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Conta uma história Indiana que Mahatma Gandhi, certa vez, recebeu a visita de uma mulher. Junto a ela estava o seu filho que tinha um grave problema com alimentação. A mulher aproximou-se do sábio Hindu e pediu-lhe que aconselhasse o garoto a parar de comer açúcar. De maneira afável, Gandhi pediu à mulher que voltasse com o filho em uma semana, se assim o fizesse o aconselharia. A mãe assim o fez e uma semana depois lá estava os dois, pontualmente, em frente ao sábio. 

Gandhi olhou profundamente para o jovem e de maneira doce o falou que não deveria comer tanto açúcar. A mãe, porém, prontamente indignou-se com Gandhi. “Por que mandou esperarmos uma semana para falar apenas isso?!” Mahatma olhou para a mãe e generosamente respondeu: “Porque até semana passada eu comia açúcar”. 

Essa pequena história, que muitas vezes é interpretada como uma piada, na verdade guarda uma importante lição: só podemos curar os males alheios quando nos livrarmos deles em nós. Frente a isso, é interessante percebermos que nos dias atuais, é comum aconselharmos uns aos outros em assuntos que, de fato, temos pouca ou nenhuma propriedade. Frases como “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”, por exemplo, tornam-se cada vez mais comuns na boca de nossos amigos, familiares e também na nossa, mas qual a razão disso e como podemos melhorar essa relação?

Há uma ideia muito antiga, advinda da sabedoria Egípcia, que pode nos ajudar neste dilema. Ela nos diz que o Universo e o Ser Humano, assim como todas as outras coisas, estão interligados, sendo todas regidas pelas mesmas leis. Desse modo, tudo que ocorre no macrocosmos também ocorre no microcosmos. Inicialmente essa pode ser uma ideia um pouco quanto confusa para nós, porém basta imaginar nosso corpo como um pequeno Universo. Temos 33 trilhões de células em nosso corpo, o que é mais do que as estrelas em nossa Via Láctea. A íris dos nossos olhos se assemelha a uma explosão de uma estrela, assim como nossos neurônios, conectados em uma rede quase infinita, lembrando-nos das ramificações do próprio cosmos e suas conexões.

Considerando, portanto, que essa é uma lei, será que ao curarmos nossas debilidades, dúvidas e problemas, podemos efetivamente ajudar o mundo com esse mesmo processo? Se refletirmos sobre isso, por um tempo, poderemos partir da ideia de que algo que me afeta, como uma doença, um rancor ou experiência mal resolvida, pode também existir no todo, na sociedade. Assim, se estamos doentes é possível que também deixemos o mundo com uma enfermidade. Comumente fala-se que “nossa sociedade está doente”, mas o que seria isso, senão a constatação que não somente os indivíduos que compõem esse coletivo, mas seus costumes estão fora do eixo? 

Como sabemos, o que chamamos de sociedade nada mais é do que um grupo de pessoas que vivem sob determinadas leis. Assim, o que afeta o indivíduo naturalmente afeta o todo e vice-versa. Por esse ponto de vista, a percepção da sabedoria Egípcia se faz clara em nosso cotidiano, mas nosso problema ainda persiste: como, então, podemos ajudar a sociedade nesse processo de cura?

O primeiro passo, sem sombra de dúvidas, é buscar se curar dos nossos males. Assim como Gandhi na anedota Indiana, se não nos livrarmos das nossas enfermidades não poderemos ajudar os demais. Deixemos claro que o que estamos chamando de “doenças” ou “males” não são apenas problemas de saúde em seu sentido mais restrito, mas sim toda e qualquer desarmonia que haja em nós, principalmente no aspecto moral. Desse modo, se não consigo honrar os princípios que elegi para viver, se não sou capaz de construir uma vida ética, como então poderei ensinar aos outros a viverem essas mesmas ideias?

Assim, a cura começa pela autocorreção dos nossos próprios defeitos. Esse é um processo paulatino que, de fato, não tem fim. Todos os dias precisamos curar uma parte de nós que guardou um rancor, algo mal compreendido, ou uma atitude impensada. Porém, através dessa dinâmica de correção, poderemos apresentar às pessoas a nossa volta um modo de viver que permite nos redimirmos dos nossos erros, tornando-nos melhores ao longo dessa jornada.

A partir do momento em que conseguimos entrar nessa dinâmica, podemos ser o exemplo para o outro. É fato que não podemos mudar ninguém a não ser a nós mesmos, assim como não é o médico que cura o paciente. O paciente, seguindo as orientações médicas, é que chega à cura. De igual modo, quando mostramos aos outros que podemos nos curar daquilo que há anos nos atormenta, seja uma enfermidade real, um defeito, uma maneira de pensar, mostramos que a cura é um processo possível e isso pode inspirar os outros. 

Algumas perguntas comuns que podem surgir em nossas mentes nesse processo são acerca da finalidade de se curar. Será mesmo que precisamos superar nossos defeitos? Qual o problema de tê-los? A sociedade realmente será melhor sem eles? Essas perguntas são importantes para fundamentarmos a necessidade da mudança. Em grande medida, não desejamos a superação dos nossos defeitos, pois nem mesmo achamos que eles são problemáticos. Quantas vezes já falamos que “somos desse jeito” e que os outros devem aceitar essas características? Isso significa que nos identificamos com essas debilidades ao ponto de nos confundirmos com ela. Assim como um enfermo não pode se curar de algo que não encara como uma doença, não podemos vencer um defeito que enxergamos como uma virtude. 

Porém, basta pensarmos da seguinte maneira: se todas as pessoas do mundo tivessem esse mesmo defeito, esse seria um mundo melhor? Provavelmente, a resposta seria não. Assim, curar a si mesmo é fundamental para a construção de um ambiente mais agradável e harmônico. É por isso que existe a necessidade de superar esses aspectos negativos em nós. Curar-se, em grande medida, é pensar não somente na própria saúde, mas também em ser útil aos demais. Isso nos leva à segunda pergunta, logo o problema de manter os defeitos em nós, atesta que não somos capazes de melhorar enquanto indivíduos, o que não é real. Ter uma falha moral é, em síntese, aceitar o fato de que não somos capazes de dominar aquele aspecto de nossas vidas e, portanto, o outro também não.

De igual modo, quando vencemos nossas debilidades passamos a ser um exemplo vivo de que não há tarefas impossíveis, mas sim impossibilitados. Quando acrescentamos esse componente de sermos exemplo para os outros, apresentamos a finalidade e necessidade de curar a nós mesmos, pois passamos a apresentar ao outro uma realidade que, a priori, era impossível. Frente a isso, busca-se, a partir dessa relação, alcançar um novo patamar. Podemos nos inspirar uns aos outros a vencermos as nossas batalhas e tornar o mundo um lugar melhor.

Por fim, é preciso nos enxergarmos como uma grande unidade, uma só humanidade. Na maior parte do tempo nos percebemos como fora dessa realidade, como se vivêssemos em mundos diferentes e que, a rigor, o problema do outro é somente do outro. Desse modo, não me sensibiliza as necessidades que outras pessoas têm, assim como seus dilemas cotidianos, pois não somos nós que estamos vivendo aquela experiência. Entretanto, assim como no Universo não há nenhum corpo celeste que não esteja conectado com os demais, também a humanidade não está separada. Podemos ter essa ilusão ao construirmos fronteiras e muros, quando vivemos em nossas bolhas sociais e nos alienamos dos problemas que nos circundam. Porém, nenhuma dessas barreiras físicas e psicológicas conseguem mudar a Verdade: todos nós, por mais diferentes que sejamos, participamos de uma mesma realidade humana. Dividimos essa natureza com as outras 7 bilhões de pessoas que habitam a terra, esse é o nosso ponto de unidade.

É verdade que vivemos realidades sociais diferentes, mas em cada um de nós há os mesmos dilemas humanos. Sendo assim, seria irreal achar que, no fundo, todos nós conseguimos nos conectar uns aos outros? De perceber que por detrás de todas as aparentes diferenças habita uma mesma natureza que permeia a todos? Acreditamos que não e é por isso que, se conseguirmos curar a nós mesmos nas pequenas e grandes debilidades que temos, também possibilitamos aos demais a chance de superar suas provas. 

Dito isso, lembremos mais uma vez de Gandhi e sua pequena história. Sejamos, enfim, o exemplo que queremos ver no mundo. 

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