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A modernidade Líquida

Créditos: Revista Galileu – Globo.com

A intelectualidade no século XXI ganhou um novo rosto, e um novo nome: Zygmunt Bauman. Para as novas gerações, a sociologia passou a ter a cara de um velhinho franzino, de mente aguçada, falando rápido sobre facebook, network, amor líquido, tempo líquido, etc, em um inglês com sotaque polonês, segurando um cachimbo com a mão direita e gesticulando com a esquerda. O que Bauman diz sobre o nosso tempo transformou-o em um dos mais respeitados, mais lidos e mais publicados intelectuais em todo o mundo. A clareza com que ele conseguiu enxergar os mecanismos invisíveis por trás do nosso momento histórico é singular. Com mais de trinta livros publicados no Brasil, todos em linguagem muito acessível ao leitor comum, Bauman aprofunda o desmanche de uma civilização através de temas fundamentais como medo, liberdade, política, consumo, amor, cultura, ética, entre outros temas.

(Créditos: Toda Matéria)

A explosão Bauman no mundo intelectual começou nos últimos anos do século XX. De 1997 a 1999, Bauman publicou quatro livros impactantes que trouxeram ao mundo sua tese sobre a modernidade: O Mal-Estar da Pós-Modernidade (97); Globalização: as consequências humanas e Vidas Desperdiçadas (98); Em Busca da Política (99) e, sua principal obra, Modernidade Líquida (99).

(Créditos: Livraria Cultura)
(Créditos: Amazon)
(Créditos: Editora Zahar)
(Créditos: Amazon)

O que está enunciado nesses livros?

Bauman constata nessas obras um fenômeno de grandes proporções que está acontecendo na sociedade humana, no atual momento histórico. E para enunciá-lo, ele faz uso de uma alegoria, uma comparação com o que acontece com a matéria. Imagine um corpo material sólido. Agora imagine esse corpo submetido a uma tensão muito forte a ponto de transformá-lo em um fluido, através de uma espécie de liquefação. Essa é a imagem que Bauman usa para ilustrar o fenômeno histórico que está acontecendo com a modernidade.

Mas para entendermos isso, antes precisamos saber o que é modernidade, então vamos lá: a era cristã constitui os últimos dois mil anos da nossa História. Nesse tempo houve três enormes transformações: a queda do Império Romano, nos primeiros quinhentos anos; a Idade Média, nos mil anos seguintes e uma nova fase da História que se inicia após a Idade Média e se estende até os dias atuais. Essa nova fase é o que se passou a chamar de “modernidade”, que é uma palavra de origem latina “modernus” que significa algo novo, ou recente, ou tempo presente.

Bauman analisa essa nova fase da História chamada modernidade e constata que há duas sub-etapas dentro da modernidade, uma sólida e uma líquida. Na verdade, ele entende que a principal característica de toda a modernidade é desmanchar o que é sólido. E sólido seriam os valores pré-modernos, ou seja, toda a configuração cultural, política, sociológica, religiosa anterior à modernidade é sólida, rígida, tem forma e é bem estruturada. O que caracteriza a nova era, surgida depois da Idade Média, é um movimento de liquefação de toda essa estrutura. Assim, no bojo da superação das estruturas medievais vieram a profanação do sagrado, a destruição das tradições, a subversão dos costumes, mas tudo isso foi feito não para destruir de uma vez por todas com os sólidos, mas para construir novos e “aperfeiçoados” sólidos.

(Créditos: Soul Art)

O começo da modernidade, marcado pelo iluminismo, pelas revoluções americana, francesa e industrial, tinha como ideal o derretimento daquelas estruturas anteriores degeneradas no processo medieval, como o antigo regime, como a mentalidade do super poder papal da Igreja, etc. Entretanto, esse derretimento passou da conta e no final do Século XX, já se visualiza uma ordem de realidade significativamente diferente daquela inicial. Hoje a instalação de uma ordem não está na agenda do dia, o compromisso inicial da Idade Moderna com a instalação de uma nova ordem social, que superasse o antigo regime acabou se transformando em uma sociedade líquida, em que categorias e instituições como família, classe, bairro, indivíduo, estado, amor, etc., foram se transformando em categorias “zumbis”. Nesse contexto, a vida vai se tornando líquida, tudo vai ficando imediato, quase instantâneo, até as grandes fortunas vão perdendo solidez. A fortuna dos Rockefeller’s, por exemplo, durou uma eternidade, já Bill Gates desmancha grandes posses que lhes foram muito caras dois ou três anos antes, é como se houvesse uma necessidade invisível de circulação rápida em tudo. A contemporaneidade vai se assentando sobre pilares muito frágeis de insegurança, sem referenciais sólidos, sem uma estrutura fincada no chão. Vamos nos tornando um mundo de consumidores teleguiados pela última campanha publicitária de um produto x ou y, aonde o único projeto que se tem é o sucesso ou o fracasso de nossa própria vida.

(Créditos: Expressoilustrado.com)

Desse modo, no livro Modernidade Líquida, Bauman sistematiza a sua alegoria em dois momentos: a modernidade inicial sólida, correspondente ao período que antecede as grandes revoluções, e a modernidade contemporânea líquida, marcada pela diluição incontrolável de todos os valores políticos, religiosos, sociais, históricos, etc.

Para analisar os contornos desse fluido, Bauman trabalha cinco eixos de conteúdo em toda a obra: a emancipação, a individualidade, a relação tempo/espaço, o trabalho e a comunidade. Todos esses aspectos são cruciais para o entendimento do estágio a que chegamos enquanto corpo social, mas um dos aspectos mais interessantes é o que se refere ao tempo/espaço. Bauman diz que a modernidade começa quando o espaço e o tempo são separados da prática da vida e entre si, ou seja, desde que o homem conseguiu fazer com que a distância percorrida numa unidade de tempo ficasse dominada pela tecnologia, o conceito de velocidade flexibilizou a dimensão até então inflexível do espaço. Antes, o tempo era o elemento flexível e o espaço era o sólido, hoje com a velocidade da informação pelos canais de fibra ótica, tempo e espaço alcançaram o ápice da flexibilidade.

A leitura dessa obra é indispensável para despertar a consciência sobre os mecanismos sutis que regem o nosso tempo histórico. E não só isso, mas para auxiliar em uma tomada de posição, pois é preciso olhar ao redor e ter clareza do que fazer diante dessa ordem de realidade.

(Créditos: Virtualogia)

A questão central da obra “A Modernidade Líquida” é: o que fazer diante das categorias “zumbis”? É possível ressuscitar a instituição da família, o Indivíduo, o Estado e o Amor em novas formas ou encarnações? E se não for possível, o que fazer então? Essas são questões fundamentais para a humanidade. Bauman não o convida a concordar com ele, não é rígido nas colocações e não está se lamentando do atual momento, nem tem um discurso revolucionário de transformação radical da sociedade humana. O que ele faz nessa obra é diagnosticar com a propriedade de quem viveu intensamente o século XX, e de quem conseguiu um alto grau de lucidez e clareza sobre a caminhada da humanidade. Resta para nós, leitores, decidir como agir diante desse diagnóstico.

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