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A Importância do Vazio

Por que será que o silêncio incomoda tantas pessoas? Antes de responder a essa pergunta, vale ressaltar que basta olhar ao nosso redor, no dia a dia, para percebermos o quanto o barulho é excessivo. Buzinas soando, pessoas falando umas com as outras o tempo todo, entre tantas outras situações. Apenas esses dois exemplos são bons motivos para entendermos o quão incômodo pode ser o silêncio, afinal, se vivemos em um mundo rodeado de sons, é comum estarmos acostumados a esse tipo de atividade. Logo, quando o silêncio e a calma se sobressaem, surge uma sensação de estranheza, e, às vezes, até medo. Talvez esse incômodo venha do tédio e da solidão que o silêncio provoca em algumas pessoas.

Como acabamos de mencionar, o silêncio geralmente está conectado com a ideia de solidão. Enquanto os sons mostram certa atividade ao nosso redor (o que significa que não estamos sozinhos), quando o silêncio se faz presente, é possível que nos venha a ideia de que não há mais nada a não ser nós mesmos. Esse, talvez, seja um dos motivos mais fortes quando pensamos no desconforto que pode ser o silêncio, pois não estamos acostumados a apreciar nossa própria solidão.

Somos condicionados a combater a ideia da solidão, logo, o silêncio se torna também um inimigo em nossa conduta comum. Basta percebermos os estímulos que existem para não ficarmos sozinhos: precisamos estar sempre em contato com outras pessoas, seja no trabalho, em festas, em encontros casuais ou até mesmo em nossa família. As propagandas, filmes e séries também constroem em nosso senso comum a necessidade de vivermos intensamente ao lado de diversas pessoas, e, como consequência, nunca paramos para pensar em aprender a lidar com a nossa própria companhia.

Nesse sentido, o silêncio é visto como um sinal de melancolia, uma tristeza que pode evoluir para quadros de depressão e que, portanto, precisa ser combatido fortemente. Há quem não consiga dormir sem que o rádio ou a TV esteja ligada, pois, mesmo no momento de descanso, é preciso ter a sensação de que alguém (ou algo) está interagindo conosco. Dentro desse cenário é compreensível entender a fuga do silêncio e a busca cada vez mais intensa em estar na companhia de outras pessoas. 

Um ponto interessante a se questionar é como saber se há equilíbrio na vida de alguém, se a pessoa apenas vive se comunicando com os outros, e nunca consigo mesma? Em geral, achamos que não apreciamos o silêncio por nunca termos a oportunidade de senti-lo, mas o que fazemos quando realmente estamos sozinhos? Será que ficamos “em paz” com nossos pensamentos, ou acabamos sentindo que estar só é uma tortura? Caso seja a segunda opção, não se precipite, pois em nossa cultura há uma exaltação ao barulho ininterrupto. É só perceber nos cinemas, por exemplo, como filmes de ação fazem tanto sucesso. A proposta deles é mostrar muita informação em pouco tempo, como se uma cena em silêncio fosse um desperdício, refletindo a sociedade em que vivemos. Mais que isso, a relação do silêncio com a solidão nos faz sentir que não devemos buscar esses momentos por mais importantes que eles sejam.

Percebendo isso, podemos resumir da seguinte forma as nossas vidas: usamos o nosso tempo para trabalhar, estudar, conversar, escutar músicas, assistir vídeos ou ler notícias; sempre precisamos de um equipamento ligado nos transmitindo informações e puxando a nossa atenção para fora de nós mesmos; nunca ficamos em silêncio, nunca dedicamos o nosso tempo para o que está dentro de nós. Sabe quando estamos desconfortáveis com uma pessoa e fazemos de tudo para não ter que ficarmos a sós com ela? É como se nós fossemos essa pessoa desconfortável para nós mesmos. Temos medo de voltar a atenção para o nosso interior, talvez porque já sabemos que não vamos gostar do que encontraremos lá. O paradoxo é que, aquilo que passamos a vida toda procurando fora, só encontraremos dentro de nós: a verdadeira Paz, a Felicidade e a Sabedoria.

Na contramão desse pensamento ocidental, o diretor japonês Hayao Miyazaki traz momentos de silêncio em suas animações. Já percebeu que há diversas cenas contemplativas no clássico “A Viagem de Chihiro”? Esse fenômeno é proposital nesses filmes, pois busca trazer equilíbrio entre tantas cenas de ação. São nessas ocasiões que percebemos os personagens em seus momentos mais íntimos. Sabe por quê? Eles estão em cena com seu próprio interior.

Na cultura japonesa, esse momento vazio é chamado de “Ma”, com grafia originada da junção de dois símbolos que significam “porta” e “Sol”. Ao abrir uma porta, encontramos um caminho para ver o Sol, a Luz. Ou seja, através do vazio, podemos encontrar o caminho da Sabedoria.

No vídeo abaixo, o canal Entre Planos faz uma análise dos momentos contemplativos presentes na obra de Miyazaki.

Frente a isso, é importante perceber que esse conceito de “buscar o vazio” não deve ser interpretado como uma exclusividade oriental, mais precisamente japonesa. O Ser Humano precisa de momentos “vazios”, no sentido de calar a atividade externa e poder mergulhar no seu interior, perceber suas emoções e pensamentos, gerar reflexões para alimentar nossa alma e poder, e, de fato, pensar de forma autêntica. Nesse aspecto, o silêncio deixa de ser um inimigo e passa a ser um poderoso aliado, afinal, a quietude interior só pode ser conquistada a partir de uma cessação do movimento externo. 

Quantas vezes no último mês você buscou essa quietude? As formas como são interpretados os momentos de silêncio em nossa cultura fazem com que seja naturalmente difícil conseguir exercitar essa busca pelo vazio. Entretanto, é preciso construir esses momentos criando uma rotina de vida interior, ou seja, momentos do dia em que vamos parar para apreciar esse estado interno em que podemos viver a solidão, o silêncio e o vazio. Um café da tarde sozinho, cinco minutos antes de dormir ou mesmo uma pausa estratégica no trabalho para pensar sobre algum assunto e tentar ficar em silêncio já farão uma grande diferença em nossa rotina cercada por barulhos. 

Portanto, não podemos nos render ao senso comum que não estimula esses momentos de silêncio. Perceberemos, caso façamos os exercícios acima, que a maior dificuldade não é silenciar o barulho do computador, dos carros ou mesmo da TV ou do rádio, mas sim silenciar a nossa própria mente – em geral, ficamos presos em pensamentos e emoções que conduzem nossa vida. Tais exercícios também nos ajudam a perceber o que estamos sentindo e nos fazem refletir sobre as causas que nos levaram até esses estados psicológicos. Assim, podemos ver uma outra grande verdade sobre a importância do vazio: a de nos levar a conhecer a nós mesmos. Então, não deixemos essa oportunidade passar e saibamos apreciar a nossa própria companhia, sempre buscando nos conhecer cada vez mais.

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