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Talvez você não tenha idade para tanto, mas Spencer Jhonson, em 1998, escreveu e lançou um best seller que já vendeu mais de 1,5 milhão de exemplares só no Brasil, e ainda hoje continua nos catálogos das nossas livrarias. O nome do livro é “Quem Mexeu no Meu Queijo?”. Uma parábola divertida que conta a história de Haw, Hem, Sniff e Scurry, dois duendes e dois ratinhos em busca de encontrar “queijo” no labirinto em que vivem. É um texto de leitura fácil e agradável que nos fala sobre como devemos nos adaptar às mudanças para alcançar o sucesso (queijo), que, segundo o autor pode ser um bom emprego, um relacionamento amoroso, dinheiro, saúde ou paz espiritual. O autor nos deixa cinco mensagens principais:
- A mudança acontece: eles continuam mexendo no seu queijo;
- Preveja a mudança: cheire o queijo com frequência para saber quando ele está ficando velho;
- Adapte-se rapidamente à mudança: quanto mais depressa você se desfizer do queijo velho, mais cedo vai se deliciar com o queijo novo;
- Aprecie a mudança: sinta o gosto da aventura e do novo queijo;
- Esteja preparado para mudar de forma rápida e constante: eles continuam mexendo no seu queijo!!!
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Se não é possível afirmar que essa história moldou nosso tempo, podemos tranquilamente dizer que ela o retratou muito bem.
Primeiro de tudo: todos vivemos em busca de algum queijo. Aristóteles, no importantíssimo livro, “Ética a Nicômaco”, já afirmava que todos nós buscamos algo, mas este algo sempre é, em última instância, a felicidade. Em segundo lugar: sentimos todos uma necessidade de mudar sempre e percorrer novas rotas nesse labirinto, até encontrar mais um depósito de “queijo”. Mas, se tem uma ideia que este pequeno livro de Spencer Jhonson acertou direto no alvo, foi o fato de que tem sempre alguém mexendo em nosso queijo! Vamos olhar um pouco mais profundamente sobre estes temas?
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Você já viu como funciona um labirinto de ratos? Aquilo que Robert Kiyosaki, autor do também best seller “Pai Rico, Pai Pobre” chamou de “corrida dos ratos”? Você coloca o rato numa ponta e na outra coloca o queijo e deixa ele percorrer o labirinto até chegar no prêmio. Depois é só pegá-lo e colocá-lo no início do desafio e pronto, ele vai voltar a correr. Para Robert, o trabalho assalariado é assim. Trabalhamos para pagar as dívidas que fizemos para viver, e no fim do mês já estamos devendo novamente! No livro de Kiyosaki, a receita do pai rico é, ao invés de trabalhar pelo dinheiro, fazer o dinheiro trabalhar para você. Esses dois marcantes livros nos permitem algumas breves, porém profundas reflexões.
A primeira das reflexões é que realmente vivemos como ratos! Parece triste afirmar isso, mas a consciência da doença é o primeiro passo para a cura. Estamos correndo desesperadamente sempre em busca de algum “queijo” que nos promete algo, que acreditamos que nos trará felicidade. Às vezes, esse “queijo” é conseguir um lugar no metrô lotado, esse buraco feito embaixo da terra onde nos aglomeramos e acotovelamos uns aos outros… E os donos do labirinto, aqueles que controlam o queijo, esperam que continuemos sendo esses pequenos ratinhos, sempre ansiosos e necessitados de mais queijo. Esses donos de labirintos são muitos e competem pelo nosso olfato, nos atraindo para seus “negócios”. E todos prometem a mesma coisa: aquilo que Aristóteles disse que todos nós buscamos: Happiness! Essas promessas vem em diferentes formas: projetadas em telas grandes com som dolby surround, servidas quentes num copo descartável, prontas para serem vestidas dos pés à cabeça, engarrafadas em doses de 250ml… Tudo por um precinho irresistível. E quando você achar que já comprou “felicidade” suficiente? Tem sempre uma black friday. Fritos, cozidos, ou temperados, eles sempre tem um queijo novo para oferecer.
E nós? O que devemos fazer? Continuar como os homenzinhos do labirinto de Jhonson (ou seria da caverna de Platão?), nos comportando como ratos que simplesmente seguem para o próximo depósito de gordura de leite e sal? Ou devemos fazer como o pai rico de Kiyosaki, e comprar ativos que trabalhem para nós, e nos façam um dia donos de um negócio, ou seja, um pequeno pedaço de labirinto? Mas, aqui está um paradoxo: os donos de labirintos também vivem em função dos seus queijos, não é mesmo? No fim das contas, um carro esportivo, uma mansão, uma vida de conforto e lazer, o luxo e a ostentação… Tudo isso não passa de “queijo”. Claro que não podemos comparar a “mussarela” do assalariado, com o “quejo pule” do bilionário… Mas queijo é queijo. Desde o pobre até o rico, todos seguem nessa vida até ficarem presos num congestionamento de tédio e vazio interior. A feiura de uma vida sem sentido chove como tempestade sobre nossa depressão. Nesse momento, quando não encontramos mais respostas externas para um problema que está dentro de nós mesmos, é então que nós temos a chance de entender que é possível ser mais do que isso! Mais do que viver se esgueirando entre os esgotos psicológicos e culturais que nos mantém presos a uma procura sem fim por essa “felicidade fast food”. É a realidade que bate à nossa porta e nos cobra a conta: ou olhamos para dentro e encontramos a felicidade em nós mesmos, ou morreremos incompletos, tristes, buscando um copo de água numa fogueira.
“Realidade? Sim! Como meu cérebro não pensou nisso antes? A realidade é o problema, pois não corresponde às minhas fantasias. Vamos fugir dela então!”
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E é assim que muitos de nós tomamos pequenas pílulas de uma alegria sintética e passageira. E embarcamos em uma viagem fantasiosa, em um mundo em que não precisamos correr atrás das nossas necessidades, e que o crescimento vem sem esforço. Mas é uma viagem de curta duração, dura até o momento em que acordamos e voltamos a correr atrás do “queijo” mais precioso de hoje em dia, o dinheiro.
E o que fazer então? A esta altura visualizamos pelo menos duas opções. Ou nos acostumamos a correr atrás de sombras. Ou descobrimos algo sobre a vida que nos dará um sentido mais profundo. E nisso, os povos do Oriente são fantásticos. De um livro muito antigo da tradição Hindu, chamado Bhagavad Gita retiramos:
“Aquele que não se perturba com o incessante fluxo dos desejos — que entram como os rios no oceano, o qual está sempre sendo enchido mas sempre permanece calmo — pode alcançar a paz, e não o homem que se esforça para satisfazer tais desejos.”
Bhagavad-gītā
Outro grande mestre, o Buda, nos deixou um ensinamento semelhante:
“Atormentadas pelo desejo, as pessoas correm como uma lebre perseguida. Portanto, aquele que anseia por ser livre de paixões deve destruir o seu próprio desejo.”
Dhamappada
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Vivemos insatisfeitos por sermos escravos dos nossos desejos, mas no fim das contas, qual conclusão podemos tirar disso? Vemos as pessoas dedicarem toda a vida em busca de dinheiro, e bens materiais, mas mesmo assim permanecem insatisfeitas, se sentem incompletas. Por outro lado, não podemos nos alienar e pensar que podemos levar a vida sem trabalho, sem pagar contas, sem dar valor ao dinheiro e aos bens materiais. Qual é a saída para isso?
Como diz o ditado, “nem tudo o que reluz é ouro”, aquilo que conquistamos nesse mundo material, mesmo sendo muito atrativo, é temporário. A única certeza que temos é, que pode demorar um pouco, mas perderemos tudo aquilo que ganhamos nessa vida. Então, se colocamos toda a nossa energia nessas coisas que “morrem”, é impossível alcançar aquele sentimento de realização, de plenitude, de que nada nos falta. Mas, existem também aquelas coisas que não pertencem a este mundo: o Amor que sentimos, o Bem que fazemos, a Justiça que defendemos. Sempre que vivenciamos algo assim, algo dentro de nós vibra. Da mesma forma que duas cordas afinadas no mesmo tom vibram juntas, o Bem que experimentamos no mundo entra em contato com o Bem que habita em nós. Somente nesses momentos, somos capazes de perceber que, mesmo que nosso veículo de carne vire pó, existe algo que permanece mesmo após a morte. Em outras palavras, essas experiências nos fazem ter consciência da nossa própria alma.
Então, aprender a gostar de conhecer a si mesmo, de compreender esta nossa essência que é imortal, é um excelente exercício e um tipo de “investimento” das nossas energias. Já que o Buda alertava para não dedicar todas as nossas energias para as coisas que morrem, dedicar energia para o “imortal” é uma excelente ideia.
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E como fazer isso? Contemplando expressões artísticas, criadas pelo ser humano ou pela própria natureza; Lendo sobre assuntos que nos fazem refletir sobre quem somos e sobre qual é o sentido da existência; E principalmente exercitando a Virtude. Quando dizemos exercício, é um exercício mesmo, por exemplo, amanhã devemos nos esforçar para sermos mais generosos, mais pacientes, mais verdadeiros do que hoje.
Como ensinou Aristóteles, quando a alma se expressa, sendo guiada pelo que há de melhor dentro de nós mesmos, só assim poderemos alcançar a verdadeira Felicidade Humana, muito diferente dessa buscada na corrida dos ratos.