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A nossa formação enquanto povo é o resultado de uma diversidade enorme das mais variadas etnias, distribuídas entre índios, africanos, europeus e asiáticos. Para se ter uma ideia, segundo o IBGE, existem mais de 300 etnias indígenas que falam mais de 270 idiomas no Brasil. Quando os portugueses chegaram aqui no século XV, havia cerca de 2 milhões de índios e ao longo dos séculos XVI a XIX foram trazidos forçadamente milhões de escravos africanos distribuídos em diversas etnias como bantos, nagôs, jejes, entre outras, que falavam diversos dialetos e professavam diversas religiões. E quanto aos europeus, não foram somente portugueses que aportaram aqui no período colonial, também vieram franceses, holandeses e espanhóis. Mas as imigrações não terminaram com a colonização, no início do século XX recebemos cerca de 4 milhões de imigrantes europeus provenientes da Itália, Alemanha, Japão, Síria e Líbano.

Imagine a mistura de costumes, religiões, vocabulários, mitos, símbolos… É impressionante a forma como o nosso tecido étnico foi se costurando ao longo desses séculos, com os casamentos entre europeus e índios, africanos e europeus, índios e africanos, etc. Esses cruzamentos étnicos deram origem ao que se passou a chamar de miscigenação, ou, mistura de grupos étnicos e sua consequente reprodução, gerando novos traços fenotípicos. Mas hoje o que mais interessa à sociologia e à antropologia não são os aspectos biológicos desses fenômenos, mas as características socioculturais dos mesmos, pois o conhecimento delas nos permite analisar com mais profundidade os problemas atuais do nosso povo, como violência, corrupção, urbanização, pobreza, etc. O sociólogo Gilberto Freyre, assim como o antropólogo Darcy Ribeiro abordaram essa diversidade étnica a partir das três matrizes que geram todas elas, que são a matriz indígena, a africana e a europeia, sem negar que dentro de cada matriz há uma diversidade de etnias.

Se observarmos detidamente, veremos que cada uma dessas matrizes, isoladamente, é uma construção humana colossal de valores éticos que lhe são próprios, aptidões e virtudes desenvolvidas ao longo de milhares de anos em suas formações.

A matriz indígena detém um jeito sábio de lidar com a Natureza, respeitando seus ciclos e imitando seus padrões, relação proveniente de séculos e séculos de integração com os sistemas naturais. Quando os europeus chegaram ao Brasil, os índios já estavam aqui há milhares de anos, integrando o seu modo de viver com os rios, as cachoeiras, as florestas, a fauna de onde sempre tiraram seu sustento, sem se tornar nenhuma ameaça ao esquema da Natureza.

Por outro lado, bem diferente é a matriz dos europeus que chegaram ao Brasil no século XV. Esses eram movidos por uma cosmovisão iluminista, pós-medieval, mercantilista. Queriam desbravar o mundo, explorar, dominar a natureza, civilizar, progredir, construir, transformar o espaço. Eram filhos do renascimento, que colocava o espírito humano como centro, filhos do germe da revolução científica que começava a se formar, traziam o espírito da Escola de Sagres, que mapeou matematicamente o Oceano Atlântico, e detinham as técnicas mais avançadas de navegação para a época. Queriam enriquecer, construir cidades, formar exércitos, extrair riquezas destas terras.

Já os filhos da África, a terceira matriz geradora do povo brasileiro, vem da região mais antiga do planeta. Quando a Europa nem sonhava em existir, a África já havia gerado diversos impérios e já havia visto suas quedas. A matriz africana detém em sua longa história, sabedorias que somente são possíveis com muitos milênios de caminhada Humana. Uma Virtude muito peculiar aos africanos é a mística, que significa a busca por trazer o Mistério do mundo para o plano da realidade Humana. O sofrimento desse povo, tão poeticamente descrito no “Navio Negreiro”, de Castro Alves, não o destruiu. Hoje, os Valores dessa matriz se traduzem na força, nas criações artísticas, na perseverança de seus cultos religiosos, na resistência diante da dor, na postura de não se colocar como vítima e na capacidade de se integrar e de se adaptar às novas formas de realidade por mais adversas que sejam.

Essas três matrizes, com suas potências e debilidades, com suas cosmovisões e contradições, com suas Justiças e injustiças, apesar de tanto derramamento de sangue e enfrentamentos brutais, hoje, inevitavelmente, se unem em uma nação única, a Nação Brasileira. Não somos indígenas, não somos europeus nem africanos, nascemos de uma complexidade histórica. Não somos a soma dessas partes, somos algo novo que surge quando essas matrizes se tocam entre si. Em nossa gênese está a profunda relação com a Natureza que só os nativos dessa terra conseguiram desenvolver ao longo de milhares e milhares de anos, o espírito civilizador e progressista europeu, e a mística, força, ritmo e energia da África. Precisamos despertar consciência para esta Identidade, refiná-la, torná-la possível e trabalhar em sua evolução. Um povo não surge em um lance de sorte, é preciso construí-lo racionalmente, entendendo sua formação, conhecendo suas nuances e trabalhando em sua formação. Grandes pensadores como Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque de Holanda, entre outros, trabalharam diuturnamente na reflexão, no entendimento e, por conseguinte, na formação do nosso povo. Hoje esses pensadores aos poucos estão relegados a peças de museus e a busca por uma consciência de quem somos enquanto povo, de algum modo, foi sendo substituída por polarizações políticas, discussões mais individualistas e assim perdemos o caminho. Precisamos retornar, tentar se entender como Nação, a fim de convocar a pujança do que há de mais elevado em nossa Essência.

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