Você tem defeitos? Essa parece ser uma pergunta óbvia e um tanto quanto boba até, afinal, para quem não possui debilidades. Mesmo que seja óbvio que os defeitos fazem parte de nossa existência, na prática, queremos evitá-los, escondê-los e mostrar às pessoas ao nosso redor que somos perfeitos.
Sejamos sinceros: vivemos em um mundo imperfeito. Basta olharmos um pouco para a História que poderemos ver que erramos muito. Somente no último século, convivemos com duas grandes guerras, Estados totalitários, disputas entre grupos étnicos, perseguições e, de forma mais extrema, genocídios. Poderíamos passar dias falando sobre todas as falhas que a Humanidade cometeu, mas de nada adiantaria.
Melhor olhar para a nossa vida individual: será que estamos prontos para assumir nossas imperfeições? E basta apenas assumir que possuímos tais defeitos, ou será que devemos buscar aprimorar nossas Virtudes e minimizar nossas debilidades? Vamos refletir um pouco sobre essa temática.
Por que desejamos a perfeição?
Essa é uma questão primordial para entendermos a imperfeição. Sim, o Ser Humano deseja ser perfeito e tenta, ao máximo, buscar a perfeição. Basta observarmos o quanto somos bombardeados pela ideia de perfeição ao projetarmos o “dia perfeito” ou “o encontro perfeito”, ou ainda “o show perfeito”. A todo momento estamos usando esse adjetivo para pensarmos em como seria uma vida ideal.
O problema talvez não esteja em desejar algo perfeito, mas sim em entender que a perfeição tal qual imaginamos não é algo deste mundo, ou seja, não participa da nossa realidade. Quem nos ensinou sobre isso foi Platão, um dos maiores Filósofos que o Ocidente já produziu. Sua famosa “Teoria das Ideias” nos apresenta o mundo dos arquétipos, das ideias máximas, ou seja, o mundo perfeito – se é que podemos chamar assim.
Toda ideia é perfeita. Em nossa Mente, por exemplo, podemos viver a perfeição ao planejarmos um dia, um trabalho, uma relação ou o que quer que se deseja planejar. De fato, no mundo das ideias não há imperfeições, pois ao considerarmos a ideia em si, ela nos permite vislumbrar algo sem defeitos. O único problema é quando vamos transportar essa ideia para o mundo real. Este, por si só, é imperfeito. Assim, entre o ideal que está no plano das ideias e o mundo objetivo, material e prático, há um grande caminho. A perfeição é deixada de lado nessa estrada, e acabamos vivendo em um mundo em que, por definição, não cabe a perfeição.
O problema da perfeição, portanto, é que ela só existe em nossa Mente e a desejamos, mesmo que na vida prática ela não exista. Ao vislumbrar essa possibilidade em nossas ideias, acabamos criando um referencial intangível, mas que nos serve de guia para evoluirmos e avançarmos. Assim, não vamos alcançar a perfeição, mas podemos nos aperfeiçoar. Esse talvez seja o caminho mais saudável para se relacionar com a perfeição.
A difícil tarefa de aceitar nossas imperfeições
Uma vez que entendemos que a perfeição não participa do mundo objetivo, também podemos chegar a conclusão lógica de que não somos perfeitos. Não é preciso muito esforço para perceber isso, pois cometemos erros a todo momento, ou não? Mais uma vez, entretanto, a nossa Mente nos prega uma peça, afinal, do mesmo modo que somos capazes de projetar um dia perfeito ou uma casa perfeita, também sonhamos em sermos profissionais perfeitos, filhos(as) perfeitos(as), maridos e esposas perfeitas. E, por questões óbvias, acabamos não sendo.
Alguns dos nossos erros ocorrem por nossa ignorância quanto ao que fomos destinados a fazer. Logo, é natural que em nosso primeiro dia em um emprego novo, por exemplo, cometamos diversos erros, pois nunca fizemos aquela tarefa antes. A mesma coisa ocorre em um relacionamento, com novas amizades e, enfim, em tudo que nos desafia a viver o Novo. Esses erros, em geral, são compreensíveis e não nos afetam tanto.
Por outro lado, há outros erros que carregamos quase como um animal de estimação. Gostamos de alguns dos nossos defeitos e nos sentimos orgulhosos, por vezes, de possuí-los; nos confundimos e acabamos achando que o defeito é, na verdade, uma Virtude. Estes são os que causam mais dor e prejuízo à nossa vida, pois se disfarçam em nossas ações e acabamos acreditando que estamos agindo bem, quando, na verdade, apenas ampliamos esse defeito em nossas vidas.
Nesses casos, é natural ocorrer o efeito contrário: abraçamos nossa imperfeição de tal modo que achamos impossível melhorar. Frases como “eu sou assim mesmo” e “nasci assim e vou morrer assim” são uma constante na vida de quem tem orgulho de suas imperfeições. Dentro dessa situação não estamos lidando melhor com a imperfeição, mas sim abrindo mão de nossa capacidade de aperfeiçoamento. Logo, aceitar as imperfeições que possuímos não significa ficar passivo e ser conduzido por nossos defeitos, mas reconhecê-las, aceitá-las e buscar ao máximo superá-las.
Esse não é um processo simples e leva muito tempo até realmente vivermos essa realidade. Aceitar nossos erros, sejam eles grandes ou pequenos, costuma nos colocar diante do nosso mais temido inimigo: nós mesmos. Há um grande medo humano de encarar o fato de não sermos perfeitos e aceitar nossos limites. Quando queremos escapar dessa realidade, começamos a adquirir hábitos terríveis como o perfeccionismo.
O mal do perfeccionismo: uma batalha contra a natureza
Pode parecer uma grande ironia, mas a verdade é que o perfeccionismo nos afasta da perfeição. Por este modo de pensar, desistimos de agir, deixamos as oportunidades passarem frente aos nossos olhos e alimentamos uma vida cheia de sonhos que não foram vividos, tudo isso pelo receio de que as coisas não vão sair exatamente do jeito que idealizamos.
Enquanto desenhamos um mundo ideal, um trabalho ideal, um relacionamento ideal, e não aceitamos o fato de que esses sonhos não vão existir no mundo em que vivemos tal qual planejamos, perdemos a chance de caminhar e evoluir. O perfeccionismo trava a nossa evolução, pois desejamos tanto que não ocorram erros que acabamos não nos permitindo viver e aprender com os erros que naturalmente irão existir.
Quantas vezes planejamos algo, seja escrever um livro, construir uma casa ou mesmo dar uma aula para um amigo, e – no meio do processo, por mais entusiasmado que estivéssemos – desistimos?
O medo de ser julgado pelos outros e de fazer “mal feito”, e outros tantos temores que nossa Mente cria ao longo desse processo, fazem com que, ao longo dos anos, tenhamos uma gaveta cheia de projetos arquivados. Não estamos acostumados a errar, mas talvez seja porque tentamos pouco. Lidar com o fracasso e entender que não faremos coisas perfeitas são fatores que nos paralisam diariamente. Podemos não perceber, mas, no nosso dia a dia, esse pensamento está presente: seja no trabalho, quando somos designados para fazer uma apresentação ou desenvolver um novo projeto; ou em casa, quando planejamos reformas e mudanças.
Em ambos os ambientes, não executamos o que nos foi planejado (ou o que planejamos) e ficamos reféns desses pensamentos e emoções.
Nós não fomos bem educados no quesito “lidar com nossa imperfeição”. Portanto, devemos começar a entender que não somos, nem seremos, bons em tudo que fazemos. O que podemos fazer, então?
É preciso muita coragem para aceitar e superar as imperfeições
A resposta à pergunta anterior é: tudo! O nosso mais valioso conselho é não deixar que esses sentimentos nos impeçam de criar, de seguir em frente. O primeiro passo é esse: entender que ser perfeito não existe nesse mundo. Poderemos lidar com a pressão e a ansiedade de maneira saudável se cultivarmos e adquirirmos essa convicção. Em seguida, devemos nos conhecer e saber do que gostamos e do que não gostamos, em que somos bons e em que não somos.
Cabe aqui a máxima escrita no templo de Delfos, na Grécia Clássica: “Conhece-te a ti mesmo”. Quanto mais buscarmos nos conhecer, compreender profundamente o que nos motiva, o que nos interessa, poderemos ser capazes de enfrentar nossas limitações. Eis o papel do autoconhecimento: Conhecer para dominar. Dominar para servir. Servir para evoluir.
Um último conselho, e provavelmente seja o mais valioso, é o de nos dedicarmos de Corpo e Alma aos projetos em que acreditamos. Isso não significa “sucesso imediato”, muito menos que dará certo, mas demonstra que somos corajosos em seguir fazendo o que acreditamos, frente à dor ou ao prazer.
No fim, seremos imperfeitos, mas é graças à imperfeição que temos a chance de aperfeiçoar o que somos hoje e seguir evoluindo, no aspecto ou área em que dedicarmos nossa Vontade, Amor e Inteligência.