas e humanos. O futuro será híbrido. E para habitá-lo, será preciso saber programar algoritmos, mas também compreender o impacto de suas decisões sobre o planeta e sobre o outro.

Se alguém perguntasse, há vinte anos, o que os filhos dos homens mais ricos do mundo deveriam estudar para manter o império de seus pais, a resposta mais provável incluiria economia, finanças, engenharia e direito. Mas os tempos mudaram. E com eles, mudou também a natureza do poder e do saber. Hoje, os filhos dos bilionários estudam agricultura porque o planeta está exaurido, e sem solo fértil não há futuro. Estudam inteligência artificial porque as máquinas estão moldando nossos comportamentos, e quem as compreende terá influência real. Estudam filosofia porque, diante do excesso de informação, a escassez mais perigosa é a de sentido.

O que estamos testemunhando não é apenas uma mudança de currículo. É uma mudança de mentalidade. A nova elite – ou, ao menos, parte dela – parece ter compreendido que acumular riqueza num mundo colapsado é uma contradição. Será que esses saberes devem ficar apenas em uma classe de pessoas? Se entendemos que vivemos em um mundo de transformações, devemos também nos adequar e começar a mudar em nós mesmos alguns paradigmas.

Por fim, é possível que essa tendência nunca se popularize de maneira massiva. É provável que, via de regra, a grande maioria das pessoas não busque refletir e conhecer mais profundamente a si mesmo e queira achar respostas, mesmo o mundo se tornando cada vez mais intenso. É preciso entender que em todas as épocas sempre haverá dúvidas, conflitos e novos desafios a serem enfrentados, essa é a saga humana. O que podemos fazer hoje, é perceber essas mudanças e nos prepararmos para elas. Se até mesmo aqueles que estão economicamente confortáveis estão se preparando para isso, por que não deveríamos fazer o mesmo?

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