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Hipátia de Alexandria: a busca pela Verdade

Hoje em dia, muito tem se falado sobre o papel das mulheres na sociedade e o grande preconceito que ainda existe em torno delas, apesar dos seus grandes potenciais. É fato que durante séculos a sociedade moderna negou diversos lugares às mulheres, limitando o seu alcance dentro da vida pública nas mais distintas esferas, desde a ciência até a política. Ainda assim, é notável o esforço de algumas damas que conseguiram se sobressair em meio à pressão do seu contexto social e demonstraram não somente um brilhantismo em suas devidas áreas, mas que fizeram uma grande diferença em seu tempo histórico, deixando um verdadeiro legado para as futuras gerações. 

Dentre essas mulheres, existe uma figura importantíssima na história que, mesmo sem essa “militância” vista hoje em dia, provou que qualquer ser humano, independente do seu sexo, pode ser uma pessoa brilhante. Estamos falando de Hipátia de Alexandria, uma das filósofas mais importantes do século IV d.C.

Hipátia de Alexandria é considerada a primeira matemática (documentada) da história, mas, ela também foi astrônoma, médica, filósofa e última diretora da Escola Eclética de Alexandria, onde ficava a famosa Biblioteca de Alexandria. Ela nasceu em 360 d.C. na cidade de Alexandria, Egito, no período em que essa região ainda era um território do Império Romano. 

Nesta época, o cristianismo já existia como uma religião formal, inclusive reconhecida pelo próprio Império Romano. Poucos anos depois, em 380, o cristianismo seria nada menos que a religião oficial do Império graças ao Edito de Tessalônica. Tais mudanças foram necessárias, pois o Império, vivendo suas diversas crises, apostou na mudança da religião como forma de manter a coesão social. Entender esse contexto é fundamental para conhecermos a história de Hipátia, pois foram as disputas religiosas na cidade de Alexandria que geraram a ruína dessa grande filósofa. 

Alexandria nesse período era o que hoje chamamos de “cidade cosmopolita”. Graças ao seu porto e a posição estratégica ligando o norte da África com o Mediterrâneo, era comum passar pela grande cidade pessoas das mais variadas culturas, vindas dos quatro cantos do mundo. Essa característica é, sem dúvida, positiva para qualquer região, mas no período em que Hipátia viveu a confluência de diversas culturas em um mesmo local não se tornou benéfica. Isso porque, com as crises do Império Romano, toda a população foi perdendo sua identidade, ou seja, já não se sentiam ligados uns aos outros por um sentimento de pertencer ao Império, e sim a uma religião. Com isso, ao invés de se enxergarem como aliados, cidadãos romanos protegidos pelas leis do Império, passaram a valorizar suas diferenças, culminando em conflitos e verdadeiros massacres entre esses grupos religiosos.

Já neste período muitos “falsos profetas” pregavam o ódio e a violência usando o nome do Cristo. Num outro polo, a antiga religião egípcia vivia um forte sincretismo com os símbolos da tradição greco-romana, porém carecia de bons sacerdotes que pudessem compreender e transmitir aquela sabedoria ancestral. Ou seja, o Império Romano estava no seu momento final, e Alexandria era palco de uma guerra insana entre os fanáticos “cristãos” e os fanáticos “pagãos”. No meio disso estava Hipátia, que se posicionava de forma completamente indiferente às guerras criadas por esses grupos. A sua vida sempre foi dedicada à filosofia, por isso se tornou diretora da famosa escola, mesmo sendo mulher e solteira, o que para a época era visto como um verdadeiro ultraje. 

Cena do filme Alexandria (Agora), que conta a história de Hipátia.

Como professora e diretora, ela teve vários discípulos das mais diversas crenças. Para ela, não importava a origem do aluno, mas somente o seu amor e compromisso com a Verdade, este era o ponto de união entre os membros da Escola de Alexandria. Nesse sentido, vale ressaltar que a filosofia não é fruto de uma ou outra religião, cultura ou qualquer grupo humano. A filosofia enquanto essência, a verdadeira busca pela sabedoria, é próprio da natureza humana e nenhum elemento social, religioso, político ou histórico pode retirar de qualquer ser humano a sua capacidade de buscar e entender as ideias mais profundas. É por isso que Hipátia não permitia que os conflitos sociais entrassem na escola de Alexandria e os alunos, por mais diferentes que fossem, continuavam a ser alunos, aspirantes a filósofos, e deveriam buscar a sabedoria, um ponto de unidade e não de separação, interna ou externa. 

Hoje em dia, já se sabe que ela foi responsável por inúmeras descobertas no campo da Astronomia, Geometria e Física. Há indícios de que, naquela época, ela já havia compreendido que a órbita dos planetas ao redor do Sol desenhava uma elipse, e não um círculo. Este fato só foi ser “redescoberto” por Johannes Kepler no século XVI. Você deve estar se perguntando: “Por que ‘redescoberto’?”.  Infelizmente, devido às grandes tensões da sociedade em que estava inserida, Hipátia e toda a Escola de Alexandria foram vítimas da ignorância e do fanatismo de alguns. Em 415 d.C., quando um grupo fanático cristão tomou o poder sobre a cidade, Hipátia foi morta por apedrejamento, e a escola foi toda destruída e incendiada, inclusive a famosa biblioteca. O resultado disso foi que inúmeros conhecimentos da humanidade se perderam, ou seja, os homens apedrejaram as lâmpadas que lhe traziam luz, por isso ficaram na escuridão.

Devemos nos debruçar um pouco mais sobre esse fato. A destruição da biblioteca de Alexandria é um dos eventos mais icônicos do fim do Império Romano, pois demonstra com clareza a perda da unidade dentro do Império. Poucas décadas depois, a parte Ocidental do Império chegaria à ruína com as invasões dos povos germânicos, mas sabemos que esse não foi o verdadeiro motivo para a queda de Roma. Tal qual um corpo fragilizado precisa de um pequeno empurrão para se partir, o Império há muito havia sido destruído, pois seu ideal, economia e coesão social já haviam sido estilhaçadas.

Com a destruição da biblioteca, não foram perdidos somente tratados de filosofia, ciência e tantas outras artes essenciais na busca humana para conhecer o mundo. Mais do que a perda material desse conhecimento, perdeu-se verdadeiramente a capacidade de buscar ideias, de refletir e ter uma vida dedicada à sabedoria. Em contrapartida, mergulhou-se no dogmatismo. 

A morte de Hipátia foi resultado da ignorância e do fanatismo, aspectos que quando combinados podem ser extremamente perigosos para um indivíduo, grupo ou mesmo uma civilização. Não por acaso, chamamos o período que se seguiu a esses eventos de “Idade Média”, a famosa “Idade das Trevas”, em que o mundo mergulhou em um caos social, em que a busca pela sobrevivência e pelo desenvolvimento humano, seja pelo aspecto científico ou moral, recuaram fortemente.

Para nós, mais de 1.700 anos depois, a figura de Hipátia nos inspira a sermos sempre fiéis à Verdade, independente do que a sociedade pensa, independente se irão nos aceitar ou rejeitar por causa disso, independente de quem somos por conta de nossa condição social, de gênero, de idade ou de qualquer coisa. Para aqueles que realmente amam a Verdade, os verdadeiros filósofos, o que realmente tem valor na vida é o Mistério que se esconde por detrás de todas as experiências.

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