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O Mito de Hércules

A mitologia é uma terra fértil para ideias e inspiração. Não por acaso, são dessas antigas narrativas que surgem filmes, séries e histórias que envolvem milhões de pessoas ao redor do mundo. Porém, não buscamos inspiração nos mitos apenas no sentido de entretenimento, uma vez que eles tocam profundamente a alma daqueles que entendem o significado por trás de suas histórias. A saga humana, em suas mais distintas nuances, se revela sempre que nos dedicamos a entender um pouco mais sobre nós mesmos, e nisso a mitologia é capaz de nos auxiliar enormemente. Assim como um mapa nos guia até o ponto em que desejamos, os mitos e seus símbolos também nos servem como guias para ultrapassar as barreiras e os limites de nossa própria natureza humana. 

Um dos exemplos mais didáticos acerca dessa ideia está no famoso Mito de Hércules. A grande maioria de nós talvez conheça esse grande herói da civilização grega graças aos desenhos animados e às séries feitas sobre seus doze trabalhos; porém, muito mais do que apenas uma história fantástica, o mito de Hércules fala da nossa jornada interior por despertar o que há de melhor em nós: Autodomínio, Superação, Vontade, Força para viver, Força para conquistar nossos sonhos e para nos fazermos Humanos. 

O que estamos chamando de “Humano” é uma construção, não somos “Humanos” automaticamente por causa do nascimento ou por um lance de sorte da natureza, como acontece com os outros seres. O que nos faz de fato Humanos é a reunião de todas as nossas forças interiores na batalha contra nossos impulsos instintivos, para os vícios autodestrutivos e para a degradação de toda sorte. Por conta disso, o “Humano” é uma conquista difícil, uma batalha dura, e as grandes tradições nos deixaram dicas de como vencer essa luta. O Mito de Hércules é uma dessas dicas.

Pintura representando Hércules sendo alimentado pelo leite de Heras, esposa de Zeus.

Dentro da vastíssima e complexa mitologia greco-romana, Hércules se destaca como um semideus, filho de Zeus, Deus dos Deuses, com uma mortal. A união que gerou Hércules despertou, porém, a ira de Hera, a esposa de Zeus. Hera se dedica, portanto, a provar Hércules até que ele seja capaz, de fato, a ascender ao patamar divino. Seu nome, inclusive, vem de “A glória de Hera”, pois jamais poderia existir Hércules, o famoso semideus, se não fosse pelas provas colocadas pela rainha dos deuses. A primeira delas ocorreu ainda bebê, quando Hera manda duas serpentes até o berço do recém-nascido para atacá-lo. No entanto, o bebê Hércules estrangulou facilmente as duas cobras, mostrando desde seus primeiros dias de vida que não seria um ser humano comum.

Pintura representando Hércules ainda bebê, matando as serpentes enviadas por Hera.

Quando adulto, já com uma esposa e filhos, mais uma vez ele é testado. Hera mais uma vez lança uma prova para Hércules, e ocorre um resultado terrível. A rainha dos deuses causa a ele um ataque de fúria. Assim, tomado por um impulso interior monstruoso, o semideus acabou matando sua esposa e seus filhos. Quando Hércules retornou a si e percebeu o ato hediondo que cometera caiu em uma espécie de depressão aguda, fugiu para um lugar desértico e se isolou do mundo em um tipo de autopunição. Sua vida teria se acabado ali, mas a jornada de Hércules estava apenas começando. Ao encontrar seu primo Teseu, recebeu um valioso conselho: “Vai até o oráculo em Delfos e pede ajuda”.

Nesse ponto, é interessante destacar que todas as civilizações antigas tinham uma espécie de oráculo, um meio de acesso a respostas muito profundas sobre questões interiores. Esse meio poderia ser uma pessoa ou um objeto, algo que promovia uma ligação entre a pessoa que questionava e a resposta sublime e misteriosa do Divino, do Universo, de Deus ou de um dos Deuses. No filme Matrix, tem uma cena bem ilustrativa de um oráculo, em que o personagem principal, Neo, o procura para saber se ele seria o escolhido, o que era uma questão central e angustiante de sua vida e de toda a trama. Essa é uma ilustração do que Hércules fez, e a resposta não foi nada fácil. O oráculo lhe disse que teria que enfrentar doze batalhas muito difíceis, e se vencesse todas, estaria redimido e conquistaria a imortalidade.

Observe que a mensagem que o Mito está nos trazendo é que, para vencermos nossas debilidades, nossas depressões, nossos vícios, é preciso lutar. O oráculo não resolve o problema de Hércules, mas aponta o caminho.

Viver é lutar. Todas as instâncias de nossa constituição humana estão envolvidas em uma batalha incessante. Nosso sistema imunológico é um campo de batalha sem trégua, onde nossas células lutam o tempo todo destruindo e neutralizando invasores, que embora microscópicos, são verdadeiros monstros, a exemplo dos que Hércules teve que enfrentar. Nossos ânimos, nossa energia estão o tempo todo em conflito com a inércia, com a preguiça. Observe que tem dia que estamos mais entusiasmados, tem dia que estamos mais “para baixo”, isso é uma batalha no campo energético. Na esfera das emoções, também há uma batalha se travando entre desejos, inclinações depressivas e sentimentos nobres, nossa psique luta o tempo todo por equilíbrio. Na esfera mental, também acontecem combates de gladiadores, entre a lucidez e a paranoia, o razoável e a insensatez. São milhões de pensamentos por segundos que nos atravessam. Portanto, viver é uma jornada hercúlea e a mitologia grega deu um jeito de transformar isso em uma narrativa mítica. Hércules nos mostra que é possível vencer, que essa batalha parece difícil, mas não está fora do nosso alcance.

O primeiro trabalho que ele enfrentou foi a captura de uma besta selvagem que aterrorizava uma região chamada Nemeia. Essa animal era uma espécie de leão que já havia matado milhares de pessoas. Nenhum homem tinha conseguido matá-lo, pois seu couro era impenetrável, e só as suas próprias garras poderiam fazê-lo. Mesmo diante desse quadro, Hércules tentou abatê-lo com flechas, mas era impossível. Então, o semideus partiu para cima da fera com uma clava forte e atingiu a cabeça do animal com força; em seguida, estrangulou-o e arrancou o couro com as suas próprias garras. A partir daí, transformou a pele da fera em um manto para se proteger, e com a cabeça do leão confeccionou uma espécie de capacete de proteção.

Tudo isso é representativo das nossas batalhas. Há problemas na vida que não conseguimos abatê-los apenas com a força da mente, calculando como resolver. Nessas situações, é preciso partir para cima com um bastão e “abatê-los” à força, arregaçando as mangas e botando a mão na massa. A batalha pode ser difícil, mas ao final poderemos obter os frutos da conquista, transformando o problema em recursos para nos fortalecer diante das adversidades que surgirão.

As provas seguintes tinham o grau de complexidade cada vez maior. Depois do Leão de Nemeia, vem a Hidra de Lerna, que era uma espécie de criatura com corpo de dragão e várias cabeças de serpentes venenosas, que matava os homens apenas com o seu hálito e em seguida os comia. Hércules inicialmente esmagou algumas cabeças, mas da ferida surgiu duas outras; então, ele viu que precisou mudar a tática e assim passou a usar um tição para queimar a ferida da Hidra ao cortar cada uma das suas cabeças, a fim de que não nascessem outras. Foi uma batalha muito difícil, mas depois de muita luta, Hércules conseguiu vencer. Assim como a Hidra são os nossos vícios, se cortarmos apenas uma de suas cabeças, no futuro surgirão outras para piorar a situação. Por isso, precisamos utilizar a inteligência, simbolizada pelo fogo, para poder vencê-los calmamente.

A cada batalha, ele vai se tornando mais forte, mais resistente, mais experiente e os trabalhos vão ficando mais difíceis, mas ele também vai se tornando mais poderoso. E então, vem a captura da Corça de Cerineia, uma criatura tão veloz e tão incansável, que Hércules levou um ano perseguindo-a. Venceu-a pelo cansaço, pois a corça chegou à exaustão e só assim foi capturada, tal foi a constância e insuperável insistência de Hércules. A maioria dos problemas que nos aparecem de forma tão monstruosa é vencida com o tempo, com a insistência, com a constância. O trabalho subsequente, o Javali de Erimanto, foi vencido da mesma forma, pela insistência de Hércules. Tratava-se de uma criatura assustadora que devastava tudo nos arredores do monte Erimanto, e para vencê-lo Hércules o perseguiu até levá-lo à exaustão. Quando o monstro já não tinha mais energia, começou a vacilar e foi capturado.

Esses esforços só o fortaleceram. Depois de capturar o Javali, ele iniciou um quinto trabalho: a limpeza dos currais do Rei Augias, que possuía três mil bois. A atividade era tão difícil de ser executada que já fazia trinta anos que os currais não eram limpos. De forma semelhante, há impurezas em nossa vida que se acumulam por tanto tempo, que parece ser impossível superá-las, mas conseguiremos purificá-las quando nos fortalecermos o suficiente.

Após a purificação dos currais, Hércules foi surpreendido por monstros no lago Estínfalo, que possuíam asas, cabeça e bico de ferro. Esses monstros eram tão gigantescos que suas asas abertas encobriam os raios do Sol, tornando escuridão tudo abaixo delas. Mas Hércules trazia consigo flechas envenenadas com o veneno da Hidra de Lerna, que vencera anteriormente, e é com esse veneno que ele consegue abater os primeiros monstros, assustando os demais, que bateram em retirada. Isso mostra que nossas conquistas nos fornecem munição para os problemas vindouros. Apesar disso, os trabalhos não pararam, só estavam na metade.

Castillo, José del / Giordano, Luca (copia de) – Hércules y las aves del lago Estínfalo

O sétimo trabalho de Hércules foi capturar o enraivecido Touro de Creta, um animal monstruoso que aterrorizava todos e ninguém conseguia domá-lo. Hércules não somente o capturou, mas montou nele e desfilou vitorioso pelas ruas de Creta. Hércules ainda precisou enfrentar as Amazonas, que eram mulheres guerreiras invencíveis, e conquistar o cinturão de Hipólita, a rainha dessas poderosas guerreiras.

Ele também precisou ir até o Mundo das Hespérides, tido como “o fim do mundo” e conseguir as maçãs da juventude, frutas douradas que davam a juventude eterna para quem as comesse. Para esse trabalho, Hércules recebeu a ajuda de Atlas, o gigante que segura o céu em suas costas. Por não poder entrar nesse mundo mágico e divino, Hércules substitui Atlas, e este vai até o jardim para pegar as maçãs. 

Ainda foi da incumbência de Hércules domar os cavalos de Diomedes, terríveis criaturas que soltavam fogo e que eram alimentadas com carne humana. Mais um dos seus trabalhos também envolveu a captura do Gado de Gerião, um gigante de três cabeças e que não permitia que ninguém se aproximasse de seus valiosos bois.

O último trabalho foi capturar Cérbero, que na mitologia grega era um cão monstruoso de três cabeças que guardava a entrada do Hades, o mundo subterrâneo dos mortos. Hércules o capturou e terminou o seu último trabalho conquistando a imortalidade.

Pintura representando o último trabalho de Hércules: capturar Cérbero.

Passamos rapidamente pelos trabalhos de Hércules, mas não se preocupem, pois até o final desse texto todos entenderão a razão de não nos aprofundarmos muito em todos eles. Mais importante que isso é perceber que toda essa saga foi construída ao longo de milhares de anos, a partir da concatenação de narrativas mais antigas ainda, repassadas por várias gerações através da cultura oral. Hoje, podemos olhar para essas narrativas e descortinar nelas a grande mente humana. Todos esses fatos apontam para um grande inconsciente coletivo e tratam de aspectos psicológicos e existenciais. E não é só isso, eles também apontam para a evolução de toda a Humanidade.

A evolução do Espírito Humano é uma enorme batalha travada contra monstros análogos a esses que acabamos de ver, e o futuro de toda a Humanidade aponta para uma vitória sobre o mundo material e tudo aquilo que é “mortal”. No mesmo compasso, podemos encontrar nesse mito um alento para a batalha tão dura que travamos contra nossa natureza animal, no intento de nos humanizarmos. Hércules nos mostra que a cada conquista nos tornamos mais fortes, mais velozes e mais inteligentes. É preciso lutar, é preciso ser constante e é preciso mudar a tática às vezes. Ora perdemos, ora ganhamos, mas jamais devemos desistir. Esse mito é um convite para gostarmos de nossas batalhas, pois são elas a nossa fonte de poder, de força e de evolução.

Porém, seria um tanto ousado achar que entenderemos esse mito tão profundo apenas em um texto. Por isso, entendemos que cada um desses trabalhos merece uma dedicação quase exclusiva, nos obrigando assim a se debruçar sobre seus significados e analisar como podemos aplicá-los na prática, pois o símbolo não foi feito para ser enaltecido de forma intelectual, mas vivido cotidianamente e ser um verdadeiro instrumento para a transformação e evolução humana.

Nesse sentido, convidamos a você, caro leitor, a embarcar na profunda jornada de Hércules através de uma série de textos em que vamos detalhar os símbolos e a história por trás de cada um dos seus trabalhos. Assim, o “mapa” que nos indica o caminho de evolução, enquanto seres humanos, ganhará novos contornos, escalas e um aprimoramento mais próximo de nossa realidade, afinal, podemos não ter a força de Hércules, muito menos as armas mágicas com a qual o semideus conta, mas certamente o mesmo fogo divino que o alimenta também está em nós. 

Somos, portanto, capazes de nos tornar artífices de nós mesmos e, assim, construir a nós mesmos. Talvez não precisemos matar leões, muito menos domar um Cérbero, mas, ao nosso nível, essas provas são constantemente colocadas. Então, vamos embarcar em mais essa jornada? Esperamos todos vocês nos próximos textos!

Quer saber mais sobre esse assunto? Então confere o nosso Vídeo do YouTube que preparamos especialmente para Você.

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