Quando estudamos biologia na escola, aprendemos conteúdos sobre os ciclos dos seres vivos, categorias, biomas, enfim, uma série de informações que vão desde o micro ao macro e que, em equilíbrio, completam-se na grande orquestra da vida, formando o que chamamos de Biodiversidade. Quando observamos a natureza por esse ângulo, é impossível não refletirmos sobre sua harmonia, sua diversidade em prol de uma unidade em que cada ser, do menor e mais frágil elo até os mais robustos animais, compõe de modo justo o que enxergamos.
Entretanto, o que de fato é a Natureza ou, a rigor, a Terra? O que entendemos por esses termos? O planeta Terra é somente um pedaço de matéria girando em torno do Sol? Já pensou que ela pode ser o corpo de um imenso Ser Vivo? Esta ideia, que pode parecer um pouco absurda, era a mais lógica nas antigas tradições. Egípcios, Gregos, Mesopotâmicos, Indianos, todos eles tinham seus deuses que representavam a própria Natureza. Talvez, a mais conhecida delas seja a deusa grega Gaia.
Frente a isso, podemos imaginar, só por um instante, que a Terra pode ser, de fato, um ser vivo. Para tanto, vamos recorrer a alguns conhecimentos da Idade Antiga e refletir como essa ideia, um tanto quanto absurda para os dias atuais, pode, na verdade, ter sentido.
Uma visão diferente sobre a Terra
Comecemos pela Grécia Antiga. Como apontamos, a deusa Gaia representava a Terra e suas principais características estavam ligadas à fertilidade. Gaia era uma grande mãe, e todos sob sua crosta eram seus filhos. No blog do Movimento Cultural Gaia, há este trecho que conta um pouco do mito da deusa.
“Livre de nascimento ou destruição, de tempo e espaço, de forma ou condição, é o Vazio. Do Vazio eterno, Gaia surgiu dançando e girando sobre si como uma esfera em rotação. Ela moldou as montanhas ao longo de Sua espinha e vales nos buracos de Sua pele. Um ritmo de morros e planícies seguia Seus contornos. De Sua quente umidade, Ela fez nascer um fluxo de chuva que alimentou a Sua superfície e trouxe vida.
Criaturas sinuosas desovaram nas correntezas das piscinas naturais, enquanto pequenos filhotes verdes se lançaram através de seus poros. Ela encheu os oceanos e lagoas e fez os rios correrem através de profundos sulcos. Gaia observava suas plantas e animais crescerem. Então Ela trouxe à luz de Seu útero seis mulheres e seis homens.”
Os mitos podem parecer para muitos algo fantasioso e sem sentido, mas esse tipo de narrativa sempre esteve presente em praticamente todas as culturas. A sua proposta não é oferecer a visão objetiva e histórica dos fatos, mas sim tratar os aspectos mais simbólicos da realidade. Devemos buscar nos mitos uma mensagem que trate do que vivemos hoje, no aqui e agora.
Por eras e eras, Gaia se mantém sempre à disposição para alimentar, nutrir, proteger e entregar partes de si mesma para seus filhos. Isso é o que ela fez por nós, a humanidade. Ela possibilitou a nossa sobrevivência, nos fornecendo seus recursos ao longo da História, e fazendo uso deles, produzimos alimentos, abrigo, armas, obras de arte. Até que chegamos aos dias de hoje, com todos os confortos e avanços tecnológicos que conhecemos. Mas a que custo? O que estamos fazendo para proteger Gaia, a nossa Mãe-Terra?
A visão que os antigos povos tinham, enxergando a Natureza como Gaia, como um Ser, que é a nossa própria Mãe, nos traz uma reflexão sobre a forma como nós a tratamos nos dias de hoje. A Natureza não é uma “coisa” para ser simplesmente explorada, ela é viva e nós também fazemos parte dessa vida, da mesma forma que uma célula faz parte do corpo. Isso não significa que devemos parar com o avanço das ciências, da tecnologia e da civilização, mas sim que devemos ter consciência de que tudo o que possuímos nos foi dado pela nossa Mãe-Terra. E por uma questão moral, deveríamos ter muita gratidão, cuidar para não causar tanto dano e, acima de tudo, ter respeito para não abusar dessa imensa generosidade.
O Universo como Ser Vivo: a vida una
Outra ideia extremamente relevante para entendermos como toda a Natureza está conectada é a do Universo como um grande organismo. De fato, todos os objetos do cosmos estão ligados uns aos outros, assim como uma grande rede que conecta todas as nossas células, cada aspecto do Universo está em relação com o todo.
Basta pensarmos em nosso planeta e sua relação com o sistema solar: a Terra gira em torno do Sol, assim como os demais planetas. Nosso astro-rei, porém, não está parado. Ele está girando ao redor do centro da Via Láctea, a nossa galáxia. Esta, entretanto, também não está repousando, mas sim em movimento constante ao redor do ninho de galáxias em que existe. Percebe como todos nós estamos conectados? Visto isso, seria absurdo pensar na Terra como um ser vivo?
Outro bom exemplo que nos faz refletir é pensar se é possível algo que não é vivo gerar vida. Sabemos que não, correto? Sendo assim, como a Terra pode produzir tanta vida se ela mesma não estiver viva? Talvez precisemos refletir um pouco mais e entender que não estamos tratando de uma vida a partir dos parâmetros biológicos.
Para o hinduísmo, por exemplo, a vida é sinônimo de energia. Tudo que é vivo contém energia e, de fato, quando observamos para as diferentes formas em nosso planeta, não há como negar que a energia existe em abundância. Partindo dessa lógica – e sabendo que no Universo inteiro há energia –, podemos dizer que, de fato, todo o Universo é vivo.
Para um leitor mais crítico, essa pode parecer uma sentença absurda, porém, mais uma vez, devemos refletir e avançar em nossa percepção. Pensemos em uma célula do nosso pé. Talvez, em seu tamanho diminuto, ela não reconheça que faz parte de um grande organismo, mais complexo do que ela possa imaginar. Ela apenas cumpre sua função, faz com que os processos celulares sigam regulares até sua reprodução e morte. É possível que ela não desconfie que exista, por exemplo, um cérebro, uma consciência e mesmo outras partes para além do seu universo conhecido.
Visto isso, podemos entender que agimos tal qual essa célula, que vive sem saber até onde vai a extensão desse grande ser e, por vezes, nem desconfia que haja algo para além daquele amontoado de células e microorganismos.
Tudo o que existe na Natureza é a expressão sagrada de um Ser. Com essa ideia em mente, podemos nos relacionar de uma forma diferente com a Vida que nos cerca. Por exemplo, na sua próxima refeição, olhe para o seu prato e reflita sobre tudo o que aconteceu para que você pudesse estar se alimentando daquela comida. Muitos recursos minerais, vegetais, animais e também humanos colaboraram para que aquilo chegasse até você.
Esta energia empregada é como se fosse o sistema circulatório de Gaia, que flui por todas as partes do seu corpo. Após a sua refeição, esta energia estará dentro de você, então a dúvida será: o que devo fazer com esta energia que pertence a todos? Colaborar com todas as formas de vida que me cercam, devolvendo esta energia para a Natureza, ou me focar somente no que é bom para mim?
Como a célula cumpre a sua função, trabalhando para si mesma ou trabalhando para o corpo? Essa é uma chave importante para percebermos o nosso papel no mundo. Muitas vezes desejamos trabalhar para o nosso próprio benefício, mas, na verdade, nosso grande papel nessa existência é atuar para o benefício do Todo. Assim como em todo ecossistema equilibrado, diferentes partes – minerais, vegetais e animais – atuam em conjunto para o equilíbrio daquele sistema, nós também deveríamos fazer o mesmo.
Infelizmente, cada vez mais somos levados pelo egoísmo a esquecer do Todo e lembrar apenas de nós. É assim que maculamos a nossa Terra sagrada, nossa Gaia, que sofre com os erros provocados pela humanidade. Visto isso, urge uma nova consciência para construção de um futuro em harmonia com a Natureza. Devemos reconhecer o nosso papel nesse grande jogo da vida e atuarmos de acordo com o que nos foi dado. É chegada a hora dessa nova perspectiva ante a vida que grita por esse novo impulso evolutivo dos seres humanos. Sejamos, portanto, a marca desse novo tempo que há de surgir.