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(Créditos: Wikipédia)

Se você é recifense, ou se bem conhece a cidade, certamente já dançou forró no Sítio da Trindade, já deve ter pego um metrô até Jaboatão, já deve ter participado da festa da pitomba no Morro dos Guararapes, já deve ter visto algum ônibus com o nome “terminal da Muribeca” ou já deve ter ido até uma das praias do Cabo de Santo Agostinho.

Esses lugares, há 370 anos, foram palco de uma das guerras mais sangrentas e mais significativas na história do povo brasileiro, que passou a ser conhecida como Batalha dos Guararapes. Neste texto, pretendemos refletir de que modo sofremos influências dessa batalha até os dias de hoje, na tentativa de aprofundar a pergunta: o que é ser brasileiro?

Por outro lado, o que aconteceu ali permite uma reflexão profunda sobre as relações internacionais, sobre toda a sociedade, bem como sobre a subjetividade humana.

Em um roteiro bem simplificado, bem a grosso modo, podemos resumir a história da Batalha dos Guararapes da seguinte forma: a Holanda começou a invadir o Brasil, que era uma das colônias mais ricas de Portugal, por volta de 1624, a partir de Salvador, na Bahia. O motivo das invasões é que a Holanda havia se emancipado do domínio espanhol e o rei Filipe II, em retaliação, havia proibido o comércio com os portos holandeses. Como Portugal nessa época estava anexado à Espanha, no que se chamava de União Ibérica, teve que cumprir a ordem do Rei e cortar relações com a Holanda. Isso motivou as invasões já citadas, porque sem as relações comerciais com Portugal, a Holanda perderia uma enorme parcela de mercado, o que dificultaria o financiamento da continuidade de sua própria Independência.

(Créditos: Wikipedia)

Assim, por volta de 1630, após serem expulsos de Salvador, eles invadiram Olinda e Recife com uma esquadra de sessenta e sete navios e sete mil homens. Diante do sucesso da invasão, o governo holandês ainda enviou mais seis mil homens para consolidar o domínio.

Do lado de Portugal, a resistência foi liderada pelo militar administrador da colônia, Matias de Albuquerque. Ele instalou uma fortificação a que nomeou Arraial do Bom Jesus, no que hoje conhecemos como Sítio da Trindade, um lugar belíssimo, com muitas árvores e muita História. Durante as festas juninas, neste local, hoje os recifenses e visitantes passam a noite nas feirinhas dançando forró. Mas, voltando 370 anos no tempo, Matias de Albuquerque liderava investidas recorrentes, com destacamentos de dez a quarenta homens, que atacavam de surpresa os redutos holandeses e voltavam para o forte. Essa técnica foi aprendida com os indígenas.

As munições para a resistência eram trazidas de Portugal pela zona portuária do Cabo de Santo Agostinho, um lugar de praias paradisíacas, e a alimentação dos soldados vinha das casas de farinha da Muribeca.

(Créditos: João Rocha)

Apesar da resistência, muitos senhores de engenho do lado dos portugueses começaram a gostar da presença holandesa, em razão da administração do Conde Maurício de Nassau, que era um homem culto, progressista, liberal, que começou a fazer grandes reformas urbanísticas na cidade do Recife e financiar engenhos, recuperar a produção, etc.

A estratégia dos holandeses para destruir o forte e enfraquecer a resistência era tomar a região da Muribeca, a fim de que não houvesse mais alimentos para os soldados, e tomar o porto do Cabo de Santo Agostinho, a fim de interromper o envio de armas para o forte. Entretanto, para chegar até a Muribeca, os holandeses teriam que passar por uma região chamada Morro dos Guararapes, que fica no atual município de Jaboatão dos Guararapes.

Foi nesse morro, que aconteceu a famosa Batalha dos Guararapes, explicada abaixo no vídeo do Nerdologia. A diferença entre o contingente do exército holandês e do exército luso-brasileiro era enorme. Do lado dos holandeses havia mais de sete mil homens, já do lado brasileiro apenas 2200.

Entretanto, os holandeses tinham pouco domínio sobre o terreno, então muitos morreram afogados nos trechos alagadiços, nos arredores do Morro. E os que conseguiam chegar até o morro já estavam debilitados. Já os lusos brasileiros, conheciam o terreno e eram mais vigorosos. Assim, a guerra, no primeiro conflito, em abril de 1648, deixou um saldo de mais de dois mil cadáveres holandeses, muitos dos quais eram oficiais de alta patente. Do lado dos brasileiros, cerca de duzentos cadáveres.

(Créditos: Google Sites)

Em fevereiro de 1649, durante o segundo conflito, os luso-brasileiros conseguem vencer e expulsar definitivamente os holandeses.

Existem muitas formas de olharmos para esse fato histórico.

É possível perceber que toda a sociedade humana está integrada, em alguma medida. Veja que uma batalha ocorrida lá no Século XVII, em uma época em que não havia eletricidade, nem telefonia, nem internet, nem aeroportos, em que as tecnologias eram rústicas, em um território tomado por manguezais e mata nativa, numa região longínqua da Europa, como é o caso de Jaboatão dos Guararapes, nessa batalha estão imbricados uma série de grandes interesses internacionais. Há uma confluência de grandes potências mundiais de então, como a Espanha, o reinado de Filipe II, o reino de Portugal, a Inglaterra, a Holanda, as Índias e toda a Europa. De algum modo, esse simples conflito é um reflexo de um jogo histórico complexo de toda a civilização ocidental.

Isso nos mostra que a história está ligada por um fio único, que há uma unidade nesse enorme mosaico de fatos. É possível ver nesse evento também o surgimento de uma nação brasileira, um sentimento nacional, o surgimento de um exército brasileiro, a partir de uma conquista sangrenta contra um inimigo forte.

Hoje, quando você entra na cidade de Jaboatão dos Guararapes, uma placa de boas vindas diz logo abaixo: “A pátria nasceu aqui”. Isso é justificado, pois foi nessa batalha que um grupo de homens deixou de enxergar uns aos outros como negros, portugueses ou indígenas, e passaram a se identificar como um grupo de brasileiros que lutavam para defender seu território.

Mas, há quem se pergunte: como pensar no surgimento de uma nação brasileira, se na verdade, de uma forma ou de outra, o Brasil era uma colônia de exploração, fosse de Portugal, fosse da Holanda?

A resposta para essa pergunta está no seguinte raciocínio: tanto a Holanda como Portugal também eram, em alguma medida colônias da Espanha. Suas investidas nas américas para colonizar e explorar eram medidas de sobrevivência no contexto europeu. A Espanha, por sua vez, que seria então, dentro dessa lógica, a grande opressora, também tinha uma motivação para “oprimir”. Caso não expandisse seu império, desmoronaria diante da agressividade dos outros povos europeus, anglo-saxônicos, asiáticos, etc.

(Créditos: Wikipedia)

Observe que essa lógica de pensar uma nacionalidade em confronto com outras nacionalidades é inviável e não tem sentido, isso nos leva a uma grande carnificina global. A ideia de pátria, para fazer sentido, é preciso estar em harmonia com a ideia de fraternidade universal, em que o sujeito se veja como partícipe de uma única espécie, independente de etnia, sexo, cor da pele, nível social, etc. Como nos ensinou Joaquim Nabuco, “O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria à humanidade”.

Outro fenômeno que subjaz no fato da batalha é o comportamento dos senhores de engenho, que, sem compromisso nenhum com o ideal de nacionalidade, nem identificação com nenhum dos grupos humanos, holandeses ou ibéricos, associam-se ao projeto que melhores condições materiais lhe oferte, no caso, o projeto de Maurício de Nassau. Esse setor da sociedade, o dos senhores de engenhos, já representava uma tendência da modernidade, a qual vivemos hoje o seu ponto mais alto, que é o derretimento dos valores, dos ideais de Estado, da identidade de um povo em função de interesses ligados à objetividade, ou à matéria.

Essa batalha não é só um confronto entre dois exércitos, ela suscita um confronto entre ideais e materialidades. O que é viver? Apegar-se à condições materiais, ao sonho de “progresso urbanístico” ou a um ideal de pátria? E o que é um ideal de pátria? É a satisfação de grandes interesses de uma potência mundial? Ou o sonho de uma única família humana?

Precisamos confiar que chegará o dia em que superaremos o egoísmo, a ganância e todas as formas intolerantes e radicais de nacionalismo, e então perceberemos que todas as bandeiras do mundo devem ser também nossas bandeiras, e todos os homens do mundo são nossos irmãos.

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