Postado originalmente no blog Filosofia Cotidiana.
“Amigo é coisa para se guardar debaixo de sete chaves, dentro do coração…”
Coisa boa é lembrar a voz cheia e melodiosa do Milton Nascimento cantando isso… E nós caprichamos na afinação, pois o verso é bonito e inspira. Mas lá vêm os filósofos com questionamentos complicados: o que é guardar alguém no coração? Esse músculo que trazemos no peito não guarda nada, nem o sangue: bombeia para todos os lados. Será o coraçãozinho vermelho do papel de bombom? Este significa o quê? Acho que uma emoção agradável, assim como a que tiramos do chocolate, só que vinda de uma pessoa.
Será que uma amizade é isso? Papo agradável, bom de bola, ouve boas músicas… Mas se não tenho o “amigo” à mão… Vou ao cinema, que me proporciona mais ou menos a mesma coisa: distração e fuga da solidão, ou seja, saciedade das minhas necessidades… É este o coração que o Milton recomenda guardar tão bem?
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Talvez seja mais fácil começar do amigo, para, depois, achar o coração. O que me diz esta palavra? Quando lembro de amigo, lembro de alguém que sempre dá o que necessito, que pouco tem a ver, às vezes, com o que é agradável para mim ou para ele; sempre me ajuda a crescer com a palavra certa e precisa, bem amaciada pelo amor. Não ganha nada com isso: às vezes, sou chato, e ele gasta seu tempo para me dizer o óbvio, que eu teimo em não ver ou ouvir. Às vezes, não gosta do que eu gosto, mas me ensina a gostar de coisas que sempre me fazem bem.
Já viajamos juntos para lugares maravilhosos, mas nem sempre dá para tirar foto – porque as paisagens mais bonitas, estas um ajuda o outro a acessar… dentro de si. Quando vejo uma coisa bonita, nobre, que “toca o coração”, já penso: é a cara de fulano, meu amigo… e corro para compartilhar com ele.
Ôpa! Olha aí o coração! É isso aí, eu sei o que ele é: coração é o centro, o lugar mais profundo da minha identidade, onde guardo as coisas mais belas que eu já descobri em mim e na minha vida; só entra neste lugar quem tem fôlego para mergulhar fundo e, nesses mergulhos, meu amigo é o “cara”: sempre soma, sempre me faz bem, de tal maneira que as conquistas guardadas neste meu cofre-coração são todas “propriedade compartilhada”.
Um dia, vai chegar a hora do coração (o músculo) parar de bater; nesta hora, se der tempo de pensar e somar tudo o que sou e o que fiz, com certeza vou lembrar de você, amigão, e vou dizer só para mim mesmo, mas tenho certeza que você vai ouvir, da mesma forma que sabe ouvir muitas vezes as coisas que só digo para mim: “Valeu, valeu demais, tudo… – mas não teria valido a metade se não fosse por você, meu amigo!”