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Sobre a dimensão Moral do Carnaval

Sempre que se aproxima o Carnaval é importante construirmos uma reflexão Histórica e Filosófica desse fenômeno Cultural, a fim de vivermos esse momento tão significativo do ano de maneira profunda e carregada de sentido. 

Do ponto de vista Histórico, o Carnaval Brasileiro vem de Portugal, através da colonização. Mas esse Carnaval Português é uma herança da cristianização dos festivais antigos que ocorriam em Roma. Quando o Cristianismo se tornou uma Religião oficial, por força dos Decretos Imperiais, muitos aspectos do Mundo Antigo foram censurados, destruídos e proibidos, como Templos Iniciáticos, Escolas de Filosofia, Cerimônias Antigas, Rituais etc. Mas os Festivais Catárticos, marcados pelo extravasamento dos participantes, o Cristianismo oficial não conseguiu suprimir. Como não foi possível acabar com esses festivais, a Cultura Cristã os absorveu adaptando-os à linguagem Cristã oficial. É daí que nascem as festas de Carnavais e até hoje, elas acontecem quatro dias antes da quarta-feira de cinzas, dia que marca o início do tempo quaresmal. A quaresma, por sua vez, são os quarenta dias do ciclo pascal que rememora a via crucis de Jesus Cristo até a sua ressurreição. Desse modo, um festival antigo, que existia desde os tempos dos cultos Dionisíacos, sofreu diversas adaptações até agregar aspectos de várias Culturas, chegando até à Idade Média, onde sofre essa captura pelo ritualismo Católico. É com essas vestes que o Carnaval chega a Portugal e, por conseguinte, ao Brasil Colônia. 

O Carnaval que temos hoje no Brasil já chegou a ser chamado por muitos especialistas no assunto de “O Maior Espetáculo da Terra”. A festa envolve infinitas nuances, aspectos Antropológicos, Históricos, Políticos, Religiosos, Econômicos, Sociológicos etc. É uma experiência viva que, diante de uma mente preparada, revela aspectos profundos da alma da nossa sociedade. Só a indústria por trás do Carnaval movimenta mais de seis bilhões de reais e gera mais de 20 mil empregos (dados de 2018). Mas isso não torna o evento algo exclusivamente mercadológico, pois a presença da História e da Cultura Brasileira predominam desde os blocos (Olodum, Timbalada, Filhos de Gandhi, Ilê Ayê) de Carnaval de Salvador, até o Maracatu, o Frevo e a Noite dos Tambores Silenciosos do Carnaval Pernambucano. Além desses, no Rio de Janeiro, as escolas de samba carregam consigo esses aspectos. Todos os anos, esse espetáculo revive o passado, acirra as discussões do presente e agita a vida do país, energizando-o para o futuro com debates políticos e ideológicos. Para além disso, há também uma explosão de sensualidade, licenciosidade e erotismo por toda parte.

O ponto de vista Filosófico sobre esse fenômeno é bem distinto do olhar da História, da Antropologia, da Sociologia, da Política e da Economia. A Filosofia se debruça sobre o Carnaval com perguntas do tipo: o que move a Alma Humana por trás desses festivais? Por que fazemos o Carnaval? Que dimensão moral isso tem?Para tentar responder a essas perguntas, a professora Lúcia Helena Galvão afirma que o Carnaval é uma “Catarse” de instintos reprimidos, conforme vídeo no link abaixo.

A Filosofia antiga, sobretudo, os textos platônicos, nos vêem como uma construção que tem uma parte animal, uma parte Humana e uma parte mais evoluída que as outras partes. Podemos chamar essa terceira parte de nossa parcela Divina, mas não no sentido necessariamente religioso, tal qual conhecemos hoje. O Divino estaria ligado ao sentido de algo Sublime, Misterioso e Elevado que temos dentro de nós. Essa esquematização do que nos constitui, permitiu uma visualização mais clara de alguns fenômenos que acontecem conosco: os impulsos, por exemplo, que nos levam à perversão ou à selvageria, estariam na estrutura animal; já a contemplação, as reflexões que fazemos diante da Vida, as atitudes nobres, transformadoras e sábias que, por vezes, se precipitam em nossa existência, estariam associadas à presença do elemento Divino em nós. E o que somos, em síntese, é uma corda esticada entre essas duas naturezas, animal e Divina. Essa corda é o Humano com sua mente e sua Alma. Quase sempre, essa corda é mais forte nas proximidades do animal e mais fraca no que tange ao Divino. Para sobrevivermos socialmente, precisamos reprimir, tolher e controlar esse animal que temos dentro de nós, pois se o deixarmos livre, por si só, viramos um monstro social. Essa repressão prolongada gera uma série de transtornos ao longo da Vida, por isso é preciso, de vez em quando, liberar controladamente o fluxo represado. É semelhante, de fato, a uma represa: quando o nível de repressão está muito intenso, é preciso vazar um pouco do líquido para diminuir a pressão, pois se não fizer esse vazamento controlado pode ser que a represa estoure. 

Filosoficamente, o Carnaval parece atender a essa demanda do Espírito Humano de liberar, controladamente, o fluxo reprimido. Não à toa, o rei entrega as chaves da cidade a um rei bobo e, a partir desse momento, todos os Valores podem ser ignorados. Os homens se vestem como mulheres, todos usam máscaras que são, em geral, ironias de figuras da sociedade convencional, e tudo entra em desordem, gerando um pequeno caos. Tudo está liberado, mas esse extravaso, essa liberação é feita de maneira controlada, pois depois do ciclo, tudo retorna ao estado inicial, a válvula de escape é novamente tampada e a represa volta ao seu estado original, mas dessa vez com o fluxo mais estabilizado.  

A pergunta que a professora Lúcia Helena faz no vídeo acima é a seguinte: será que tudo isso é necessário mesmo? Será que o Ser Humano está condenado a uma Vida de repressão e liberação? Não existiria uma forma de superarmos essa condição e não precisarmos mais desses momentos de extravaso? 

A resposta, em poucas palavras, é sim. É possível, mas para isso precisaríamos de outro tipo de moral. Esta moral que vivemos hoje é uma moral repressora dos instintos, baseada na hipocrisia, no tolhimento, na punição, na culpa, na penitência. Precisamos, portanto, de uma moral que seja transmutadora ao invés de repressora. A moral que transmuta é aquela que transforma nossas partes de chumbo em ouro, tal qual os alquimistas medievais. É um exercício de Vida transformador, que muda a nossa natureza profundamente. Podemos fazer isso mudando os nossos gostos, as nossas ações, os nossos pensamentos. Procurando gostar do que nos faz bem, fazer coisas que vão nos tornar bem e estáveis emocionalmente, nutrir ideias e pensamentos elevados, através de boas leituras,  bons filmes, momentos de contato com a Natureza, de reflexão sobre o nosso dia e sobre as nossas atitudes. E esse exercício de Vida precisa ser contínuo, como uma meta diária, em que desde o nosso levantar até o nosso dormir, sejam impregnados dessa espiritualidade reflexiva.

Isso não significa a extinção dos Carnavais, mas pelo contrário, tornaria a nossa existência em si como um festival, pois não tem represa, o fluxo é livre e contínuo, no entanto, os prazeres não são densos, nem grosseiros. O prazer estaria no mais Elevado, Sublime e voltado para o Amor genuíno, para a contemplação da Beleza em si e para a manifestação da ordem na existência.  Por exemplo, quando você faz algum trabalho de organização na sua casa, como lavar os pratos ou uma reforma que torna o ambiente mais belo, Você não sente um prazer, ou uma satisfação? É desse tipo de prazer que estamos falando. Uma moral transformadora nos leva a prazeres refinados e sutis. Eses prazeres nos satisfazem a ponto de não precisarmos mais de prazeres densos, grosseiros e extravagantes.

Esse fenômeno Humano, tão carregado de Alegria, de aspectos Históricos e tão revelador da Alma coletiva, é o espaço que temos para manifestar nossas Intuições que se inclinam para uma grande Unificação de todas as pessoas em torno da Felicidade. O Carnaval é uma grande reunião de pessoas cheias de Esperanças e Sonhos, que sorriem por trás das máscaras e sonham com dias melhores. Desse modo, ao falarmos de uma nova moral não repressora, mas transformadora, não estamos falando do fim do Carnaval, pelo contrário, estamos falando de um estado de consciência que nos permite viver esse momento, entendendo melhor o seu significado, aprendendo a usá-lo como uma válvula de escape, vivê-lo em sua essência e plenitude. Logo, essa era a intenção original quando surgiram esses festivais, era uma espécie de expressão de Gratidão pela colheita, pelo trabalho, pelo sustento e, com o passar do tempo, é que foi virando uma espécie de despressurização dos instintos. Precisamos resgatar o sentido original desse festival e vivê-lo com mais consciência, de forma inteligente, entendendo seu real significado.

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