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Curta  “Alike”: Escolhas da vida

Qual o grande valor que cultivamos em nossa sociedade atual? Para encontrarmos essa resposta, precisamos olhar a partir de um alguns critérios. O primeiro deles, sem dúvida, é o tempo que investimos de nossas vidas, afinal, nosso bem mais valioso é o tempo, e para saber o que valorizamos precisamos entender o que nos faz gastar o tempo. Dentro dessa perspectiva, é notável que nossa sociedade é pautada pela busca incessante por recursos econômicos, ou seja, dinheiro. Passamos grande parte da nossa vida dedicados a um trabalho apenas pelo acúmulo de capital e gastamos nosso suado dinheiro com bens materiais. Porém, será que dedicamos o mesmo esforço e energia para compreender melhor a nós mesmos e o outro? 

Numa sociedade onde os valores econômicos se sobrepõem aos valores humanos, todas as formas de organização e estrutura sociais tendem a ser resumidas a números: notas, salários, porcentagens etc. Nesse sentido, a educação e o processo de formação dos indivíduos acabam se pautando por valores quantitativos e não qualitativos. Com relação a esses últimos, por exemplo, negar a importância dos processos subjetivos e não mensuráveis como os sentimentos e as emoções, que são características intrinsecamente humanas, é muito prejudicial para a formação das pessoas, e pode reduzi-las a máquinas. Isso pode trazer estados de sofrimentos e traumas, proporcionando uma série de doenças emocionais e físicas. Será que não vivemos isso atualmente? Basta observarmos com um pouco de atenção o meio em que estamos inseridos, e perceberemos facilmente que a cada dia as pessoas estão adoecendo mais a sua psique, consequência da forma que vivem e da cultura implementada em nossa sociedade ao longo das últimas décadas.

Frente a essas questões indicamos o curta “Alike”. Lançado em 2015, o curta tem aproximadamente oito minutos de duração e é dirigido pelos espanhóis Daniel Martínez e Rafa Cano Méndez. Nele, os diretores nos levam a fazer uma importante reflexão sobre duas percepções de mundo: a primeira é representada pelo pai, que – dentro de uma sociedade ritmada pela rotina de uma alta produtividade no trabalho e uma formação rígida escolar – expressa, através de imagens em cores desbotadas, paisagens monótonas ou sem vida. Já a segunda visão de mundo é representada pelo filho, com cores vivas e movimentos harmônicos, revelando um cotidiano doce e puro, pautado pela arte, pela beleza, pelos sentimentos e pelo pulsar energético que só as crianças, ainda não condicionadas por esta sociedade mecanizada, podem nos revelar.

Durante todo o curta, fala-se da história de um pai trabalhador que tem como objetivo formar e preparar o seu filho para o mundo padrão e sem cor, no qual todos estão inseridos. Essa missão exige a responsabilidade e o dever de não fracassar diante do que a sociedade determinou como o “padrão”. Por sua vez, o modelo escolar adotado para o seu filho impõe à criança uma contundente supressão dos seus potenciais artísticos, criativos e o gosto pelas artes. E isso vai gerando um estado de sofrimento e dor que impacta diretamente o comportamento doce, puro e alegre da criança, chegando ao ponto de seu mundo começar a ficar descolorido como o do seu pai.

O curta-metragem espanhol desperta em nós várias reflexões a respeito do perigo de um modelo social que priorize apenas as capacidades e habilidades técnicas das pessoas. É preciso formar e educar os indivíduos para darem respostas à vida, e não apenas a determinado campo específico. Infelizmente, percebemos que cada vez mais a nossa sociedade tende à “robotização” do ser humano, situação em que se busca sempre um maior desempenho e produtividade, mas deixa de lado o fator humano. Isso ocorre tanto no campo profisisonal, mas principalmente na formação educacional, mostrando um verdadeiro “doutrinamento” para a anulação quase por completa de nossa capacidade de se relacionar de forma humana uns com os outros. Nesse aspecto, podemos afirmar que na sociedade atual, aprendemos a manejar nosso corpo, mas pouco conhecemos sobre a nossa psique, que, assim como o físico, necessita ser formada e direcionada. 

Vivemos numa cultura em que é normal ensinar as crianças desde cedo a escovarem os dentes após as refeições, lavar as mãos após brincar com coisas sujas; mas o que dizer, por exemplo, de nossa impotência diante de um sentimento de frustração? Ou como lidar com a dor da perda de alguém que amamos? Ou mesmo, por que nos parece ser tão difícil o controle de um impulso de tristeza ou de violência? Qual matéria na escola nos ensina isso?

Na verdade, as respostas para essas perguntas se esbarram num total desconhecimento de nosso “corpo emocional”, que apesar de desconhecido, não deixa de exercer uma força violenta sobre as nossas ações. E, ainda assim, é um aspecto humano ainda muito negligenciado dentro de uma sociedade que equipara o indivíduo a uma máquina produtiva diante das demandas materiais.

Portanto, cabe a nós refletir sobre o valor destes aspectos subjetivos não apenas em nossa formação individual, mas também na atuação perante toda sociedade. Pensemos da seguinte forma: imagine que seremos atendidos por um médico. Será que não desejamos ser conduzidos por um profissional que não apenas nos olhe como um “boneco de carne”, na qual basta identificar o que está danificado e tentar consertar? Provavelmente, desejamos um médico que nos encare como seres humanos e que para tanto deve ter a capacidade de se sensibilizar com a dor do outro, ser gentil com o sofrimento alheio e, acima de tudo, honrar sua profissão, apesar de qualquer circunstância. 

Assim, não precisamos apenas de profissionais, pois a técnica pode – e provavelmente será – substituída. Porém, os valores humanos que carregamos conosco jamais se perderão frente à corrida tecnológica do nosso tempo. A capacidade humana de ser virtuosa(o) é, portanto, o seu principal trunfo diante da vida e suas nuances.

É relevante ressaltar que a produção espanhola, de maneira brilhante, nos faz lembrar que estamos crucificados entre as duas visões de mundo: a do pai e a do filho. Em alguns momentos, assumimos o papel do pai, guiado pela necessidade de pagar contas, sobreviver e seguir os padrões sociais. Não devemos nos sentir “culpados” ou mesmo tristes por isso, pois sobreviver é a necessidade mais básica e instintiva. Desse modo, precisamos nos adaptar ao contexto socioeconômico que vivemos para garantir nossa subsistência. Dito isso, é fato que a grande maioria das pessoas passam grande parte do seu tempo trabalhando para ter o mínimo de condições para se sustentar, e isso, em algum grau, acaba “matando” uma visão de mundo mais virtuosa por estar tão voltado para a sobrevivência. Entretanto, há momentos em que conseguimos superar essa lógica e assumimos a condição do filho porque sentimos uma necessidade real de um mundo mais colorido, mais harmônico e ritmado pela a música da vida que queremos dançar, por vezes, rodopiar e fazer as acrobacias mais fantásticas e engraçadas que se possa aceitar. Portanto, se trata aqui de negar as necessidades reais de uma existência social ou de abrir mão das responsabilidades que elas nos conferem. 

Porém, é preciso sonhar com uma educação advinda de uma sociedade que forje indivíduos em sua completude, resgatando aquela chama divina que brilha no interior de cada um. Para tal, é preciso preservar a pureza no olhar e a curiosidade das nossas crianças internas, que se negaram aos condicionamentos sociais impostos por um mundo insensível à beleza das coisas mais simples. Assim, precisamos atar as duas pontas e unificar as necessidades existenciais a uma vivência que resgate o que há de mais humano em nós, buscando superar esse estado de “coisificação” que domina os homens hoje em dia.

Então, é importante refletir todos os dias: “Hoje preciso trabalhar para sobreviver, mas o que farei para manter viva a criança dentro de mim?”. Mais do que apenas uma divisão entre “trabalho” e “autenticidade”, chamemos assim, devemos pensar em como podemos construir um modo de vida em que esses dois aspectos não sejam antagônicos, mas sim complementares. Devemos buscar, então, o equilíbrio entre a necessidade de cumprir nossas obrigações com a leveza e a sinceridade de assumirmos quem somos verdadeiramente, deixando nossa essência tão transparente como um límpido rio. 

Essa é uma tarefa que exige esforço e dependerá, como mostra o curta, das nossas escolhas. A nossa vida, na realidade, é o resultado das decisões que tomamos e da nossa consciência acerca das possibilidades. Não deixemos, portanto, que sejamos guiados apenas pelo medo ou mesmo pela condução social que nos levou até aqui. Que possamos encarar a realidade e suas diferentes escolhas a partir de um ponto de maior consciência, em que se enxergamos melhor a linha tênue entre a nossa essência e os aspectos que acreditamos sermos nós mesmos.

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