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Acabou o Carnaval! Alguns sentirão saudades, outros alívio, mas o importante é que compreendamos o sentido das celebrações. Sobre o simbolismo do Carnaval, falamos neste post: “Qual o Significado do Carnaval?”. Aqui, iremos refletir sobre o significado da Quarta-feira de Cinzas, dia que marca o fim do Carnaval e o início da Quaresma, na tradição cristã.

Como você já deve ter visto, o Carnaval é o período que representa a dissolução, o fim de um ciclo. É quando toda a ordem se desfaz e os papéis se invertem. Tudo isso pode ser vivenciado como uma grande festa, com muita alegria e brincadeira, desde que compreendamos que é uma celebração simbólica, que nos mostra que, quando abrimos mão dos valores que nos guiam na ética e também na ordem social, podemos até ter momentos de diversão, mas a situação se torna insustentável em pouco tempo. Por isso, depois das festas, vem a Quarta-Feira de Cinzas, um momento de reflexão e introspecção que leva ao renascimento para uma vida nova, mais harmônica e mais voltada ao espiritual.

Nos evangelhos, é relatado um período em que Jesus passou 40 dias no deserto, em jejum e oração, e lá foi tentado pelo demônio. Na religião cristã, esse período de 40 dias após o Carnaval e antes da Páscoa, é um tempo especial, um tempo sagrado chamado de Quaresma, em que o cristão se inspira no mestre e abre mão de alguns prazeres, como forma de autocontrole. Na Quarta-Feira de Cinzas, numa cerimônia em que o fiel recebe uma marca de cruz na testa, feita com cinzas, é marcado o fim de um ciclo, a morte de um antigo “eu” que deve ser consumido no fogo, para que das suas cinzas, tal como a mítica ave Fênix, renasça um novo Indivíduo, livre do peso dos erros do passado. Esses 40 dias de uma nova vida devem ser então encarados como uma oportunidade para trilhar um caminho para o “Céu”, para o Espiritual, para o Sagrado. Em outras palavras, na Quaresma é feito um exercício de abrir mão da vida mundana, em busca de uma vida espiritual.

Talvez você esteja pensando: “Mas isso é só uma crença religiosa e não tem valor para todo mundo”. É neste momento que devemos deixar nossos preconceitos e orgulhos de lado, e reconhecer que, por muito tempo, as tradições religiosas da cultura em que vivemos também nos ofereceram grandes ensinamentos, mesmo para quem não se considera cristão.

No deserto, o Cristo foi tentado de três maneiras e, por esse motivo, na Quaresma a pessoa deve fazer três exercícios para:

Reduzir a concupiscência da “carne”

A palavra “concupiscência” está diretamente ligada aos desejos e paixões, logo, ao falarmos da concupiscência da carne, nos referimos, dentro da perspectiva cristã, dos pecados da luxúria. Sendo assim, de forma prática, esse exercício indica que devemos reduzir a força que os instintos possuem sobre nós. O corpo possui os seus impulsos naturais, que são os próprios instintos, e se expressam como fome, sono, desejo sexual etc. Isso não é um problema em si, porém, o mais comum, é que estes instintos controlem a nossa alma (ou a nossa consciência), e acabamos vivendo somente em busca desses “prazeres da carne”, o que gera a gula, a preguiça e a luxúria. O exercício aconselhado é do jejum, ou pelo menos se abster de algum tipo de prazer. Isto nos ajuda a ter um controle das nossas energias e nos dá força para direcioná-las para o que é importante, para os valores espirituais.

Se considerarmos que o período da quaresma é uma purificação, então evitar tais impulsos, tão comuns no Carnaval e que são inclusive estimulados pela sociedade, faz com que estejamos mais atentos a tudo que nos leva a tomar essas ações. Assim, objetivamente, deve-se reduzir a atividade desses instintos e praticar o autocontrole e domínio sobre si.

Reduzir a concupiscência dos “olhos”

Isto se refere ao nosso desejo de conhecer e à curiosidade, que é algo positivo enquanto não sai do controle. Além disso, a concupiscência dos olhos está ligada ao desejo de possuir cada vez mais, principalmente o que ainda não se tem. No mundo em que vivemos, dotado de consumismo e estímulos nesse sentido, a concupiscência dos olhos afeta a todos e se torna quase um imperativo em nosso mundo.

Não precisamos refletir muito para chegar a essa conclusão. Em nossa vida cotidiana, somos muito dominados por uma curiosidade vulgar, pelo consumismo exacerbado, e tais hábitos acabam se tornando um vício para muitas pessoas. Provavelmente, meu caro leitor, você conhece alguém que tem o problema de perder MUITO tempo em redes sociais, por exemplo. Grande parte desse tempo é dedicado a buscar as “novidades” do mundo, seja um novo produto no mercado, uma nova trend, um novo vídeo ou meme que está viralizando nas redes. Ainda há quem passe horas buscando curiosidades sobre pessoas e assuntos irrelevantes. 

O problema que se desenvolve a partir daí é que, uma vez que o olho vê, a mente tende a desejar. E este desejo de possuir aquele carro caro, aquele lançamento da Apple, a fama daquela influencer ou o corpo de tal modelo, nos faz perder o referencial do que é importante e do que é supérfluo. O exercício aconselhado é a caridade, mas não no sentido de doar aquilo que está velho, mas sim de buscar abrir mão daquilo que não é essencial. Em outras palavras, seria viver uma vida mais simples, dando valor ao que de fato é importante.

Frente a isso, o conselho a ser praticado na Quaresma é de evitar esses hábitos mentais, de perceber quando o desejo possui a nossa mente e acabamos, quase involuntariamente, desejando viver e ter aquilo que nossos olhos perseguem diariamente. Mais uma vez, a inspiração desse momento do ano é a de uma vida equilibrada, consciente e voltada para o que realmente importa: a nossa alma imortal.

Reduzir a soberba da Vida

Por último, mas não menos importante, é o terceiro exercício a ser praticado na Quaresma: reduzir a soberba da Vida. Este ponto está ligado a um certo grau de orgulho pessoal, mas no sentido negativo. Tem a ver com pensar que a vida é somente o que os olhos veem, o que as mãos tocam, e que o poder da personalidade já basta, ou seja, a saúde física, as diversões, os prazeres são suficientes para a realização humana. Esta falta de transcendência leva a crenças muito materialistas, muito comuns atualmente. O grande problema é que, sem a vida espiritual, a vida material deixa de ter sentido. É comum vermos pessoas que “tem de tudo”: saúde, dinheiro, família estruturada, segurança, lazer… Mas vivem num desespero interior, sem saber qual o propósito de estar vivo. O exercício aconselhado neste caso é a oração. Não uma oração decorada e repetida roboticamente, mas sim uma reflexão profunda, que nos leve a colocar a nossa vida a serviço de um Ideal maior. Em síntese, não é somente viver bem, mas sim saber o porquê de estar vivo e não temer a morte, por entender que a vida continua.

Independente da sua crença e da sua linha religiosa, estes exercícios são valiosos para qualquer indivíduo que busca compreender a si mesmo e o seu papel no Universo. Não podemos continuar reféns dos defeitos que apontamos, afinal, eles impedem que alcancemos nossa parte mais elevada e viva de forma consciente e equilibrada. Não é simples combater essas tendências tão naturais em nosso cotidiano, porém, essa é a luta que realmente tem sentido em ser travada. Vale a pena experimentar!

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