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O Mito de Gilgamesh: É Possível Conquistar a Imortalidade?

O ser humano é mortal. Essa é uma afirmação um tanto quanto óbvia; porém, somos os únicos seres da natureza que percebemos nossa própria efemeridade e tentamos combatê-la ao máximo. Em grande medida, nossos esforços conscientes e inconscientes estão ligados a essa realidade, e isso fez com que ao longo de milênios desenvolvêssemos a medicina como meio de evitar nossa morte. Também criamos uma série de protocolos e receitas para aumentar nossa longevidade, mas que apenas atrasam algo que já está determinado. Nos dias atuais, tais ideias se convertem em procedimentos estéticos e uma preocupação demasiada com a saúde física, às vezes, ao ponto de prejudicar nossa saúde mental em detrimento do nosso corpo. O tempo, porém, segue nos vencendo. Será que podemos derrotar a nossa própria mortalidade?

Esse dilema humano não é novo. A bem da verdade, a primeira grande narrativa épica da humanidade, a Epopeia de Gilgamesh, já se debruçava sobre a nossa luta contra a morte. Vamos conhecê-la? 

Gilgamesh era o rei semideus da cidade de Uruk. Egoísta, despótico e vaidoso, obrigou seu povo a construir uma grande muralha ao longo da cidade para deixar sua marca no mundo. A pedido dos cidadãos, a deusa Aruru enviou um ser para lutar contra Gilgamesh, colocá-lo em seu devido lugar e ensiná-lo a tratar o povo com respeito, este ser era Enkidu.

Os dois travaram um duelo, mas por ambos serem iguais em força, não houve derrota, e sim um empate. Com esse desfecho da luta, os dois se tornam amigos inseparáveis. Gilgamesh e Enkidu seguem uma jornada mundo afora, lutando em diversas batalhas que apareciam e realizando diversos trabalhos difíceis.

Enkidu, no início, era um ser selvagem que vivia entre os animais. Simbolicamente, ele representa o lado animal de Gilgamesh, os seus instintos. Essa difícil luta travada entre os dois, na verdade acontece dentro de cada um de nós, que precisa lidar com seus impulsos instintivos cotidianamente. 

No livro “Luz no Caminho”, Mabel Collins resgata algumas máximas de uma tradição tibetana muito antiga. Na obra, são apresentados alguns preceitos que devem ser seguidos pelos discípulos que buscam trabalhar o desenvolvimento de si mesmos e da humanidade. No livro, após um preceito que diz: “Mata a ambição”, lemos outro que diz: “Trabalha como trabalham os ambiciosos”. 

No mito, percebemos que Gilgamesh segue esses preceitos. Ao fazer de Enkidu um grande amigo e aliado, ele direciona a sua energia selvagem para ajudá-lo nos trabalhos que auxiliam a todos do reino de Uruk, ao invés de permitir que essa mesma energia se transformasse em defeitos destrutivos. Da mesma forma, nós devemos entender que nunca iremos destruir os nossos instintos, mas podemos fazer deles nossos amigos. Assim, essa força pode ser canalizada para a realização de grandes ideais. Assim, os dois inimigos passam a ser aliados que trabalham em prol do Estado. Simbolicamente, a harmonia entre Enkidu e Gilgamesh representa a harmonia interna que todos nós devemos alcançar para conseguir canalizar nossas energias para o que verdadeiramente importa. Enquanto travarmos uma guerra interna com nossos pensamentos, emoções e instintos, não poderemos alcançar esse Estado de harmonia.

Mais a frente no mito, Gilgamesh já havia se tornado um governante melhor para o seu povo, porém, os deuses acreditavam que ele ainda precisava aprender algumas lições, e então enviaram uma doença fatal para Enkidu. A dor do luto desconsola profundamente Gilgamesh, que agora segue um novo caminho, em busca de respostas sobre o Enigma da Morte. Essa passagem é muito importante e guarda uma série de significados. Um deles é de que Enkidu representava a harmonia externa em Gilgamesh, ou seja, era uma forma do rei sumério encontrar a si mesmo. Porém, era preciso encontrar essa harmonia por si só, e por isso Enkidu precisa morrer, pois já cumpriu com o seu papel. Gilgamesh agora precisa desvendar os segredos da vida após a morte e encontrar a verdadeira imortalidade.

Sua jornada envolve uma série de aventuras e perigos. O herói atravessa os oceanos, as montanhas, os vales e até mesmo o submundo em busca de alguém que entenda os mistérios da morte e os explique para ele. Então ele encontra o velho sábio chamado Utnapishtim, que possuía a imortalidade e era o único sobrevivente do dilúvio que havia acontecido no passado. O sábio lhe disse que “não temesse a morte”, mas que ele poderia alcançar a imortalidade se arrancasse a “planta que cresce entre o lodo das águas profundas que banham o mundo das sombras”. 

Assim, o jovem rei encara mais essa prova. Ele conquista a planta da imortalidade, mas decide levá-la intacta para Uruk e compartilhá-la com seu povo. Porém, no seu retorno, ao desviar o olhar por um momento, uma serpente traga a flor e foge para o reino das trevas. Ao perceber que sua flor havia desaparecido, Gilgamesh grita de dor. Assim acaba a sua epopeia. Conta-se que Gilgamesh seguiu sendo um rei sábio e bom, que o encontro com Enkidu o transformou e que suas aventuras o fizeram enxergar o valor do seu povo. Assim, o rei despótico se transmutou em um verdadeiro governante e entrou para a história da Suméria. Ainda hoje falamos sobre Gilgamesh, então será que ele não venceu a morte?

Este é o mito mesopotâmico de Gilgamesh, que apesar de ser muito antigo, ainda é desconhecido por muitos. Apesar de ser de uma época pré-helênica, este mito guarda um fator de atemporalidade, pois representa, através da figura de Gilgamesh, o próprio ser humano. É comum que, ao lidarmos com a dor da morte, sofremos desesperadamente e saímos buscando respostas em todos os lugares. No mito, após finalmente encontrar na Natureza seu elixir que impede a morte, a própria Natureza o retira de suas mãos, e ele chora de dor, mas dessa vez sua dor é diferente. Agora ele sente a dor da compreensão, da consciência, ele entende que não pode agir contra uma Lei da Natureza e que deve aceitar que precisará enfrentar a morte, assim como todos os seres.

Talvez este mito sirva não só para representar a nós mesmos, mas para gerarmos uma reflexão através dele: quanto tempo de nossas vidas não passamos querendo fugir da morte? Às vezes, não falamos sobre ela, evitamos o assunto, fazemos mil e um procedimentos antienvelhecimento, procuramos atividades que nos façam sentir mais jovens, nos vestimos muitas vezes de forma não condizente com a nossa idade… E isso tudo para quê? Para impedir que a morte venha? Quando ela se aproxima, quando acontece do nosso lado, sentimos sempre a mesma dor e o mesmo questionamento: por quê?

Entender e aceitar a morte não é nada simples, talvez quanto mais busquemos uma forma de evitá-la, mais dor sentimos. Mas, se ao invés disso, fizermos o esforço para entender esta poderosa Lei dos Ciclos, talvez consigamos superar essa dor da ignorância que tanto nos desconforta. E então, passaremos a respeitar mais o nosso tempo e o das outras pessoas, pois cada instante é único, por isso é precioso.

No vídeo abaixo, você encontrará um pouco mais sobre o simbolismo desta epopeia e a jornada de Gilgamesh.

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