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Iansã e os simbolismos africanos

A religiosidade é uma marca do povo brasileiro. Em nossa cultura temos diferentes religiões, advindas da Europa, África e também da população nativa que aqui estava bem antes de 1500. Por isso não é raro sermos adeptos de uma religião que, em algum grau, tem aspectos semelhantes com outras, sejam símbolos, histórias ou celebrações. A essa mistura damos o nome de sincretismo religioso. Pensando nisso, hoje conheceremos um pouco mais sobre uma das principais orixás das religiões de matrizes africanas, Iansã, que também é conhecida pelos católicos como Santa Bárbara.

Antes de falarmos sobre essa Deusa, porém, vale recordar o significado da palavra “religião”. Advinda do latim religare, que significa “religar”, a religião tem como objetivo criar uma ponte entre o mundo espiritual e o material. É um meio de acessar os grandes ensinamentos e ampliar a percepção acerca da Vida. Sendo assim, em sua essência, toda religião busca construir essa relação entre Deuses e Seres Humanos e, naturalmente, cada uma terá sua forma de fazer isso. Seja por meio de cultos, celebrações ou oferendas, entendemos que todas as formas de alcançar esse objetivo são válidas, desde que não ofereçam riscos ou prejudiquem alguém. 

Além disso, cabe refletirmos que se todas buscam um mesmo objetivo, o sincretismo religioso, ou seja, a associação de imagens e símbolos, é um movimento natural. O que os africanos chamam de Orixás, os gregos chamaram de Deuses e os índios norte-americanos chamaram de Forças da Natureza. Do mesmo modo, Alá, Deus e Iavé, para as religiões monoteístas, são nomes diferentes para um mesmo Ser Divino. Não pretendemos entrar em polêmicas, por isso deixamos claro que compreendemos que todas essas formas são caminhos para chegar a um único objetivo: fazer com que o Ser Humano se conecte com sua parte mais Divina, que ligue-se a ela e consiga acessar essa outra dimensão da Vida.

Refletindo sobre a trajetória das religiões africanas, há centenas de Orixás na cultura africana, porém, as religiões brasileiras dessa matriz, mais precisamente o Candomblé e a Umbanda, cultuam, de maneira geral, apenas 12. Como bem sabemos, a cultura africana chegou em nosso país a partir dos primeiros homens e mulheres escravizados sob o regime português, no período colonial. Nesse contexto, por sermos colônia de Portugal, a religião oficial do Brasil era o catolicismo, e o culto a outras Divindades foi proibido. A saída encontrada pelos africanos foi passar a cultuar os santos da Igreja Católica, associando-os aos seus Orixás. Os devotos de Iansã a relacionaram com Santa Bárbara e assim puderam cultuar, às escondidas, sua Orixá. Mas qual o mito por trás dessa Deusa? 

Iansã é conhecida como a Orixá dos ventos e das tempestades, a senhora do raio e da Alma dos mortos. Essa Deusa, como já falamos, tem sua origem no continente africano, mais precisamente na Nigéria, a partir da religião Iorubá. Também conhecida como Oyá, a Deusa tem um aspecto guerreiro e é entendida como esposa de Xangô, o Orixá da guerra. 

Foi seu marido que lhe deu a missão de levar os mortos até o outro mundo, sendo uma guia para o destino destas Almas, por isso a Deusa também está associada com essa tênue linha que chamamos de vida e morte. Assim como outras Orixás, como Iemanjá, ela tem uma forte relação com a água, mas também relaciona-se com o elemento ar. Nesse ponto é válido entendermos essa relação dos elementos da natureza com os Deuses da cultura Iorubá. 

O culto aos Orixás é uma prática milenar na cultura nigeriana e se entende, a grosso modo, que essas entidades são capazes de controlar Forças da Natureza, de modo similar às Divindades gregas. Junto a isso, cada Orixá tem seu elemento respectivo – terra, água, ar e fogo -, o que traduz muito de sua personalidade e ação. No caso de Iansã, por ser uma das esposas de Xangô e ter uma atitude guerreira, muitos a associam com o elemento fogo, porém, seus atributos a aproximam mais dos outros dois elementos, água e ar. Iansã é protetora e impulsiva, e busca impetuosamente o campo de batalha. Porém, também é acolhedora, tal qual uma mãe afetuosa. Conta um dos seus mitos que por ter esse lado afetivo, Xangô a chamou de “mãe do entardecer”.

Pensando de maneira simbólica, o entardecer é o momento antes da noite chegar, que em muitas tradições está associada ao Mistério. Se considerarmos que ela é a Orixá que conduz as Almas para o outro mundo, podemos entender o entardecer como um nascimento para a Vida Espiritual, que adentra a noite e os Mistérios. Iansã, portanto, é quem faz esse parto, em que se morre na vida material, mas nasce-se para a vida do Espírito.   

O lado materno de Iansã também é reconhecido em um dos mitos da religião Iorubá. Conta a história que a Orixá não podia ter filhos, e por tal questão foi procurar a ajuda de um babalawo, uma espécie de vidente ou sábio nas culturas de matrizes africanas. Este sábio, ao ser indagado pela Deusa, pediu que ela fizesse sacrifícios e oferendas para que seu sonho de ser mãe fosse realizado. A Deusa então realizou suas penitências e pouco tempo depois foi capaz de ter nove filhos. Por isso, nas religiões que a cultuam até os dias atuais se considera o nove o número de Iansã ou Oyá. 

Pensando sobre essa passagem na história de Iansã, ela nos mostra que não podemos obter algo sem dar nada em troca. Tal qual a famosa Lei da Troca Equivalente dos alquimistas, para as religiões de matrizes africanas também é preciso que façamos um movimento para que os Orixás nos ajudem. Isso vale não apenas para o aspecto religioso, mas toda a nossa Vida é assim. O Universo está, constantemente, movimentando-se, portanto, quem escolhe permanecer parado não está seguindo o Fluxo da Vida.

Assim, não adianta apenas desejar algo se não estamos dispostos a sacrificar alguma coisa para obter nosso desejo. Muitas vezes devemos, inclusive, nos dar como oferenda para a vida: dedicar nosso tempo, nossa energia e abrir mão de desejos menores para alcançarmos o nosso objetivo. O sacrifício é parte de um compromisso com o Universo, pois através dele mostramos que estamos dispostos a enfrentar os desafios que nos levarão ao que queremos. Assim, o sacrifício de Iansã é o sacrifício que todos nós precisamos fazer para chegar ao que almejamos.

Visto isso, as religiões de matrizes africanas, que por vezes são alvo de preconceito em nossa sociedade, não podem ser vistas sob esse olhar de julgamento. É preciso, antes de tudo, perceber seus símbolos e compreender as ideias profundas que carregam e os ensinamentos que nos trazem enquanto Seres Humanos. Lembremos, por fim, do que significa “religião”, como falado acima: religar, unir. Essa é, em definitivo, nossa maior qualidade e essência, portanto, a usemos de maneira consciente e façamos novas pontes entre nós e todos que estão ao nosso redor. Desse modo é possível que tenhamos, finalmente, uma verdadeira Humanidade.

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