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Filme “A Chegada” e a nossa dificuldade de compreender o outro

O filme “A Chegada” fala de um tema que não é novo na história do cinema, o contato do ser humano com extraterrestres. Seres vindos de outro planeta que, ao travarem contato conosco, são retratados como desconhecidos que, ora são amigáveis, ora são inimigos. No caso do filme de 2016, do diretor Denis Villeneuve, o interessante é que esse tema aparece como um pano de fundo para trazer à tona a importância da comunicação. Sim, é importante nos comunicarmos, não só entre nós mas com tudo que existe – aqui representado pelos alienígenas -, pois só assim somos capazes de expandir nossa visão de mundo.

Estrelado por Amy Adams, Jeremy Renner e Forest Whitaker, o filme conquistou seu lugar entre tantos outros no gênero de ficção científica. Imagina só como seria a reação mundial diante do primeiro contato com seres extraterrestres? E como nos comunicaríamos com eles? Já que a lógica da língua é completamente diferente da nossa.

A história começa quando 12 espaçonaves pousam em 12 locais diferentes na Terra. Para tentar algum tipo de comunicação, a linguista Drª Louise Banks, interpretada por Amy Adams, protagonista da história, é chamada para traduzir a língua alienígena juntamente com o físico Ian Donnelly, interpretado por Jeremy Renner. Eles fazem diversas tentativas de interpretar a estranha linguagem dos Heptapods – nome do qual batizaram os alienígenas por possuírem 7 tentáculos que usavam para se movimentar -, enquanto que a tensão mundial pela falta de compreensão da língua dos aliens só aumenta, como também o medo e a competitividade entre os seres humanos, nos levando às margens de um conflito armado entre as espécies. 

Assim, o ponto chave do filme se evidencia ao demonstrar que a comunicação vai muito além do conhecimento da língua de um povo: ela passa pela vontade de se expressar, de dizer algo, pela capacidade de ouvir e pela organização dos pensamentos e das ideias. Nós, seres humanos, falamos línguas parecidas, português, inglês, francês, mandarim, alemão; mas mesmo assim não conseguimos nos entender. As palavras são ditas, mas não são compreendidas. 

Enquanto isso, nas ruas, o povo estava sem informação alguma sobre o que estava ocorrendo, o que eram aquelas aeronaves enormes, se eram ovnis, o que eles queriam, se algo estava prestes a acontecer. Por causa disso, as pessoas sucumbiram ao pavor e perderam completamente a racionalidade. Muitos conflitos, muito caos, muita violência e vandalismo afloraram como consequência dessa falta de diálogo entre os governantes e a população.

Em contrapartida, Louise e Ian parecem cada vez mais se aproximar de uma profunda compreensão dos Heptapods. À medida que se abrem para o desconhecido, humildemente se curvam as suas limitações e se motivam a compreender aquele mistério que se mostrava diante deles, superando o medo, senso comum, sendo criativos e corajosos, tal qual as crianças quando estão descobrindo algo novo. Será que não deveríamos adotar essa postura na vida?

Voltando-se a outro ponto do filme, os símbolos produzidos pelos alienígenas são circulares e feitos através de uma tinta similar a de polvos e lulas, que flutua na atmosfera, não possuindo um começo ou fim. Os Heptapods têm uma percepção de tempo diferente da nossa, expressada na sua escrita. O tempo é não-linear e assim o passado, presente e futuro existem simultaneamente, de tal maneira que há uma discussão no filme, trazida da ciência atual, de que nossa linguagem revela a forma como pensamos. Ou seja, pensamos ainda de forma linear, mas os alienígenas supostamente superaram a barreira do espaço-tempo e por isso progrediram tanto tecnologicamente e, talvez, como povo, já que parecem mais civilizados, diplomáticos, do que nós.

Albert Einstein propôs a teoria do espaço-tempo como ilusão da nossa percepção lá em 1915. Em sua teoria geral da relatividade, o físico alemão propõe que o espaço-tempo toma forma de maneira múltipla ou contínua. “A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente”, afirmou Einstein.

O filme percorre então essa possibilidade, mostrando que travando um contato tão próximo, tão aberto com o alienígenas, a própria Louise, à medida que começa a aprender a língua alienígena, passa também a perceber o tempo da mesma forma que eles, não-linear, representado pelo início dos flashs de memória, que a princípio pensamos ser do passado, mas aos poucos vamos percebendo que são de fatos que ainda não aconteceram.

Ou seja, a Louise começa a ver as respostas para os problemas pelos quais ela estava passando para compreender a linguagem dos Heptapods no seu próprio futuro. Todo insight lhe ajuda a lidar com o presente de tal maneira que ela só consegue se comunicar com os alienígenas porque primeiramente estava aberta a compreender a cultura, as crenças e ponto de vista deles. À medida que vai ensinando-os a linguagem humana, ela também vai aprendendo a deles. Essa é uma grande reflexão sobre comunicação, abertura para dar e receber, para falar e ouvir.

Muitas vezes estamos tão embriagados no nosso próprio discurso, no nosso próprio ponto de vista, muitas vezes nos sentimos tão inseguros quanto as nossas opiniões que acabamos por fechar a possibilidade de comunicação com o outro. Mas é importante perceber, e o filme nos mostra isso de forma muito bela, que só quando nos relacionamos genuinamente com os demais, é que crescemos.

No final, a consequência dessa linda experiência de Louise nos leva a uma reflexão que a própria personagem enseja: se você pudesse ver toda a sua vida, do começo ao fim, você mudaria alguma coisa? Percebendo que, apesar de saber que alguns momentos difíceis serão enfrentados – e todos nós sabemos que de fato não só de alegrias é feita a vida -, Louise encara as oportunidades que a vida lhe coloca, vive intensamente todos os momentos e nitidamente se mostra agradecida por tudo.

Essa é a verdadeira gratidão diante da vida. Não só ser grato pelo que é bom, porque aí reduzimos a vida pela metade, tiramos boa parte das experiências que vivemos e que são tão necessárias ao nosso crescimento. Mas ser grato porque há um entendimento de que tudo merece ser vivido e que os mistérios da vida, no filme tão bem representado pelos alienígenas, são maiores que nós e, como diria Shakespeare, nossa vã filosofia. Isso deve ser vivido de tal maneira que nos reste estar abertos de coração, e mente, para as trocas de experiências que teremos ao longo dessa jornada.

Ou seja, o filme parece falar sobre uma invasão alienígena e uma possível guerra. Mas, na verdade, nos fala sobre a compreensão do que é importante na vida, do verdadeiro sentido, porque ficarmos presos nos nossos medos, nos nossos traumas, nas nossas visões de mundo, nas nossas opiniões e nas nossas verdades nunca nos levarão a ir além de nós mesmos, nunca nos realizarão como seres humanos que somos. 

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