Todos os dias, temos uma nova chance de nos renovar. A cada manhã, quando despertamos, também despertam oportunidades que a Vida está nos apresentando, porém, em diversos momentos, não acreditamos nisso. Geralmente nos mantemos presos à ideia de repetição, ou seja, que cada dia é, mais ou menos, igual aos outros que já passaram. Nessa forma de pensar, a impressão que fica é de que a rotina diária nos consome em um eterno giro sem fim no qual fazemos, sentimos e pensamos as mesmas coisas.
Qual dessas duas formas de enxergar o início do dia é a mais benéfica? Parece-nos que olhar o nascer de um novo dia como uma nova chance de sermos melhores é, psicologicamente, mais saudável. Mesmo que alguns falem que isso é puro Otimismo, ou que, para os mais céticos, um novo dia nada mais é do que um momento de rotação da terra e que isso sempre acontecerá, ainda assim, a percepção de que podemos nos renovar com o amanhecer é uma postura importante diante da Vida e dos seus desafios.
Pensemos, portanto, como os Antigos Gregos e Romanos encaravam os seus amanheceres. Para essas duas Civilizações, o nascer do sol estava associado a uma Deusa muito importante e presente em seus cultos, mas que nos dias atuais, tornou-se muito pouco conhecida: Aurora (ou Eos).
Filha dos titãs Hiperião e Teia, Aurora também é irmã de Hélio, o Deus do sol. Hélio é a Divindade que puxa o sol pelos céus, com seus cavalos alados, em sua carruagem, porém, antes de começar a sua jornada celeste, é sua irmã Aurora quem lhe abre os caminhos, dando-lhe as primeiras luzes que rompem a escuridão. Dessa forma, Aurora é a primeira Deusa solar a aparecer nos céus, sendo, portanto, muito contemplada e agraciada pelos Antigos Gregos e Romanos.
Esse é um símbolo importante para compreendermos, por isso pensemos um pouco sobre ele. O sol, como símbolo da Bondade e tudo que gera Vida, antes de tomar seu lugar no céu, surge apenas de forma indireta, com luzes tímidas, mas que demonstram a sua presença. Assim, passo a passo, Aurora vai abrindo espaço para que seu irmão entre em cena e nos contemple com o astro rei. De igual modo, o poder da renovação está aí: começa-se aos poucos, iluminando uma pequena parte da escuridão que está dentro de nós, até que possa o sol surgir e nos iluminar por completo. Renovar-se é um processo lento, mas contínuo, que está muito além de uma simples troca ou começo de um novo ciclo. Quando nos renovamos, abrimos espaço para que o melhor de nós, o nosso sol, brilhe intensamente e possa nos revelar, mais uma vez, os nossos maiores atributos.
Dessa forma, quando os Antigos Gregos e Romanos olhavam para o amanhecer não enxergavam somente raios de sol, muito menos uma Divindade delicada e nobre que espantava a escuridão, mas sim uma nova oportunidade de fazer seu sol interno brilhar. Para isso, seria necessário um primeiro passo, contido e firme, em direção a esse objetivo. Assim, pouco a pouco, a claridade venceria a noite escura que dominava suas cidades, casas e corações.
Aurora, porém, tem outros símbolos importantes que nos auxiliam a entender mais profundamente a ideia da Renovação. De acordo com a Mitologia Grega, Aurora é mãe de diversas Divindades, mostrando assim sua fertilidade. Ela é quem gera, por exemplo, os três ventos que sopram pelo mundo: Zéfiro, Bóreas e Noto. A Deusa do Amanhecer também é mãe do Planeta Vênus, que é o primeiro a ser visto nos céus, também conhecido, em nossa cultura, como a “estrela matutina”. Além disso, um dos principais amantes de Aurora, Astreu, era o Deus do Firmamento, responsável por todas as estrelas do céu. De acordo com a Cultura Grega, quando ela surge no céu, esconde as estrelas, como uma mãe que protege seus filhos, colocando-se à frente deles. Assim, Aurora é considerada, de forma indireta, a mãe de todos os corpos celestes.
Mas o que a ideia de fertilidade, no sentido de ter muitos filhos, está ligada à renovação? Como já dissemos, renovar nos traz não apenas a percepção de que algo voltou ao seu “estado natural”, mas sim gera uma nova oportunidade, uma nova possibilidade de Vida que outrora não existia. Assim, cada dia que nasce é como um novo filho que Aurora nos gera, dando-nos, mais uma vez, a chance de viver uma nova Vida. Por isso a Deusa, quando comparamos com outros mitos, tem muitos amantes e também diversos filhos.
Trazendo tais Ideias para nossa Vida prática, pensemos, mais uma vez, na maneira que iniciamos as nossas manhãs: será que olhamos para esse novo ciclo e pensamos que é mais uma oportunidade que a Vida nos dá, ou vivemos de forma inconsciente, fazendo quase que, automaticamente, as mesmas coisas? Essa pergunta é importante pois nos faz refletir sobre o verdadeiro significado dos mitos e do simbolismo em nossas Vidas. Para além de histórias fantasiosas, ou pura “ficção”, como alguns costumam falar, os mitos têm o poder de nos remeter a pensamentos profundos e, se soubermos enxergar os símbolos que essas histórias carregam, poderemos viver, de forma consciente e profunda, seus mistérios.
Assim, quando olharmos para o amanhecer, vamos enxergar muito além de um fenômeno astronômico, que para nossa sociedade atual é tão comum quanto respirar. Veremos que, por detrás de toda a mecanicidade da rotação da terra, ao redor do sol, esconde-se algo mais precioso, um verdadeiro Milagre que é o amanhecer. Veremos que o sol, mesmo que ainda não esteja no alto do céu, já nos aponta que irá brilhar. Do mesmo modo, devemos olhar para nós mesmos e perceber que em nosso peito também já começa a despontar as primeiras luzes de quem desejamos ser, um novo Ser que está prestes a nascer.
Aurora, porém, ainda tem um último e importante simbolismo relacionado à renovação. Em seus mitos, os casos de Amor em que se envolveu, geralmente, não terminam bem. Dois dos seus amantes, por exemplo, Emátion e Mémmon, foram mortos por Hércules e Áquiles, respectivamente. O seu mais duradouro romance, com o jovem troiano Titono, também tem um fim trágico: Aurora, com medo de perder o seu amante para o Tempo, pediu a Zeus que lhe concedesse a imortalidade. O Deus dos Deuses assim o fez, porém, não lhe deu a juventude eterna. Desse modo, Titono foi condenado a viver eternamente, com todas as dificuldades e limitações existentes, em um corpo de idade avançada.
Assim, Aurora, recorrentemente, mergulhou em suas lágrimas, chorando a perda, não apenas dos seus amantes, mas também da maldição que ela mesma impôs ao seu mais querido Amor. Zeus, por piedade da Deusa, fez com que suas lágrimas se transformassem no orvalho que alimenta as plantas no amanhecer.
O símbolo presente na tristeza de Aurora, frente aos seus amantes, remete à renovação, no sentido de que, nem sempre, estaremos Felizes com esse novo movimento que a Vida nos oferece. Por vezes, renovar implica em se livrar daquilo que estamos apegados, como uma sujeira que ficou muito tempo em nossa pele e que agora precisa de uma boa “esfregada” para conseguir sair. A renovação, portanto, pode ser demasiadamente dolorosa e nos causar lágrimas, porém, são elas que irão ser o alimento desse novo momento.
Quem de nós, por exemplo, nunca sentiu a dor de um fim de um relacionamento, mas que, passado esse momento, percebeu a importância desse final de ciclo para viver novas experiências? Isso se aplica a diversas situações da Vida como uma mudança de profissão, de cidade, país etc. Dessa maneira, Aurora nos mostra que a Vida será sempre um campo fértil de experiências e possibilidades, mas que isso não nos livrará de sentirmos dor, pois o ato de seguir se renovando também implica deixar algo para trás. Sendo assim, desejamos que cada um possa se renovar, a cada dia, e que as lágrimas necessárias para esse recomeço sejam a fonte de alimento para um novo momento. Que deixemos nossa melhor parte brilhar. Esse verdadeiro sol de Bondade Humana que resplandece no peito de cada um de nós. Se assim o fizermos, quando enxergarmos os primeiros raios do sol, em um novo dia, saberemos que não se trata apenas da rotação terrestre, mas da Deusa Aurora que vem, incansavelmente, nos lembrar que o sol há de chegar, e que precisamos estar renovados para permiti-lo brilhar em nossas Vidas.