A cultura asiática, de maneira geral, é vista como algo muito diferente e distante da nossa cultura ocidental. Mesmo com a globalização e o aumento da circulação de informações, o que conhecemos ainda é muito pouco sobre esses povos, as suas culturas e os seus significados. Mas, apesar da nossa pouca compreensão, é de consenso de todos que as culturas orientais, são muito ricas e profundas no quesito de experiência e valores humanos.

A cultura japonesa, por exemplo, com toda a sua ancestralidade, mesmo conhecida no mundo moderno por suas inovações tecnológicas, cultiva o seu folclore de samurais, templos e culinária tradicional, que encanta há várias gerações. E, são os seus elementos tradicionais que mais impressionam o mundo todo, seja pelas suas sutilezas ou pelos símbolos milenares que carregam em si. Não é pretensão nossa discorrer sobre todas as formas e expressões artísticas japonesas, mas refletir sobre alguns aspectos que permeiam alguns desses fazeres artísticos, que muito nos impressionam pela delicadeza, sofisticação e precisão.

A riqueza dos detalhes e a harmonia com que os artistas desses povos envolvem as suas cerimônias, seus rituais e ornamentações revelam obras que roçam a perfeição de tão precisas que são, desde as suas dimensões até a sua estética. Por outro lado, revelam um caminho que exige do artista o desenvolvimento constante de diversas virtudes para o florescimento do senso estético apropriado a cada obra. A arte de transformar a natureza, imprimindo uma lei que ordena e revela a harmonia e a beleza dos objetos, apresentando o potencial de vida que existe por trás de cada um, é uma especialidade dos japoneses. Desde a técnica dos bonsais, ou a cerimônia do chá, até um movimento das artes marciais, a busca pelo belo é notável. O senso estético dos japoneses é um aspecto muito evidente no dia a dia da maior parte da população, não é algo restrito ao meio artístico, mas um estilo filosófico de existir, se inserir e interagir com a natureza.

Assim, desde a arquitetura de uma casa, até a forma de tomar chá em uma família, revela os elementos de uma cultura que tem como um dos princípios o culto pela harmonia e a expressão da beleza. Um exemplo disso é a técnica artística da arte de encaixe em madeira, o Yosegi-zaiku (寄木細工), uma forma de artesanato tradicional japonês que surgiu durante o Período Edo e se tornou conhecido e respeitado em todo o mundo. Conhecemos essa arte como a “Marchetaria”, uma espécie de mosaico de madeira feito com o uso de cores e texturas naturais, que é usado como revestimento e decoração. Essa sofisticada arte se torna ainda mais interessante quando vemos construções centenárias como o templo Kiyomizu-Dera, que tem mais de 380 anos e ainda permanece firme e forte sem o uso de pregos. Apenas peças de madeira milimetricamente projetadas, cortadas e encaixadas garantem a segurança estrutural da construção. O grau de refinamento dessas técnicas demandam um alto nível de precisão e dedicação que requer do artesão um aprimoramento lento, conquistado através de longos anos de muita paciência, disciplina e constância.

Segundo algumas correntes de estudos, essas técnicas passadas de geração em geração datam do período Heian (794 a 1185), mas foi só em 1984, que a Lei de Promoção da Indústria do Artesanato Tradicional (Densan’hô) reconheceu a marchetaria como artesanato tradicional do Japão. Hoje as cidades de Odawara e Hakone, são as mais conhecidas pela produção de yosegi-zaiku devido a diversidade de madeira encontrada na província de Kanagawa, onde estão localizadas. Uma outra forma de arte japonesa que é importante ressaltar aqui é o cultivo dos bonsais, que significa “árvore em pote ou bandeja” e tem a sua origem nos termos chineses “pun-sai” ou “pent-sai”. Acredita-se que essa arte de miniaturizar plantas tenha surgido na China e derive de uma outra técnica conhecida como o penjing, que criava paisagens em miniatura, com rochas, musgos, árvores, etc.

As primeiras referências sobre o penjing datam do século II a.C. Através dos monges budistas, e durante centenas de anos essa arte esteve restrita apenas aos nobres e à alta sociedade japonesa. Expressar a beleza em alguns centímetros, mantendo as características originais de qualquer planta, leva os artistas a um desafio constante para encontrar a justa medida e a ordem que expressarão um Ideal de Beleza através dos bonsais. Como resultado, temos a reprodução de qualquer planta, em forma de verdadeiras obras de artes em jardins decorativos para qualquer ambiente.

Uma outra expressão tradicional é a cerimônia do chá, ou “chanoyu”, conhecida como a arte de servir e beber o “matcha”. Quando o Zen Budismo foi introduzido no solo japonês, no século XII, também chegava o matcha (chá verde em pó). Utilizado pelos monges para manterem-se acordados durante suas meditações noturnas, esse hábito acabou se transformando em filosofia de vida através do “Chado” (Caminho do Chá), materializado no ritual “Chanoyu”, ou seja, a Cerimônia de Chá. Os princípios básicos do Caminho do chá são: Harmonia, Respeito, Pureza e Tranquilidade.

Cabe aos participantes criar um ambiente, através de um ritual preciso e de total integração, onde esses princípios sejam sentidos e vividos intensamente por todos, em um momento único. O objetivo é a purificação da alma do homem, integrando-a com a natureza. Simbolicamente, essa cerimônia expressa a materialização da intuição do povo japonês pelo reconhecimento que a verdadeira beleza está na modéstia e na simplicidade. Como foi falado anteriormente, a essência do “chanoyu” dificilmente pode ser expressa por palavras.

Com a difusão da Cerimônia do Chá, a partir do século XVI, foi criado o estilo de arranjo “ikebana” próprio para os ambientes em que era realizada essa cerimônia. O Ikebana é a arte da composição floral com as tradições e a filosofia japonesa. Esta arte do arranjo floral guarda em sua essência o costume de colocar as flores perpendicularmente à sua base. Muitos estudiosos acreditam que a própria origem do ikebana está ligada ao “kuge”, o ato de colocar flores no altar de Buda. A ideia que está na essência desta prática é que, mesmo um simples arranjo de flores, pode ser feito com senso de perfeição, já que será oferecido ao divino. Desta forma, a arte atinge o seu sentido mais sagrado.

Diante do que foi exposto, fica claro que independente de qual seja a expressão artística japonesa que observemos, podemos perceber que a dimensão estética desse povo tem suas raízes num profundo contato com natureza e numa busca filosófica de canalizar os Ideais Sagrados.

Princípios como Harmonia, Respeito e Tranquilidade de alma são percebidos de forma reiterada através de suas obras. A busca pela harmonia com os homens e com a natureza através de uma interação respeitosa e sincera de coração, ajuda o indivíduo a reconhecer seus limites diante do Universo, sem perder de vista a sua dignidade inata como ser humano. Esse caminho torna a natureza como uma força aliada, e não subjugada, potencializando o poder de criação do homem. Nos parece que os japoneses já sabem isso há séculos, que possamos aprender isso também!

Pesquise sem sair da publicação

Artigos recentes
Artigos mês
dezembro 2023
S T Q Q S S D
 123
45678910
11121314151617
18192021222324
25262728293031
Siga o nosso instagram

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Este site utiliza cookies para melhorar sua experiência, de acordo com a nossa Política de privacidade . Ao continuar navegando, você concorda com o uso de cookies.

Escute músicas enquanto navega em nosso site.