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Da Intuição do Oráculo de Delfos à Racionalidade Contemporânea: o que perdemos, mas que podemos recuperar?

Vamos viajar ao passado: imagine-se vivendo há cerca de 2.700 anos, no território que hoje é a atual Grécia. Pense agora que viajantes de toda parte do mundo se deslocavam em longas distâncias até uma cidade dessa região chamada Delfos, mais precisamente rumo ao templo do Deus Apolo, o deus do Sol para os antigos habitantes da Hélade. Esses viajantes – e você também é um deles agora, meu caro leitor –, ao se aproximarem do lugar Sagrado, antes de entrarem, se purificavam em uma fonte de água e seguiam por um caminho cercado de esculturas, símbolos, tesouros e edifícios consagrados às divindades. Nesse mesmo ambiente, predominava a paz, pois não era permitido guerras e conflitos na região, uma vez que estava consagrado ao divino. 

Ao terminarem esse caminho, os viajantes chegavam no pórtico principal do templo. Os atentos e curiosos poderiam ler no alto do pórtico os famosos dizeres: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o Universo.” Um sacerdote provavelmente estaria esperando os viajantes nesse pórtico, e lá, um por um, seriam conduzidos para o salão interno e receberiam uma consulta profética acerca dos seus dilemas. Lá dentro, o peregrino apresentava suas consultas às pitonisas, sacerdotisas separadas da sociedade e dedicadas exclusivamente à Arte Sagrada da profecia. De posse da consulta, essas profetisas desciam para uma câmara subterrânea, onde entravam em um estado de transe misterioso. Nesse estado de consciência, elas respondiam à consulta com palavras enigmáticas, mas que, quando devidamente interpretadas pelos sacerdotes, orientavam os consulentes a tomadas de decisões sábias.

Voltemos agora à realidade e façamos uma reflexão, pois a mesma viagem imaginária que fizemos por esse caminho foi a mesma que grandes filósofos, reis e guerreiros também percorreram. Estamos falando de Leônidas, Platão, Sócrates, Pitágoras, Péricles, Sólon e outros tantos grandes nomes da história da Grécia Antiga. Como podemos perceber, o Oráculo de Delfos vai muito além de um templo dedicado a um Deus, mas na antiguidade tornou-se a maior referência religiosa do mundo helenístico. Foi nesse templo, a partir do Oráculo e suas pitonisas, que muitos príncipes e imperadores decidiram o destino de povos inteiros. Casamentos, guerras, julgamentos, rotas marítimas, decisões comerciais, enfim, o pulsar civilizatório do mundo antigo, todos passaram pelas pitonisas de Delfos. Como e por que um sofisticado sistema místico como esse surgiu e se tornou tão influente no mundo antigo? E por que desapareceu? Por que só temos ruínas hoje? Será que a supressão de um sistema como esse não trouxe algum tipo de prejuízo para o mundo subsequente?

Na Grécia Antiga, a vida cotidiana da população refletia os mitos que pairavam na mentalidade de todos. E é importante frisar que mitos não são mentiras, mas sim narrativas que servem de meios para se acessar aspectos mais profundos da realidade, aspectos sutis que não conseguem ser explicados na linguagem concreta e imediata. Logo, os mitos funcionam como explicação de uma realidade abstrata, que existe na mente de cada um de nós. Dessa forma, ao se valer dos mitos, os gregos conseguiam canalizar para a vida prática decisões, planejamentos e execuções de ideias muito sutis e tentavam solucionar tais dilemas.

O mito que relata a origem do Oráculo de Delfos dizia que a Deusa Hera, sentindo-se traída por Zeus, pelo fato de ter gerado seu filho Apolo através de uma relação fora do casamento, teria enviado a serpente Píton, que teria se formado do lodo da terra que restou do dilúvio, para destruir o jovem Apolo. Mas ele teria matado o monstro, e os seus restos mortais teriam sido sepultados em uma cavidade de pedras sobre a qual foi erigido o templo de Delfos. Dessa cavidade subia um vapor que estava diretamente ligado ao transe das sacerdotisas. Esse é o ponto de contato entre o mito e o mundo prático, provando assim que nem sempre os mitos relatam apenas aspectos simbólicos. O vapor de fato existe e segue sendo estudado hoje pelos cientistas. Apesar de ainda não sabermos os efeitos desse vapor – se é que há algum –, o fato é que essa característica única do templo o torna ainda mais especial e, sem dúvida, na antiguidade isso foi vislumbrado como um sinal de que aquele templo não era comum. Assim, o mito de Delfos junta-se aos efeitos práticos de sua reputação.

Porém, a grandeza de Delfos não durou para sempre. Esse sistema começou a entrar em declínio com a decadência da civilização grega há cerca de 2.200 anos. Com a conquista da região pelos macedônios e, posteriormente, o surgimento do Império Romano, o Oráculo foi perdendo sua importância, afinal, o mundo grego já não tinha tanta influência quanto os seus conquistadores. Assim, novos oráculos e sistemas religiosos surgiram e foram, pouco a pouco, tirando o protagonismo de Delfos. O último suspiro das pitonisas de Delfos se deu com a oficialização da religião cristã no Império Romano e o banimento dos chamados “cultos pagãos”. Assim, após quase mil anos de funcionamento, o sistema do oráculo de Delfos ruiu, e as antigas pitonisas foram substituídas pelos cristãos.

É fato que, após a queda de Roma, para os tempos modernos – a Idade Média, o Renascimento e a Modernidade –, o Oráculo foi reduzido a uma memória, uma peça de museu, uma curiosidade histórica que por vezes passa despercebida pelos estudiosos. Em parte, essa desvalorização ocorre porque vivemos imersos em um mundo materialista, somos uma civilização que rompeu definitivamente com a Intuição e com o conhecimento simbólico, o que eram extremamente valorizados nas culturas antigas. Nossas decisões são baseadas em uma racionalidade técnica, fria e que tem como princípio a desconfiança, afinal, se não pode ser provado também não pode ser creditado. 

Um exemplo prático de como essa mentalidade se expressa ocorre quando se precisa tomar uma decisão fundamental: lança-se aos dados estatísticos. Assim, observando a probabilidade, decidimos se devemos arriscar ou não nossas fichas. Se pudermos fazer uma comparação, salvaguardando todas as diferenças, as pitonisas modernas são as análises de dados, através de algoritmos sofisticados. Devido a essa nova forma de “conhecer” o futuro, nos sentimos superiores e mais avançados do que esse modelo místico que acabamos de descrever. 

Entretanto, é inegável que, mesmo com tanta racionalidade e com tanta tecnologia, nossa geração não consegue dar conta de prever as crises que se sucedem no mundo. Estamos mergulhados em crises humanitárias muito agudas, desde crises migratórias, coalizões de países contra o terrorismo, o surgimento de armas químicas e nucleares que ameaçam o futuro da humanidade, entre outros tantos males do nosso tempo. Se por um lado pode-se falar que vivemos tempos mais “confortáveis” devido à tecnologia à nossa volta, é fato que ainda não conseguimos elevar o espírito humano a uma condição de cooperação. Nesse sentido, a máxima de Delfos continua a valer, pois, mesmo que exploremos o Universo, cada dia nos conhecemos menos e, consequentemente, nos afastamos dos “deuses”. Dito isso, é importante ressaltar que não nos referimos a uma divindade externa, que habite uma parte do Universo e esteja a nos observar, mas a nossa parte interna, divina, que é atemporal e que está a todo momento conosco, mesmo que em grande parte do tempo não sejamos capazes de percebê-la.

Diante de tudo o que apresentamos até aqui, só nos resta dizer que precisamos olhar para os gregos e aprender com eles a desenvolver uma visão de respeito pelo Sagrado, pela Intuição, pelos símbolos e pelo Mistério. Que possamos refletir e entender que muitas vezes as melhores decisões e direcionamentos da nossa Vida não vêm da Racionalidade, mas sim de um acesso da nossa Intuição a Verdades que só podem ser compreendidas pelo nosso Coração, através de uma busca profunda e sincera, de uma Amor pela Verdade.

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