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“Conhecimento é poder”. Já ouviu isso antes? Se pensarmos em nosso próprio desenvolvimento, enquanto Humanidade, notaremos que essa é uma frase verdadeira. De acordo com Yuval Noah Harari, Historiador que escreveu o livro Sapiens: uma breve história da humanidade, se a única base para a seleção natural de nossa espécie fossem as aptidões físicas não estaríamos aqui, uma vez que o Homo Neanderthalis, nosso parente mais “próximo”, estava bem mais adaptado às condições físicas e necessidades de caça e coleta. Entretanto, o Homo Sapiens, nossos ancestrais, desenvolveram um modo de comunicação mais eficiente, um aspecto próprio da inteligência e superior, que estava a se desenvolver, e, graças a isso, fomos capazes de traçar estratégias melhores para obtenção e gerenciamento de recursos. No final das contas, o conhecimento sobrepujou os músculos. 

Essa realidade, porém, não é exclusiva da nossa sobrevivência enquanto espécie. Se hoje utilizamos o conhecimento como poder para dedicarmos uma Vida ao aperfeiçoamento de nossos conhecimentos técnicos, geralmente associados as nossas profissões, nas Antigas Civilizações, o conhecimento era considerado algo Divino. Não por acaso, em diversas Mitologias, um dos Deuses mais importantes no panteão das Civilizações era o da Sabedoria: Toth no Egito; Atena na Grécia; Fukurokuju na China; e assim por diante. Para os Antigos, o verdadeiro conhecimento estaria em aprender sobre as leis da Natureza e se aproximar dos Deuses, portanto, esse conhecimento – chamado de Sabedoria – teria a função de elevar a Humanidade até o patamar dos Seres Divinos. Visto isso, esses Deuses, comumente, tinham a função de guia dos Seres Humanos, como mestres e pais que auxiliam seus filhos a darem os primeiros passos.

Hoje, falaremos um pouco mais sobre uma Divindade que, para os Hindus, representa esse aspecto da Natureza. Estamos falando de Sarasvati, a Deusa da Sabedoria.

Comumente representada como uma bela mulher, segurando uma vina, um instrumento musical similar a um banjo ou violão, Sarasvati é a esposa do Deus Brahma, o criador do Mundo na Mitologia Hindu. Ela possui quatro braços: em um, segura os vedas, o livro sagrado dos Hindus; em outro, um rosário; os outros dois tocam o seu belo instrumento de cordas. Além disso, a Deusa repousa em cima de uma flor de lótus e usa um cisne como sua montaria.

Aos que não estão acostumados com as representações Indianas, Sarasvati pode parecer, num primeiro momento, uma Deusa um tanto quanto atípica. Porém, devemos ressaltar alguns pontos fundamentais: na Mitologia Hindu, comumente, os Deuses aparecem carregando os seus atributos, assim, quanto mais braços, mais virtudes são conjugadas a essa Divindade. No caso de Sarasvati, além de detentora da Sabedoria, ela ainda é protetora dos Artistas e Artesãos, bem como, está relacionada à Harmonia e à Paz. Para além disso, cada Divindade Hindu tem um animal protetor, ao qual, comumente, é representado montado sobre ele.

Tratando mais diretamente dos seus símbolos, comecemos então pelo seu animal protetor. O cisne parece flutuar na água sem o menor esforço, mas que tem suas patas se debatendo agilmente abaixo da superfície. Esse é um símbolo de como funciona a Harmonia em nossas Vidas: aparentemente calma, mas que exige esforço e muita força interna (aquela que não pode ser vista) para poder existir.

Como falamos em diversos textos sobre Mitologia, os símbolos das Divindades representam Ideias e estas têm, em essência, o caráter de serem atemporais. Em poucas palavras, são percepções da Natureza que podem ser vividas em qualquer tempo histórico, inclusive, neste momento atual. Dito isso, pensemos em como expressamos a Harmonia em nosso cotidiano. Certamente, não podemos dizer que é algo fácil tentar colocar cada aspecto da nossa Vida em seu devido lugar. Por outro lado, quando estamos com pensamentos e sentimentos confusos, fora do lugar, como ficamos? A Harmonia da Vida se mostra, ao que nos parece, quando conseguimos conjugar com a Justiça o lugar certo de cada elemento que a compõe. Tal como uma música, à medida que organizamos esses aspectos, a Vida como um todo, vai, aos poucos, ganhando forma e uma melodia própria. 

Observando a Deusa, sob essa perspectiva, a Vina de Sarasvati tem uma dupla função: além de representar os Artistas e Artesãos, também é símbolo de Harmonia. As cordas, em especial, são elementos interessantes para entendermos como a Justiça está diretamente ligada com a Harmonia: se apertarmos demais, elas irão tensionar até se romperem, deixando assim de produzir música. Por outro lado, se a deixamos muito frouxa, ela igualmente não servirá para produzir música, pois não poderemos tocá-la. Assim, para que haja a Harmonia, é fundamental a justa tensão, o ponto necessário que consigamos caminhar de forma a emitir a nossa própria música.

Mas o que a Harmonia e a Justiça tem a ver com a Sabedoria? Afinal, se Sarasvati é a Deusa do Conhecimento, não deveriam esses atributos terem relação com a Sabedoria?

A resposta, em síntese, para o questionamento acima é bem simples: Harmonia e Justiça têm tudo a ver com Sabedoria. A verdadeira Inteligência, aquela que os Antigos associavam com a aproximação com o Divino, deve se harmonizar com a Natureza e suas leis. Grande parte do sofrimento Humano existe por não entendermos a Vida e seus desígnios e, naturalmente, acabamos por estarmos em desarmonia com suas leis. Para os Hindus, a Sabedoria estava em seguirmos o nosso Dharma, ou seja, nosso caminho de realização. Isso implicaria em entrarmos nesse fluxo da Vida, obedecendo, conscientemente, suas leis, e caminharmos rumo ao nosso destino. Quando não seguimos esse caminho e nos desviamos, ocorre o karma, a lei de ação e reação que nos impulsiona de volta para o nosso destino.

Entendendo isso, a Sabedoria está em nos alinharmos com o que há na Natureza, colocando nossa essência em consonância com essa música do Universo. Não por acaso, Sarasvati é a esposa do criador do cosmos, sendo isso, um sinal da proximidade dessas duas Ideias. A Divindade da Inteligência seria ainda responsável por ensinar o sânscrito aos Seres Humanos, legando-nos os profundos ensinamentos da Religião Hindu, através dos Vedas. Assim, carrega como símbolo, além do manuscrito, um rosário, objeto fundamental para a prática das orações dessa Antiga Religião. 

A profunda relação entre Sabedoria e Religião, entretanto, pode ser um tanto quanto estranha para a nossa mentalidade atual. Vivendo em uma sociedade pautada pela ciência, o senso comum nos diz que a Religião pouco tem a ver com o Conhecimento. Essa perspectiva, porém, não é correta. Por muitos milênios, a forma de conhecer a Verdade do Mundo era por meio da Religião que, em última instância, busca religar a Humanidade com a Natureza, traduzida como Deus. Assim, por mais que Ciência e Religião usem caminhos distintos, próprios de cada um, buscam, afinal, chegar à compreensão do Universo e suas leis. Portanto, para os Antigos Hindus, a busca pela Sabedoria se dava, essencialmente, através da via religiosa e eles sem dúvida, chegaram a respostas profundas para os seus dilemas.

Graças a isso, podemos nós, hoje, também entendermos tais Ideias e trilharmos esse caminho de Sabedoria aberto através dos seus símbolos e mitos. Para tanto, o andarilho que está em busca da Sabedoria deve ser, antes de tudo, puro. Ou seja, a Sabedoria exige daquele que a procura uma sincera necessidade de chegar até essas verdades, desnudando-se de todas as vaidades, orgulhos e preconceitos que habitam nesse ser. Por causa dessa condição, Sarasvati repousa em cima da flor de lótus, símbolo em diversas tradições da pureza. A mística flor de lótus, que já falamos em nosso portal, fica submersa e abre suas pétalas apenas quando emerge, em meio a água, não permitindo que sua flor toque as águas depois de abertas. Assim, simboliza o Ser Humano que não se contamina com as vicissitudes do Mundo e se abre para o Mundo espiritual.

Por fim, não basta apenas entendermos intelectualmente sobre os símbolos dessa Divindade. A Sabedoria não está nos livros, mas na própria percepção da Vida. Jamais um sábio alcançará sua plenitude dentro de bibliotecas, pois de nada adianta sabermos todas as teorias mas não vivenciá-las. Assim como um pintor aprende seu ofício a partir da experiência e da técnica, um verdadeiro curioso do saber deve caminhar em direção a essa realidade, vivenciando, a todo momento, a beleza que está nos ensinamentos da experiência Humana. Dito isso, cabe a nós passarmos a enxergar as vias do conhecimento a partir da prática das Ideias, tentando trazer ao nosso cotidiano virtudes como a Harmonia, a Pureza e a Justiça. Praticando-as, a todo momento, sem dúvida, seremos dignos de habitar o patamar Divino e perceber o fluxo da Vida através das leis da Natureza.

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