Uma antiga frase de sabedoria diz que não há impossíveis, mas sim impossibilitados. Por vezes, podemos questioná-la, afinal, em nosso convívio percebemos muitas limitações que são, à primeira vista, impossíveis. Voar, por exemplo, até o século XIX era impossível ao ser humano, não é verdade? E ainda hoje a nossa biologia não permite que ganhemos os céus tal qual os pássaros, mas nossa mente foi capaz de superar essa barreira, e inventamos aviões. Assim, hoje o ser humano, com sua inventividade, é capaz de vencer toda e qualquer limitação, desde que esteja disposto a isso.
Se considerarmos esse ponto de vista, será que nossas limitações estão no mundo externo ou em algo mais profundo, enraizado em nossa mente? Em geral, os nossos limites são barreiras psicológicas, pois nossa mente não enxerga uma solução para o problema ou dificuldade que estamos enfrentando. Assim, a antiga frase que usamos no começo do texto se mostra verdadeira: não há, de fato, algo que seja impossível, mas sim uma limitação interna que nos impossibilita de viver aquilo que desejamos.
Para nos inspirarmos ainda mais com essa ideia, indicamos o curta “Tamara”, que demonstra de forma leve e bela como podemos vencer as barreiras que nos foram impostas, seja pela vida ou por nós mesmos. Dirigido por Jason Marino e Craig Kitzmann, esta película nos apresenta a história de uma menina diferente de muitas garotas de hoje em dia. Tamara, em vez de passar horas vendo vídeos do youtuber preferido, agarrada ao celular ou mesmo entretida com videogames, passa grande parte do seu tempo em seu quarto lendo um livro. Isso mesmo que você leu! Uma dessas coisas que não precisa de eletricidade e que serviu muito bem à Humanidade por tanto tempo. Além disso, ela sonha em ser bailarina e começa a praticar a bela dança. Com delicadeza, a jovem coloca uma pequena caixa de música antiga, daquelas que precisamos “dar corda” para tocar, e começa a dançar pelo seu quarto. Suas piruetas alegres mostram o quão feliz e realizada a jovem está, até que sua mãe chega no quarto e se depara com a cena. A caixinha, porém, já havia parado de tocar a melodia, mas a jovem continuava a dançar mesmo sem música.
Como pode ser visto no vídeo acima, a mãe, emocionada, entra no quarto e vai até a jovem. Neste momento, a bailarina com o seu ursinho continua rodopiando e dando piruetas, porque um sonho lhe move. Sua mãe vê aquele movimento e faz o que toda mãe faria. Com o coração tocado por aquela cena, lhe encoraja a dançar até que as estrelas parem de brilhar!
Tamara também tem muita coisa em comum com vários brasileiros. Assim como mais de dez milhões de compatriotas nossos, ela é surda e não pode usar o aparelho auditivo, o que faz com que ela só se comunique através da língua de sinais. Mas, como a personagem de nosso filme, esses brasileiros são muitos e são múltiplos. Alguns são como Tamara e usam uma língua própria que integra uma cultura própria. A LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) não é uma gestualização da Língua Portuguesa. Na verdade, sua origem vem da Língua Francesa de Sinais, com algumas adaptações. Pouca gente sabe, mas nosso país tem duas línguas oficiais: a portuguesa e a LIBRAS. Embora alguns brasileiros usem como língua principal a LIBRAS, outros são oralizados, usando o português falado e/ou escrito, ou ainda a leitura labial.
O curta termina cedo, mas não é difícil imaginar os desafios que Tamara enfrentará para realizar seu sonho. De todos os inimigos que ela encontrará pelo caminho, o pior certamente será a ignorância. Ao longo de tantos anos, foi a ignorância que levou muitas civilizações a tratarem as pessoas surdas de forma intolerante. Muitas culturas marginalizavam e massacravam aqueles que nasciam sem ouvir. Gregos, chineses, gauleses, romanos, europeus da Idade Média… Todos esses desenvolveram culturas avançadíssimas em vários aspectos, mas foram incapazes de reconhecer a Identidade Humana da pessoa surda. Talvez por não saberem como se comunicar com ela. A exceção fica por conta da Lei Hebraica (o Pentateuco, livro sagrado do povo judeu, já trazia o mandamento de proteção a surdos e cegos) e do Egito Antigo (onde eles eram adorados como intermediadores entre os Deuses e os homens).
Mas, e hoje, que já sabemos tanto sobre a surdez? Oferecemos um ambiente justo e acolhedor, que os integre na vida da sociedade de que são parte? Infelizmente, ainda há muito o que evoluir nesse ponto. Ainda encontramos relatos de bullying por qualquer diferença. E muitos surdos só conseguem se sentir à vontade em grupos com outros surdos. Essa separação precisa acabar. Antes de qualquer condição, somos todos Seres Humanos, e isso deveria nos fazer tolerantes e fraternos.
Tamara nos toca por nos mostrar exatamente isso. Antes de sabermos que ela não ouve, ela é para nós só uma criança. E deveria continuar sendo depois que descobrimos. O próprio fato de nos emocionarmos com sua condição carrega em si um histórico de anos de estereotipação da pessoa surda. É a coitadinha, a pobrezinha… Não! São homens e mulheres com tanta força produtiva quanto nós que lemos. Apenas usam uma língua diferente para se comunicar. E possuem à sua disposição várias ferramentas: LIBRAS, oralização, aparelhos auditivos, implantes cocleares…
Para além das questões sociais, é importante ressaltarmos como o curta nos mostra a pureza e leveza da jovem Tamara perante a sua deficiência. O fato de não escutar efetivamente a música não a impede de dançar, de viver o sonho de ser bailarina e poder usar a dança como uma forma de interação com o mundo. A alegria da jovem contagia o espectador que se rende ao seu carisma. Poderíamos nós aprender a ter a mesma leveza que a jovem Tamara diante dos nossos dilemas? Será que não podemos encarar nossas próprias debilidades, tanto em nível físico ou psicológico, com a mesma coragem e alegria?
Infelizmente, o mais comum é nos rendermos ao sofrimento causado pelas limitações. Ficamos presos em um processo de autopiedade que pouco nos ajuda a resolver nossos problemas. Assim, o que nos torna de fato incapazes de superar nossas limitações não é a limitação em si, mas a maneira como a enxergamos. No curta, essa ideia se torna evidente, e o conselho da mãe de Tamara é simplesmente fantástico: jamais pare de dançar, ou seja, jamais deixe que as dificuldades lhe impeçam de fazer aquilo que você deseja e lhe faz feliz.
Por fim, urge a necessidade de sermos mais solidários uns com os outros. Sabemos que Tamara é uma menininha meiga e delicada, mas será que na vida real ela estará sempre protegida e acolhida? Sabemos que não, e essa realidade só pode ser mudada se cada um de nós desenvolver virtudes humanas como a empatia, a generosidade e a bondade. Não devemos impossibilitar o sonho alheio, portanto, para ajudarmos outras pessoas não precisamos necessariamente criar leis, possuir poder dentro do Estado ou mesmo decidir como todos devem se comportar. Basta que sejamos seres humanos melhores, verdadeiramente afetuosos e com disposição para ajudar uns aos outros a alcançar seus sonhos. Assim, conseguiremos transformar a bela dança de Tamara num verdadeiro espetáculo de Balé.