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Tudo que vive está fadado à morte. Esse é o destino inexorável pelo qual toda forma de vida, seja qual for, passará. Apesar de ser um fenômeno natural, encaramos a morte com temor e desespero, principalmente em nossa cultura ocidental. O assunto é, em geral, um tabu dentro do convívio familiar e de longe o menos conversado entre amigos. De fato, não estamos preparados para lidar com a morte, muito menos refletimos sobre o que significa morrer. Vivemos como se esse destino não fosse nosso, mas sabemos que um dia nosso coração irá parar de bater, nossa respiração cessará e perderemos toda a energia do nosso corpo. Por que reagimos dessa forma? Será que existe uma outra maneira de encarar a morte?

Para responder a essas perguntas precisamos recorrer à História e refletir sobre o tema. Um filósofo disse certa vez: “a morte é um fenômeno da natureza. O morrer, porém, é do homem”. Para compreender essa frase precisamos, primeiramente, entender que o Ser Humano é o único ser que tem consciência de que irá morrer. Somos conscientes, portanto, de que um dia nossa existência se findará. Por mais que essa seja uma informação básica, ela faz toda a diferença quando refletimos sobre a morte, pois a partir dessa tomada de consciência, podemos investigar sobre o que é esse fenômeno da natureza e as diferentes maneiras de lidar com ele.

O que ocorre após a morte? Cada civilização, em seus respectivos momentos históricos, se depararam com essa questão existencial e buscaram, à sua maneira, respostas. No Egito Antigo existiam, por exemplo, a concepção da Duat, um mundo para o qual iriam os mortos que passassem pelo julgamento de Maat. Do mesmo modo os Gregos tinham os campos Elíseos e hoje, embasados pela religião cristã, muitos de nós acreditamos no paraíso, purgatório ou o temido inferno como locais possíveis que iremos ao morrer. Essas são concepções culturais que buscam responder a essa pergunta, portanto, não cabe a nós decretar quais estão corretas ou equivocadas. O que nos cabe, de fato, é a investigação para entendermos a relação que temos com esse fenômeno. Visto isso, podemos refletir acerca de uma concepção sobre a morte que nos escapa por não termos quase (ou nenhum) contato com ela.

Advinda do Oriente, principalmente da região do Tibet, uma compilação de ensinamentos foi colocada no Bardo Thodol, também chamado de “O livro tibetano dos mortos” na qual trataremos neste texto.

Uma das percepções mais interessantes do livro tibetano está na ideia de que a morte é uma passagem para outro plano e que a vida continuaria se desenvolvendo. A morte não é o fim da vida, como costumamos pensar, mas sim uma nova forma que a Alma adquire ao findar sua experiência na Terra. Devido a isso, recomenda-se no Bardo Thodol que essa transição entre a vida e a morte seja vivida de maneira consciente, uma vez que esse estado psicológico ajudaria a transição harmônica.

Essas duas ideias iniciais já poderiam nos causar certo desconforto, uma vez que não fomos educados a pensar na morte e na possibilidade de viver esse momento de maneira consciente. O que vemos hoje, por exemplo, é a retirada da consciência no momento da morte causada por medicamentos e cuidados paliativos para que não sintamos dor. Segundo a tradição tibetana esse tipo de cuidado mais atrapalha nossa Alma, que precisa seguir para essa nova etapa, do que ajuda. A tentativa incessante de proteger a nossa vida acaba por causar um desligamento sem cerimônia para a pessoa que está prestes a morrer.

No Tibet, entre os monges há um belo ritual de despedida dessa vida, na qual o homem que se aproxima da morte vai até uma caverna e passa a meditar, conversar e viver seus últimos momentos rodeado de seus companheiros e em contato com o mais puro sentimento de Gratidão pela vida que lhe foi dada. A cerimônia só termina quando o último suspiro é dado pelo monge. Desse modo, a morte não se torna um peso, um destino que tentamos escapar a qualquer preço, mas sim uma outra etapa da vida que seguirá evoluindo em ciclos.

Essa percepção tibetana de que a morte é um processo da Natureza e, assim como a vida, está ligada a ciclos, faz parte de um conhecimento que, em maior ou menor grau, existe desde a antiguidade, tanto no Oriente como no Ocidente. As mais diversas civilizações atribuem à morte esse caráter cíclico e a nossa evolução dentro desse processo da Natureza. Ao observar, por exemplo, o dia transformar-se em noite e, após algumas horas, o Sol resurgir, essas civilizações perceberam que a vida ocorre dentro de uma dualidade que ora existe (a vida) e ora não existe (morte). Essa percepção foi traduzida pelos hindus como a teoria da reencarnação, por exemplo. No Bardo Thodol relata-se que ocorreria um processo similar em que a Alma do morto, após passar por algumas etapas de purificação e síntese da vida que teve, retornaria para uma nova experiência. O sentido do retorno estaria em viver novas experiências e aprender com elas. Desse modo, entre uma e outra vida, a Alma Humana seguiria evoluindo.

Entendemos que, à primeira vista, essa é uma ideia de difícil aceitação. Não queremos e nem desejamos mudar crenças e percepções, entretanto, cabe a nós refletirmos profundamente sobre essas ideias e investigarmos se elas fazem sentido ou não. Atualmente pensamos na morte como um fardo, um triste fim inescapável, porém, podemos nos relacionar melhor com essa ideia. Uma dica valiosa é passarmos a encarar esse fato com naturalidade. Não significa, certamente, sermos indiferentes com a dor decorrente da perda de um familiar ou amigo. Trata-se, pois, de tomarmos a morte como conselheira, não guardando mágoas ou arrependimentos.

Essa é uma ideia que pode mudar nossa forma de atuar no mundo: quando estivermos diante de uma decisão, seja qual for, deveríamos nos perguntar: “se eu fosse morrer hoje, o que gostaria de estar fazendo?” Por vezes estamos em lugares ou fazendo atividades de maneira automática, sem vontade e, consequentemente, não vivemos conscientemente o momento. Perdemos tempo vivendo momentos no piloto automático quando, na verdade, se sempre lembrássemos que um dia morreremos, poderíamos valorizar o tempo que ainda temos. Usaríamos esse tempo de maneira mais eficaz, com companhias que nos são caras e com mais consciência. Além disso, esse pensamento nos ajuda a desenvolver clareza sobre o que nos realiza e o que fazemos por convenção social. Acabamos, por fim, melhorando nossa qualidade de vida, uma vez que estamos nos colocando no mundo com mais energia, mais intensidade e consciência.

Portanto, busquemos aproveitar a Vida, as experiências, as pessoas que amamos e cultivar bons momentos. Não nos deixemos abater pela ideia de que um dia não estaremos mais aqui, mas que essa percepção seja um motor que impulsione ações Virtuosas de nossa parte. Que possamos, ao fim de nossa jornada, colher as boas experiências, sintetizá-las e, quem sabe, em outro ciclo, possamos mais uma vez encontrar todos que amamos.

Se você estiver interessado em explorar o legado tibetano sobre a morte, uma palestra fascinante para conferir é “Bardo Thodol (2009): Legado Tibetano sobre a Morte”, ministrada por Lúcia Helena Galvão. Você pode assistir a essa palestra no YouTube para uma jornada esclarecedora sobre o Bardo Thodol e suas implicações na compreensão da existência e da transição entre os estados de vida e morte.

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