O Mito de Aquiles – A Glória que leva à Eternidade

A Mitologia é um campo rico em Símbolos e Aprendizados. Para além de histórias de “fantasia”, como costumamos pensar, ela guarda a síntese das representações vividas pelas Civilizações, tanto Antigas como Modernas. Por isso, quem se debruça sobre os seus estudos tem a oportunidade de refletir sobre uma gama, quase infinita, de Ideias e, consequentemente, observar a Vida a partir de um novo ângulo.

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Hoje, teremos a oportunidade de conhecer um dos mais famosos Heróis da Mitologia Grega, eternizado não apenas por Homero, mas também por tantos outros Artistas e Poetas, ao longo da História: Aquiles, o Guerreiro mais poderoso que o Mundo já viu. Você provavelmente conhece um pouco da história do lendário grego, mas hoje traremos as principais Ideias que esse Nobre soldado nos legou.

Protagonista da Ilíada – um dos poemas épicos escritos por Homero – Aquiles é o principal Guerreiro do lado grego, na lendária (e real) guerra de Tróia. O início da própria obra se apresenta como “a ira de Aquiles” e narra os acontecimentos dos últimos 51 dias da guerra, que durou dez anos.  Mas qual a origem desse grande Guerreiro e por que seus feitos foram tão aclamados?

Conta o mito que Aquiles era filho da Nereida Tétis – Filha do Titã Nereu – e de Peleu, Rei dos Mirmidões. Este fato o apresenta como um Semideus, ou Herói, de acordo com as narrativas da Mitologia Grega. Os Heróis são, naturalmente, os homens e mulheres que têm em sua descendência uma parte Divina e outra humana. Exemplos de Heróis são Hércules, filho de Zeus, e Teseu, filho de Poseidon. Além disso, é comum nas narrativas desses Heróis o cumprimento de uma jornada, uma saga que irá levá-los até um patamar Divino. A missão de Hércules foi realizar seus doze trabalhos, já Teseu precisou vencer o Minotauro, no labirinto de Creta. Assim, Aquiles também enfrenta, na sua jornada, os desafios que lhe cabem.

Ainda no seu nascimento, sua mãe Tétis, conhecedora dos mares, leva-o, ainda bebê para banhar-se nas águas do rio Estige, o principal Rio do Mundo dos mortos. A intenção da Nereida era fazê-lo imortal, tornando seu corpo invulnerável. Ao mergulhar o filho no rio e segurá-lo pelos calcanhares, porém, ela o deixa com um único ponto fraco: o famoso Calcanhar de Aquiles. Este é o primeiro Símbolo que trataremos aqui.

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A ideia do Calcanhar de Aquiles nos remete à Ideia natural de que todos nós, seja quem for, temos um ponto fraco, algo que nos torna vulneráveis. Entretanto, há ainda um sentido mais profundo neste Símbolo. Aquiles, na condição de um Ser mortal e vivendo na matéria, não pode ter algo em absoluto. Assim, o Calcanhar de Aquiles revela que no Mundo manifestado, ou seja, no Mundo objetivo, que Platão mais tarde chamaria de “Mundo Sensível”, não é possível existir algo absoluto ou perfeito. Desta maneira, Homero nos ensina uma valiosa lição a partir do Calcanhar do nosso Herói: não há nada que resida na Terra que não possa ser vencido, pois aqui não existe a perfeição. Essa é, em síntese, uma característica dos Deuses e não dos Heróis.

Não por acaso, os Heróis das narrativas Mitológicas são cheios de defeitos: Teseu tem o orgulho, Odisseu a vaidade e Aquiles, por sua vez, tem a ira como fator que lhe desvia do caminho. Tais imperfeições os revelam como uma parte que precisa ser dominada, e é justamente nisso em que as suas jornadas se resumem: em dominar a parte que lhes puxam para a matéria. Frente a isso, é interessante refletirmos como podemos usar este Símbolo para superarmos nossas próprias adversidades. Se observarmos atentamente, perceberemos que não somos perfeitos, ou seja, que temos debilidades que nos impedem, na maioria das vezes, de expressar nossa Verdadeira Natureza Humana. Tal como os Heróis na Mitologia, precisamos enfrentar nossos desafios para conseguirmos transformar nossos defeitos em Virtudes, fazendo-as expressar com nitidez a nossa Essência. 

Não precisamos enfrentar Minotauros, resistir aos encantos das sereias e dominar ferozes leões. Talvez nossa tarefa, neste momento, seja mais simples, como acordar no horário, respeitar as leis e ser um canal de Bondade para o Mundo. Ou talvez, assim como Aquiles, nossa tarefa seja a busca para conter a nossa ira. Adiante, ainda falaremos sobre isso.

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Voltando ao Mito, o jovem Aquiles teve seus estudos e formação militar com o Centauro Quíron, o Sábio. Ele foi mandado para os cuidados do Ser Mitológico junto com seu primo, Ajax, e rapidamente Quíron percebeu a natureza de cada um dos seus alunos: enquanto Aquiles tinha o ímpeto físico, com a Destreza e a Força de um Guerreiro, também residia nele a Chispa da Sabedoria, daquele que busca compreender a causa dos fenômenos do Mundo, o que o tornava um ser de natureza investigativa; já seu outro aluno, Ajax, seria um Guerreiro por Excelência, pelo seu porte físico e desejo pela guerra, porém com pouca astúcia para pensar.

Aquiles e Ajax representam os dois lados da guerra. Assim como na própria Mitologia Grega existem duas divindades para representar esse aspecto da Natureza – Ares e Atena – também na Ilíada se apresenta, utilizando os Heróis, dois modos de se fazer guerra: um que canaliza, ao mesmo tempo, a Força com a Inteligência; e outro que parte apenas do aspecto físico e nada compreende da estratégia e formas de se vencer uma batalha. 

Percebendo a natureza de cada um dos seus discípulos, o Sábio Quíron trata-os de forma distinta, canalizando aquilo que ambos têm de melhor. Assim, enquanto Ajax é conduzido a ser uma máquina de guerra, capaz de, sozinho, dilacerar exércitos inteiros, Aquiles não só aprende a natureza das armas, mas também a Diplomacia e as Honras da guerra. Ao jovem filho de Peleu, é destinado compreender o sentido da guerra e sua necessidade frente aos conflitos. Assim, Aquiles não é um sanguinário que apenas pensa em suas batalhas, como por vezes foi retratado, mas sim um Guerreiro Justo que não procura a guerra desnecessária, muito menos os combates injustos.

Ajax e Aquiles, quando adultos, se deparam com os acontecimentos que levam à Guerra de Tróia. A causa da guerra, como conta Homero, é o rapto de Helena, a rainha de Esparta, por parte de Páris, um dos príncipes de Tróia. O Amor dos dois acaba gerando a lendária guerra que duraria dez anos e que seria eternizada nas palavras do Poeta-Cego. Um pacto entre as poleis Gregas obrigava Aquiles a lançar-se na guerra sob o comando de Agamemnon, o Rei da cidade de Argos e o mais Poderoso de toda a Grécia. Além das desavenças entre Aquiles e o principal comandante das tropas Gregas, uma antiga profecia pesava na decisão de partir para Tróia ou não: contava-se que se o filho de Peleu fosse para o combate nas praias de Tróia lá ele iria perecer, encontrando a morte. Seu nome, porém, estaria eternizado e sua memória jamais seria esquecida. Entretanto, se decidisse ficar em sua terra natal jamais morreria, porém ninguém nunca conheceria Aquiles e seus feitos.

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O que Você escolheria? Uma Vida curta, mas com Glória, ou a Eternidade no anonimato? Essa era uma dura decisão para o Herói de Tessália, mas ele optou ir ao combate. Aquiles precisava da Glória, pois era seu desejo ser reconhecido como o Brilhante Guerreiro. A Guerra de Tróia, o maior conflito de toda a Antiguidade, certamente seria um palco adequado para os feitos do Semideus. 

Levado pela Glória, Aquiles combate, de maneira exemplar, em Tróia. É, de longe, o Guerreiro mais hábil e leva à morte centenas de soldados Troianos. Nem mesmo Ajax, forjado no mais avançado treinamento de guerra, aproximava-se das habilidades do nosso Herói. Assim, ao longo de dez anos, os inúmeros combates, travados em Tróia e nas cidades aliadas dos senhores do Estreito de Helesponto, fizeram a fama irrefutável de Aquiles. Dentre os muitos combates, o filho de Peleu sempre fora Justo e Honrado às normas da guerra. Há diversos momentos em que ele, tendo a oportunidade de ganhar vantagens sobre seus inimigos Troianos, não o faz. Ao contrário do que um Guerreiro comum faria, ele respeita os momentos de luto e jamais combate dentro dos Templos. Muito menos machuca os prisioneiros de guerra. 

Todas essas Honras e Cortesias da guerra, que muitas vezes na história são esquecidas, não deixam de ser realizadas pelo Líder dos Mirmidões. Essas são provas de que Aquiles não age apenas de maneira impensada. Entretanto, quando a ira faz morada em seu Coração, a guerra vê o lado mais sombrio do Guerreiro. Não por acaso, o primeiro verso da Ilíada é sobre essa debilidade dele:

“Canta-me a Cólera – ó Deusa! – funesta de Aquiles Pelida”

A ira de Aquiles se apresenta em dois momentos na Guerra de Tróia: a primeira é quando sua escrava e amante, Briseis, é levada pelo rei Agamemnon como espólio de guerra. A fúria de Aquiles se manifesta ao se retirar da batalha, deixando que os soldados Gregos sejam mortos aos milhares. Assim, a ira não está, neste caso, ligada a um ato feroz e violento, mas se aproxima de uma atitude impensada e que causa perdas terríveis como consequência.  

Trazendo para a nossa Vida cotidiana, é comum vivermos momentos de ira, em que agimos sem pensar, tomados por essa emoção. Em geral, quando atuamos sob essa perspectiva, acabamos machucando as outras pessoas ou a nós mesmos. Depois que nossa raiva passa, olhamos para o estrago que cometemos e nos arrependemos, não é mesmo? Assim, a ira sempre cobra um preço à nossa Consciência que, em situações normais, não permitiria que agíssemos de maneira tão descontrolada.

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De igual modo, a ira cobra o seu preço a Aquiles. Devido ao seu afastamento da guerra, o seu sobrinho, Pátroclo, veste a sua armadura e passa a combater, fingindo ser o Imbatível Guerreiro, o seu tio. A intenção do jovem era levantar a Moral do Exército Grego, que já sofrera diversas derrotas nas praias de Tróia e, naquele momento, perdia a guerra. Porém, no campo de batalha, Pátroclo cruza espadas com Heitor, o principal combatente do front Troiano. Heitor consegue derrotar o sobrinho de Aquiles e o mata.

A morte de Pátroclo é a causa da segunda e mais profunda ira de Aquiles. O fato o motiva a não apenas voltar ao campo de batalha, mas também a enfrentar Heitor em um duelo mortal. Aquiles, utilizando a ira como seu combustível, não apenas derrota o príncipe de Tróia, mas arrasta seu corpo por todo o acampamento Grego, para humilhar seu adversário. Esta atitude, resultado de sua cólera, é uma desonra para um verdadeiro Sacerdote da guerra, alguém que respeitava as Leis e o combate Justo. Assim, levado por sua ira, Aquiles não apenas matou os seus inimigos, como também, em parte, seus próprios Princípios.

De maneira muito direta, essa é uma segunda consequência que a ira nos causa. Em geral, por não pensarmos corretamente quando estamos com raiva, acabamos fazendo atos que a nossa Moral não está de acordo. Desse modo, somos levados a trair a nós mesmos e a ferir nosso Bem mais valioso: nossos Princípios. O que fazer, então, quando nos arrependemos?

Há uma antiga frase que diz o seguinte: “no Universo não há Perdão, apenas Redenção.” O melhor jeito de mostrar nosso arrependimento é não cometendo o mesmo erro novamente. Aquiles, de igual modo, quando volta a si e percebe que desonrou não apenas a Heitor e toda a Tróia, mas, principalmente, a ele próprio, enquanto Guerreiro, permite que o corpo do Príncipe Troiano volte para as muralhas e que este possa ter os ritos fúnebres adequados à sua posição.

Dessa maneira, Aquiles se redime do comportamento inadequado para um Guerreiro de sua estirpe. Pouco tempo depois, na invasão da cidade Troiana, o Semideus recebe uma flecha envenenada em seu calcanhar. Assim, em meio ao combate feroz, o maior Guerreiro da História é levado ao solo e encontra seu caminho para o Hades. O destino de Aquiles, como apresentado na profecia, realizou-se. Mesmo não vivendo eternamente, ainda hoje contamos sua história e aprendemos com seus erros e acertos.

Acima disso, Aquiles é um Símbolo de como atos impensados podem ser perigosos, não apenas fisicamente, mas a nível Moral e Espiritual. Diferentemente de Ulisses, que utiliza da Inteligência antes dos músculos, Aquiles é o Herói que se lança sem medo ao destino que lhe é próprio, não teme a morte, mas sim o esquecimento.  Por fim, o filho de Peleu é, no fundo, um aspecto de cada Ser Humano que deseja deixar um Legado em Vida. Seja através dos seus filhos, empresas ou bens materiais, todos nós desejamos sair da existência com um saldo “positivo”, aportando ao Mundo com algo Bom. No caso de Aquiles, seu grande feito foi a Glória de ser o grande Guerreiro da Guerra de Tróia. E para nós, o que será? Para responder a esta pergunta, devemos investigar a nossa natureza e perceber qual a Guerra que precisamos travar. Talvez ela dure mais que dez anos, talvez seja toda uma Vida até chegarmos, enfim, à Vitória sobre o mais poderoso dos inimigos: nós mesmos.

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