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Compreendendo nossa admiração pelos desconhecidos

Você já percebeu que estamos sempre nos comparando com outras pessoas? De maneira consciente ou não, acabamos caindo nessa pequena armadilha da mente que insiste em enxergar nos outros seus pontos positivos e negativos. Nesse jogo de comparações, muitas vezes acabamos reprovando algumas atitudes e nos colocando em um patamar superior, principalmente quando estamos observando uma pessoa que temos mais intimidade, que convivemos com mais frequência e que, naturalmente, podemos ter problemas no dia a dia.

Por outro lado, muitas pessoas que não conhecemos de perto são alvos de nossa admiração. No mundo atual, em que sabemos da intimidade alheia a partir das redes sociais, passamos a seguir personalidades e pessoas que achamos interessantes. Seja pelo estilo de vida ou por posições ideológicas, acabamos entrando no dia a dia dessas pessoas e, como uma platéia silenciosa, passamos a admirar pessoas que nunca sequer vimos pessoalmente ou conversamos.

Nesse sentido, é curioso pensarmos que talvez as pessoas que mais tenham nossa admiração e respeito sejam justamente as que, de fato, nunca conhecemos. Por que isso ocorre? Parece um pouco contraditório, mas torna-se mais fácil admirar quem não conhecemos bem, pois é justamente na falta de intimidade, na falta da convivência, que aspectos pequenos, defeitos e debilidades não são visíveis e passam despercebidos por nós. Dentro do contexto atual, em que observamos as pessoas pelo que elas expõem nas redes sociais, isso se torna ainda mais evidente, pois no mundo virtual jamais postamos sobre nossas dificuldades, ou mostramos nosso “pior” lado. Pelo contrário, estamos sempre apresentando como somos disciplinados, inspiradores e, em síntese, a nossa melhor versão.

Como diz o velho ditado: a grama do vizinho sempre é mais verde. Quando nos colocamos a comparar a nossa vida com as dos demais, principalmente quando não conhecemos a fundo os dilemas que cada um está vivendo, passamos a admirar a força e o sucesso daquelas pessoas, mesmo que vejamos apenas um lado da história. Essa é, de maneira geral, a mesma razão pela qual não conseguimos admirar facilmente as pessoas que estão mais próximas, pois é justamente a relação mais estreita que nos mostra os desafios que é conviver com os demais. Quando passamos a conhecer as pessoas, somos apresentados, naturalmente, aos seus defeitos, além de que, ao longo do tempo, as relações costumam gerar atritos. Esses pequenos problemas cotidianos acabam nos afastando de uma posição positiva quanto às pessoas que estão próximas de nós. Deixamos que a crítica se infiltre em nossa convivência e não percebemos que, ao invés de observar as qualidades de cada um, passamos a focar somente em seus defeitos.

Nesse sentido, a frase do jornalista Millôr Fernandes encaixa-se como uma luva em nossa discussão: “Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem.” Parece-nos, estranhamente, que, à medida que nos aproximamos das pessoas, passamos a perder o “encanto” e vê-las como realmente são. Porém, a quebra dessa imagem idealizada, que muito pouco tem a ver com a realidade, não deveria nos animar por conhecer mais sobre o mistério que é cada Ser Humano?

A resposta deveria ser sim, mas admitimos que essa não é uma ideia amplamente aceita nos dias atuais. Infelizmente, parece que é comum a ideia de que as pessoas, uma hora ou outra, irão nos decepcionar e isso se apresenta como algo imperdoável. Porém, quem de nós nunca decepcionou um amigo ou familiar? Nossa intimidade, que implica em nos mostrar da maneira que somos, com nossos defeitos e qualidades, deveria ser um prêmio que só os mais confiáveis e melhores poderiam obter e, mesmo que pensemos nisso, muitas vezes não a valorizamos.  Indo ao contrário da lógica, é com as pessoas que mais desfrutamos da intimidade que nos sentimos “à vontade” para criticar e enxergar somente os defeitos que, cá entre nós, todos os seres humanos possuem.

Como podemos reverter essa nefasta dinâmica social em que estamos inseridos? A primeira e talvez mais óbvia dica é a de que devemos valorizar quem está ao nosso lado. O tempo, nesse sentido, se mostra um ótimo balizador para compreendermos essa ideia. Uma amizade de um mês, por exemplo, jamais deverá ser tão sólida quanto uma que dura décadas. Certamente sempre há exceções, mas, em geral, a duração de uma relação, seja ela de amizade ou amorosa, implica em uma intimidade mais consolidada, ou seja, já experimentamos, ao longo dos anos, momentos bons e ruins, em que vimos o melhor e o pior de cada pessoa, assim como a nós mesmos.

Se a relação resistiu a esses momentos delicados, certamente há algo valioso a ser mantido. Só por isso,  já poderíamos dizer que não faltam motivos para admirar esse amigo ou companheiro de longa data. Mas, se ainda precisamos de outros argumentos, uma boa dica é observar sempre as virtudes das pessoas que estão ao nosso redor. Isso nos leva a uma pergunta fundamental e que, na maioria das vezes, pode nos levar a decisões importantes: o que nos faz continuar próximos das pessoas de que somos mais íntimas?

Provavelmente a razão de mantermo-nos próximos dessas pessoas é a de que, em algum grau, achamos algo nelas que admiramos. Outras vezes, porém, a força das circunstâncias nos obriga a conviver, como no caso dos nossos familiares. Apesar disso, não se invalida o fato de que podemos sempre desejar ver o melhor lado de cada pessoa, mesmo que isso exija de nós um reposicionamento frente a essa relação. Quando observamos por esse lado, torna-se melhor de compreender porque é tão fácil admirarmos as pessoas com quem não temos nenhuma relação de convivência, pois elas não nos fazem mudar. 

Quando precisamos nos reposicionar frente uma situação, isso, naturalmente, nos gera certo incômodo. Desse modo, a saída da zona de conforto pode nos ser dolorosa e, em grande medida, desejamos evitá-la. Assim, quase que automaticamente, uma das nossas reações torna-se a de criticar as pessoas que estão ao nosso redor, enxergando apenas as suas dificuldades, e passamos a ter um olhar positivo para aquelas que jamais encontraremos em nossas vidas reais.Esse tipo de atitude pode, em certos casos, nos levar a um isolamento do mundo, fazendo com que nossa capacidade de gerenciar os relacionamentos seja levada para níveis alarmantes. Em consequência, podemos acabar presos nessa teia que são as redes sociais, caindo assim na armadilha de seguirmos grandes pessoas que, na verdade, nada acrescentam em nossas vidas.

Devemos lembrar, portanto, que, para além das qualidades e defeitos que nos compõem, somos todos um grande mistério. Cada Ser Humano é, em grande parte, um Universo e, por isso, podemos enxergar nele uma faceta desse maravilhoso ser que chamamos de Deus. Pensando nisso, podemos refletir sobre uma passagem do épico hindu Bhagavad Gita, no qual Krishna, em sua sabedoria e representante desse divino mistério, mostrou-se por completo para Arjuna, o guerreiro e protagonista dessa narrativa. Assim que Arjuna avistou tudo que compunha, o divino ficou em choque, pois percebeu que nele habitava tanto o bem quanto o mal, pois essa dualidade compõe a existência. Arjuna, assim como nós, acabou rejeitando a parte má, pedindo que a escondesse. Do mesmo modo, por não conseguirmos lidar com os defeitos alheios ( e também com os nossos), acabamos por fingir que não os vemos, ocultando-os ou mesmo não lidando com eles. Assim, tornando essa parte do mistério que nos habita inconscientes, deixamos de nos aproximar do que poderíamos chamar de nossa essência.

Trazendo para as nossas relações, quando afastamos as pessoas mais próximas com críticas, não estamos aprendendo a lidar com seus defeitos, muito menos com os nossos. Dessa maneira, perdemos a oportunidade de conhecer mais profundamente as pessoas e a nós mesmos, deixando-as de admirar e passando a não querer ver a beleza que há nas outras pessoas.

Considerando tais questões, devemos aprender que, no fim, todos nós somos humanos, em seu sentido mais real. Estamos cercados de defeitos e qualidades, ambos atributos de nossa trilha espiritual. À medida que nos fechamos para essa verdade e optamos pelo mundo das aparências, estamos colocando uma venda em nossos olhos e nos sentamos à beira desse caminho. É preciso, portanto, resgatar a antiga ideia do Ser Humano como um microcosmos, capaz de elevar-se até as divinas criaturas ou rebaixar-se às mais ferozes das bestas. No meio dessa escolha estamos, todos nós, optando, diariamente, por essas duas estradas. Cabe, enfim, voltarmos nossos olhos para o mais belo do Ser Humano e assim, seja com quem está perto de nós ou distante, poderemos sempre ter a todos como uma fonte inesgotável de inspiração e fé na humanidade.

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