Estamos no clima de Festas Juninas. Dê o play nessa playlist de Gonzagão e reflita conosco sobre a festa de São João!
Aqui no Brasil, é muito comum encontrarmos fortes tradições juninas em muitos estados, principalmente no Norte e Nordeste. Como nosso país possui uma grande diversidade, os festejos também possuem algumas diferenças na forma de comemorar. Mas, um fato é comum em todos os festejos juninos: a união e a confraternização familiar.
Mas de onde vieram essas tradições?
Desde a antiguidade, os povos fazem celebrações para marcar as passagens dos ciclos da Natureza, em especial os ciclos solares. No Hemisfério Sul, o dia 21 de junho marca o Solstício de Inverno – a noite mais longa do ano. O Sol sempre simbolizou o Divino, e a sua luz, a vida espiritual. Por este ser um período de dificuldade e distanciamento da luz, ele é mais ligado a introspecção e reflexão. Desta forma, devemos aproveitar esse momento para travar, dentro de nós, essa luta da luz contra a escuridão, fazendo com que a nossa parte mais virtuosa sempre triunfe sobre os nossos defeitos. Como o Sol passa muito tempo “adormecido” antes de renascer, em diversos mitos, este período é representado pelo momento em que, aparentemente, o herói morre, ou vai para o submundo – como é o caso de Hércules, quando desce ao Hades, o mundo dos mortos.
Após a noite mais longa do ano, o Sol volta a nascer. Na tradição cristã, isto simboliza o nascimento daquele que é a salvação e a Luz do Mundo, o Cristo. Ou seja, mesmo que passemos por períodos sombrios, devemos ter confiança de que o Bem sempre triunfará, assim como o Sol sempre tornará a nascer.
Seguindo a lógica dos ciclos solares, no Hemisfério Sul, a festa de São João deveria ser equivalente ao que é o Natal para os povos do Hemisfério Norte (Solstício de Inverno). Apesar disso, as festas juninas brasileiras têm muitos elementos “importados” das celebrações europeias de Solstício de Verão, já que no Hemisfério Norte, é este o período que estão vivendo em junho. Para os antigos povos da Europa, este é o momento do ápice da espiritualidade no mundo, é quando o Céu está mais próximo da Terra. Por isso há muitas festas, danças e várias comemorações. Assim, é o período mais propício para entrar em contato com os santos (ou deuses, dependendo da cultura).
Vamos compreender um pouco melhor sobre toda essa sabedoria dos ciclos solares, e dessa mistura de culturas, através dos símbolos das festas juninas.
Bandeirolas
Antigamente, se usavam grandes bandeiras, parecidas com estandartes, enfeitando os locais, como forma de homenagem aos santos desse período, como Santo Antônio, São Pedro e São João. Com o tempo, as pequenas bandeirolas se tornaram mais comuns nas decorações, mas a ideia original é simbolizar a presença do sagrado nos ambientes.
São João Batista
Nas tradições greco-romanas, o Solstício de Verão estava ligado a Hermes, o deus mensageiro, que faz o contato entre os homens na Terra e os deuses no Olimpo. Na tradição cristã, João Batista é aquele que nasceu 6 meses antes para anunciar a vinda do Filho de Deus, e, posteriormente, é ele quem faz o batismo de Jesus. São João, assim como Hermes, é este símbolo que apresenta o Divino ao mundo e nos ajuda a fazer uma conexão com o Sagrado.
Reza a tradição que, todos os anos, São João adormece em seu dia, e só desperta na manhã seguinte. Dessa ideia, surge uma das canções de quadrilha mais conhecidas do cancioneiro popular:
“São João está dormindo, Não acorda, não…
Acordai, acordai, Acordai, João!”
Também dentro dessa interpretação, surge a tradição de ascender luzes e fogueiras, assim como de fazer ruídos e soltar fogos, para “acordar” São João.
Balão
Luiz Gonzaga já cantava:
“Olha pro céu, meu amor Vê como ele está lindo
Olha praquele balão multicor
Que lá no céu vai sumindo”
Tal símbolo está presente até na tradição chinesa. O balão era lançado aos céus como um canal de comunicação, para transmitir uma mensagem. No Brasil, as pessoas passaram a soltar balões com mensagens aos santos católicos, reforçando o simbolismo deste elemento, de ser um meio de contato com o Sagrado.
Uma das simpatias juninas diz que, quando estiver soltando um balão, deve-se fazer um pedido. Se ele subir, acontecerá o que se pediu, caso se incendeie, a resposta ao pedido é negativa. As simpatias, por mais criativas e diversas que sejam, são feitas nesse período, a fim de aproveitar as energias desta noite mágica.
Fogueira
Muito antes das festas brasileiras de São João, nas cerimônias de Midsommar, das antigas tradições pagãs europeias, pessoas já festejavam dançando e pulando sobre fogueiras. O fogo é quase um elemento obrigatório em cerimônias religiosas, pois é um símbolo do Espírito, já que está sempre na vertical e direcionado ao Céu.
Um símbolo para nos lembrar de manter a luz do Bem acesa, enquanto passamos por momentos difíceis. Ao mesmo tempo, também é uma ferramenta que nos ajuda a suportar a noite mais longa, até que o Sol volte a nascer.
A tradição surge quando Santa Isabel, anuncia à sua prima Maria, futura mãe de Jesus, que esperava um bebê, João Batista. Querendo ajudar nos cuidados com a criança, Maria pergunta como poderia saber o dia do seu nascimento. Então, Isabel decide erguer uma fogueira, e fincar um mastro, diante de sua casa. Esta seria acesa no dia em que João viesse ao mundo, a fim de que a prima pudesse saber do seu nascimento, mesmo de longe. Assim foi feito, e o menino João veio ao mundo, sendo anunciado pelo fogo, e dando origem a esse costume.
Nas festas juninas, a fogueira é o centro da celebração. Em torno dela, são feitos os alimentos típicos, as danças circulares, reunindo sempre pares de jovens.
Nas festas juninas, a fogueira é o elemento central. Em torno dela se celebram os pactos de compadrio, as danças circulares e as rodas de conversa. Ali, todos vestidos e falando do jeito “caipira”, se mantém protegidos do frio do inverno. Enfim, é em torno da fogueira que a festa gira. Curioso é perceber que, em cada uma das datas comemoradas, a fogueira é feita com um formato diferente: quadrada, no Santo Antônio; piramidal, de base arredondada, no São João e triangular, no São Pedro.
Compadrio
Como citado acima, nas fogueiras são realizados também os pactos de compadrio. Neles, dois amigos firmam um compromisso de se unirem como irmãos. Mesmo que não sejam ligados por laços de sangue, eles criam entre eles “laços de fogo”. O pacto é feito dessa forma: no dia de São João, os dois compadres fazem um juramento: “Eu juro por São João, São Pedro, São Paulo e todos os santos da corte do céu…”. Em seguida, saltam a fogueira por três vezes, em cruz, dizendo:
“São João dormiu, São Pedro acordô, Vamo sê cumpadre
Que São João mandô.”
Dessa forma, se criam grandes famílias, com relações mais amplas e profundas, todos ligados pela fogueira, sob os auspícios de São João.
As Quadrilhas
A mais tradicional das danças, neste período, é a quadrilha, que é considerada uma herança do folclore francês, aliada a manifestações típicas da cultura portuguesa. Inspirada na contradança francesa, chegou ao Brasil junto com a Corte de D. João VI, foragida da invasão napoleônica. As expressões francesas persistem nos comandos da dança, tais como “anarriê” (en arrière, que significa “para trás”), “alavantú” (en Avant Tout, “todos vão para frente”) e “balancê” (“balanço”). Dança-se sempre em pares, fazendo filas, traçando círculos e alternando simples coreografias, de improviso, de acordo com o comando do “puxador de quadrilha”.
Os dançarinos sempre se vestem de roupas extravagantes e coloridas, imitando o caipira do interior, em dia de festa. Essa dança, segundo algumas interpretações, deriva das antigas danças circulares das culturas europeias, que representavam os movimentos do Sol e dos astros no céu.
Fogos
Já dizia a música: “Acorda São João pra quadrilha começar”. Dentro da nossa tradição, São João Batista é este ser divino, é o Sol, que precisa ressurgir no horizonte. Por isso, soltamos fogos para afastar as trevas e os maus sentimentos, e assim, poder despertá-lo mais uma vez. Em algumas cerimônias de antigas culturas pagãs, se fazia muito barulho para “acordar o Sol”. Aqui, essa prática tem o mesmo significado.
Bumba Meu Boi
Tradicional no Maranhão, e em estados do Norte do país, a dança do “Bumba Meu Boi” trata de um antigo símbolo de um boi sacrificado no Solstício de Inverno, semelhante ao Boi Ápis, no Antigo Egito.
Toda a dança se baseia na lenda do boi Barrozo, o predileto do dono da fazenda. A negra Mãe Catirina, por estar grávida, desejou comer a língua do Barrozo. Seu marido, Pai Francisco, por cometer o crime de matar o boi para satisfazer ao desejo da esposa, acaba sendo condenado à morte. Quem salva toda a história é um pajé, que, através de um cerimonial de danças indígenas feita em torno do boi, a “pajelança”, consegue trazer o animal de volta à vida, e liberta Pai Francisco de sua condenação.
Segue o trecho de uma canção entoada numa das apresentações do Festival de Parintins, cidade do interior do Amazonas, realizado entre os dias 28 e 30 de junho. Neste festival, a história do “Bumba Meu Boi” é encenada numa grande apresentação, onde se reúnem teatro, música e dança, com a inserção de vários elementos indígenas.
A Morte do Sol:
“Tupana, Tupana, Ê, Ê, Á,
Chorava a nação Tupi,
A morte do Sol em pleno meio-dia,
Feitiço de um poderoso pajé,
Clamava a grande nação,
A tupana adormecida nos braços de Yaci,
Magia de um Ahiang Mawê,
Tupana, Tupana, ê, ê, ê
Guerreiros declaram guerra contra a escuridão,
Guerreiros disparam flechas para acender o Sol
E Tupã atendeu o clamor da Grande nação,
Sete mágicas remadas,
Purantinadas, bem dadas,
Destruíram a forá do tinhoso pajé,
É a aliança sagrada de Tupana
Com a valorosa nação Mawé...”
É desnecessário realçar o aspecto evidente do período invernal ou natalino: a necessidade de se aliar ao Sol, na luta contra as Sombras, para que o mesmo ressurja, vitorioso. Com tantos elementos, de culturas diferentes, tratando de uma mesma ideia, fica evidente que isso não se trata apenas de uma tradição inventada por um determinado povo, mas sim, de uma ideia atemporal, que tem a ver com a essência do Ser Humano, independente da cultura ou da época em que viveu.
É claro que o Sol físico, que aparece no céu, não depende de nada disso para nascer no outro dia. Mas existe um “Sol” dentro de cada um de nós, uma grande fonte de luz, que é também a fonte de todo o Bem. E para que este “Sol” desperte, nós precisamos de muito trabalho e esforço. É exatamente isto que estas cerimônias querem nos mostrar.
Então, vamos aproveitar os ciclos da Natureza, para reacender em nós este “Sol”, que dá vida e ilumina tudo o que nos cerca.
Quer aprofundar mais neste tema e aprender também sobre a origem das Festas Juninas? Veja este vídeo da Profª Lúcia Helena Galvão! Boas Reflexões!