Não podemos negar o fascínio que a civilização egípcia nos causa. Seus templos colossais, assim como as pirâmides e a Esfinge são símbolos atemporais que impactam homens e mulheres desde a sua criação. Ainda hoje, por exemplo, tentamos desvendar os métodos utilizados para alcançar esses feitos. Entretanto, ainda não somos capazes de inferir uma resposta satisfatória sobre a construção de seus monumentos e como eles perduram até os dias atuais.
Mas não é apenas pelos seus Mistérios que o Egito nos causa tanta admiração. Ao observarmos sua cultura, percebemos rapidamente que não se tratava de um grupo humano “comum”. Em poucas palavras, a civilização egípcia foi capaz de guardar e revelar ao mundo diversas ideias e Leis da Natureza que até hoje não entendemos bem. A maior parte dessas ideias foram mantidas por sua mitologia, tão conhecida e, ao mesmo tempo, tão enigmática. Visto isso, hoje falaremos um pouco de uma parte dessa misteriosa civilização a partir do Deus Anúbis.
Antes de entrarmos no mito e no simbolismo de Anúbis, porém, devemos ressaltar o papel das mitologias para uma civilização e para nós. Atualmente faz parte do senso comum acreditarmos que a palavra “mito” é sinônimo de “inverdade” ou “mentira”. As grandes histórias mitológicas, para alguns, não passam de fantasias e devaneios de homens e mulheres do passado que não sabiam explicar os fenômenos da natureza. Entretanto, essa é uma ideia equivocada.
Certamente, se analisarmos os mitos por um viés lógico, ou seja, se quisermos entendê-lo apenas usando a razão prática, lógica e literal, de fato podemos afirmar que os mitos não fazem sentido e, naturalmente, são mentiras. Porém, o que não conseguimos compreender é que as histórias que os mitos contam não partem de uma linguagem racional, objetiva e material, e nisso mora a nossa dificuldade em compreendê-los. Por estarmos acostumados a pensar de maneira lógica, algo que foge do nosso “esquema” mental nos afeta. Quando se trata dos mitos é comum que isso ocorra com frequência. Isso acontece porque essas histórias são, em sua grande maioria das vezes, alegorias e ideias que nos foram transmitidas como símbolos e percepções acerca do mundo e não verdades absolutas que devemos espalhar e aceitar.
Desse modo, ao passo que treinamos nossa percepção e razão para enxergarmos os símbolos, muitas vezes colocados de maneira sutil nos mitos, podemos elevar nossa compreensão a um outro patamar. E assim como na vida, o único meio de aprendermos a fazer isso é praticando, ou seja, tentando viver as ideias contidas nessas histórias para poder nos relacionarmos de um modo mais harmônico com os heróis, Deuses e vilões que tanto julgamos.
Também conhecido como “Deus Chacal” por sua aparência – Corpo humano e cabeça de chacal – provavelmente Anúbis é um dos Deuses mais conhecidos da mitologia egípcia, carregando um cajado e a chave Ankh em suas mãos, ambos símbolos de Sabedoria e da Divindade. Anúbis, dentro dos mitos egípcios, detinha diversas funções como, por exemplo, a de conduzir a alma dos mortos para o julgamento de Maat, em que o coração do morto deveria pesar igual ao da pena da Deusa da Justiça. Devido a essa característica, os antigos o consideravam um Deus mensageiro, ou seja, aquele que faria a ponte entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, ou mundo espiritual. Não por acaso ele é representado comumente com a Chave Ankh em sua mão, que nada mais é do que a Chave da Vida, ou seja, é aquele que detém a Sabedoria da existência e que pode abrir a porta para os Mistérios, que nesse caso é simbolizado pela morte.
Antes de entrar em seus simbolismos, porém, devemos conhecer o seu mito e como essa Divindade surgiu. Conta-se que Anúbis é filho de Osíris e Néftis, estes sendo o Deus do mundo dos mortos e a Deusa da noite, respectivamente. Segundo a mitologia, Néftis, após brigar com seu marido, o Deus Seth, transformou-se na Deusa Ísis e fingindo-se passar pela esposa de Osíris deitou-se com o Deus. Dessa união nasceu Anúbis, que tem como atributos elementos similares aos de seus pais.
Como bem sabemos, Osíris, após ser morto por seu irmão Seth, passa a reinar sobre o mundo dos mortos, e Anúbis é incumbido de auxiliar seu pai em suas atribuições. Antes disso, porém, Anúbis tem a missão de mumificar o corpo de Osíris, para que este pudesse ir até o outro mundo. Assim, conta-se que o Deus Chacal foi o primeiro a realizar a prática da mumificação, que largamente foi utilizada no Antigo Egito.
A associação de Anúbis com o Chacal também guarda em si um símbolo importante. Anúbis é citado em diversas fontes como o Deus protetor das pirâmides, ou seja, o Deus que guardava as múmias. Pensando nisso, não é raro encontrarmos estátuas do Deus Chacal na entrada de tumbas e cemitérios, como um vigilante que guarda a espreita de invasores. A associação com o Chacal vem, provavelmente, daí: por serem animais noturnos e à procura de carne, eles facilmente eram encontrados ao redor desses locais. O fato de Anúbis ser relacionado com um animal noturno provavelmente se dá pela relação com Néftis, sua mãe e também Deusa da noite.
Aprofundando em sua ideia, Anúbis é um Deus que transita entre os dois mundos, o material (ou o mundo dos vivos) e o imaterial (Espiritual, ou mundo dos mortos). Ele, portanto, é um Deus que está próximo aos Seres Humanos e tem uma relação especial com estes. É Anúbis, por exemplo, quem leva a Alma do morto pela mão até o julgamento de Maat; o mesmo Anúbis é quem protege a entrada das tumbas, para que nada atrapalhe o morto em sua caminhada rumo ao além, assim como ele é o Deus que mumifica o corpo para sua passagem.
Visto isso, podemos dizer que Anúbis simboliza a ponte entre o mundo Espiritual e o material, ponte esta que tanto desejamos atravessar quando buscamos a Sabedoria. Ele é o Deus que prepara essa passagem do Ser Humano para os Mistérios, o desconhecido. E quando falamos desconhecido não estamos querendo dizer, necessariamente, da morte, apesar desta ser o maior Mistério que existe.
Quando falamos em Mistério, morte e desconhecido, estamos falando que devemos aprender que para vivermos a Vida Espiritual é preciso sacrificarmos a vida material. Assim como o velho ditado diz que “é impossível montar em dois cavalos”, para o Ser Humano é igualmente impossível viver esses dois mundos de maneira autêntica e real. Anúbis representa a transição, o momento mágico que os antigos chamavam de “iniciação” ou um “segundo nascimento”, quando nascemos para o Mundo Espiritual.
Para viver tais ideias, é preciso deixar que a vida material se esvaia. Não significa, mais uma vez, que estejamos falando de uma morte objetiva, física, mas simbólica. Deixemos morrer nosso orgulho, nossa vaidade, nossa prepotência. Deixemos morrer aquilo que temos convicção que sabemos, pois, em verdade, o fato é que continuamos a não saber de nada. Deixemos morrer a carência, a necessidade de estar a todo momento com outras pessoas. Assim como também devemos deixar morrer nossa vontade de isolamento, de não interagir com os demais.
Todas essas angústias e prazeres participam do mundo material e os vivemos a todo momento. Anúbis nos convida a transmutar essas emoções que, por bem ou por mal, guiam nossas ações cotidianamente. É preciso, afinal, morrer para renascer, e todos os dias, se estivermos atentos, passamos por pequenas mortes. Que deixemos, portanto, que o melhor de nós floresça e possamos viver de modo mais autêntico em um plano superior e mais elevado da Vida, compreendendo as experiências que vivemos e todas as provas que nos são colocadas.