Todos nós iremos morrer. Sim, de fato, uma hora nosso coração irá parar de bater e nossa respiração irá cessar, assim como os demais órgãos do nosso corpo. Não sabemos quando isso acontecerá e desejamos sempre que demore o maior tempo possível, mas ela uma hora irá chegar. Apesar de compreendermos intelectualmente essa informação, a morte é um dos fenômenos naturais mais difíceis de aceitarmos. Só pelo fato de sabermos que iremos morrer já nos causa uma angústia por si só, mas por que isso ocorre?
Em grande parte por sermos os únicos seres vivos que têm consciência desse fenômeno. Um animal, por exemplo, não sabe o que é morrer e nunca parou para refletir sobre esse assunto. Mesmo sofrendo com doenças ou velhice, eles continuam a viver como se existissem para sempre. Conosco, porém, essa ideia é mais complicada. Por sabermos que a morte é um fato passamos a especular sobre diversas questões: quando ocorrerá? o que vem depois? E assim por diante. As perguntas são inúmeras e dos mais diferentes tipos, mas o importante é percebermos que só o fato de termos consciência de nossa mortalidade, isso nos causa tremendas dores.
Pensando sobre isso, ao longo da história da humanidade foram produzidas obras dos mais diferentes aspectos da arte sobre a morte. Peças, músicas, pinturas, ou seja, os artistas, antigos e modernos, sempre buscaram inspirar-se nessa Lei da Natureza. Apesar, entretanto, de ser um tema bastante difundido, ele ainda é considerado um tabu em nossa sociedade. Quem nunca escutou que “falar de morte atrai” ou “dá azar?” O fato é que esse é um assunto incômodo, pois não sabemos lidar com a perda, muito menos com o luto, a saudade, e toda a dor que envolve perder uma pessoa querida.
Para tratar desse tema tão espinhoso, hoje trouxemos como indicação a série “A caminho do céu”, disponível na plataforma de streaming Netflix. Produzida na Coreia do Sul e contando com Lee Je-hoon e Tang Jun-Sang no elenco, a produção trata bem da importância de encarar a morte e seus processos. A trama começa justamente quando Geu Ru, um jovem com Síndrome de Asperger, perde seu pai, ficando órfão. Não podendo ficar só, a custódia do jovem passa ao seu tio, Sang Gu, e os dois começam a vivenciar o processo de luto, cada um à sua maneira. Dentro desse contexto, soma-se o fato de Sang Gu passar a gerenciar o negócio do seu falecido irmão, uma empresa chamada “a caminho do céu”. Prestando o serviço de auxiliar de trauma e sendo responsável pela limpeza de imóveis e objetos de pessoas falecidas, Sang Gu e Geu Ru passam a enxergar a morte com outros olhos, descobrindo diversas histórias e sentimentos à medida que executam seu trabalho.
A proposta da série é levar-nos a refletir sobre os mais diferentes aspectos que envolvem o morrer, afinal, não é apenas a pessoa que morreu que está relacionada a esse processo. A dor da família e amigos, as diferentes fases do luto e todas as memórias que alimentam a lembrança de quem já não está aqui faz com que a morte não seja algo passageiro, mas que grava fortemente a Alma de quem continua vivendo.
Como bem sabemos, nunca será fácil compreender a morte, uma vez que ela é, a priori, o maior dos Mistérios. Nunca a conhecemos enquanto vivos e por mais convicção que tenhamos sobre a Vida continuar após morrermos, ainda assim o desconhecido nos paralisa. Essa inquietude perante o tema é o que, provavelmente, inspira tantas pessoas a buscarem respostas. E quais serão as nossas respostas para essa dúvida existencial?
Não queremos, antes de tudo, apresentar uma “receita” sobre o que é a morte. Como podemos ver, esse é um assunto que o Ser Humano discute “desde que o homem é homem.” Portanto, não ousamos dar uma resposta final a essa pergunta, mas sim refletirmos acerca dela.
Partindo disso, se olharmos para a história, perceberemos diferentes percepções sobre o que é a morte. No Antigo Egito, a morte era a chance de entrar no mundo dos mortos e está ao lado de Osíris; já no mundo greco-romano a morte é acompanhada de uma série de ritos e punições para aqueles que não souberam evoluir dentro do que lhe era esperado. Assim, cada cultura, utilizando seus símbolos e Deuses, tentou apresentar a morte como, em resumo, o próprio Mistério da Natureza. Dos egípcios aos hindus, todas as culturas apresentam a morte em um local guardado sempre pelo Sagrado e que, em maior ou menor grau, faz com que nossa Alma retorne para seu plano mais sutil. Sendo assim, podemos recordar um trecho de um poema de Santo Agostinho, filósofo e padre do século IV a V d.C:
“A morte não é nada.
Eu somente passei
para o outro lado do Caminho.
Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era para vocês,
eu continuarei sendo.”
A ideia de que a morte é o outro lado da mesma moeda (no caso, a Vida) também é recorrente em diversas tradições, afinal, como diria uma clássica frase do cinema brasileiro, “tudo que é vivo, morre”. Assim, parece-nos que a morte nem sempre foi vista como no senso comum atual, o fim, ou seja, depois da morte não há mais “nada”. Na sociedade moderna, descrente da maioria dos fenômenos da natureza e mergulhada em uma mentalidade de “só acredito vendo”, é difícil aceitar que a morte não é um final, mas apenas uma nova etapa da existência. Entretanto, mesmo nesses casos, sabemos que a morte não significa um fim, pois a pessoa que amamos e convivemos por tanto tempo continua vibrante em nosso pensamento e sentimento.
Visto isso, é importante perceber que a nossa existência não tem fim quando nosso corpo para de funcionar. Impregnamos as pessoas, os objetos e os lugares com o nosso afeto, nossas percepções e vivências, e isso não morre facilmente. Quem já sofreu pela perda de um parente pode compreender o que queremos dizer. A memória, por vezes, é tão forte que não conseguimos nos referir à pessoa no passado, ou seja, quando falamos dela, falamos sempre no presente, como se ela ainda estivesse nesse mundo. Esse é, sem dúvida, um reflexo involuntário, mas que mostra como a morte não é suficiente para apagar os sentimentos que cultivamos ao longo da vida.
Mostrar que o morto continua vivo em seus mais singelos detalhes é uma mensagem sutil e poderosa que a série traz. À medida que os episódios avançam percebemos a relação com o novo emprego mudar e ambos passam a compreender um pouco mais desse mistério. De igual modo, ao notarem que cada pessoa deixou uma marca que não pode ser apagada fica inegável compreender que seguimos existindo após deixarmos esse mundo. Observando por esse aspecto, a nossa “obra”, ou seja, nossos feitos e exemplo tornam-se o verdadeiro legado que deixamos ao mundo.
E frente a isso nos cabe perguntar: qual é a nossa marca no mundo? Não precisamos, a bem da verdade, inventar uma nova tecnologia, nem levar o Ser Humano a Marte para sermos relevantes em nossa existência. O cultivo das Virtudes, como diriam os antigos gregos, seria muito mais interessante de viver do que fazer grandes façanhas pelos motivos errados. Portanto, realizar-se em vida não se trata de sucesso, dinheiro ou fama, mas uma condição interna que reflita em uma vida moral impecável, que torna-se exemplo vivo no quesito Humano, o mais importante de todos.
Por fim, reiteramos nossa indicação e convidamos a todos a assistirem “O caminho do céu”, e que a série nos traga profundas e inspiradoras reflexões de como podemos viver, diariamente, a ideia da morte. Assim, quem sabe, possamos olhar para trás quando estivermos prestes a abandonar essa Vida e perceber quantas boas sementes plantamos na terra. Elas serão as árvores que farão sombra e darão doces frutos para um novo mundo começar.