A vida pode ser enxergada por diversos ângulos. Basta buscarmos em nossa memória lembranças dos últimos dias e poderemos encontrar momentos de alegria, momentos de dor, felicidade, angústias e tantas outras emoções que eventos do passado, presente e futuro podem nos gerar. Tais pensamentos, entretanto, acabam acumulando-se no nosso inconsciente e, com o caminhar da vida, deixamos de refletir sobre o que nos faz bem e como podemos ser gratos por viver ou ter vivido tais experiências.
Os momentos ruins, entretanto, acabam por nos gerar um efeito um tanto quanto oposto. Nas dificuldades ocorrem, quase como um instinto natural, a reclamação. Desafiamos os deuses, achamos a vida injusta e estufamos o peito para reclamar aos quatro ventos. Se não nos policiarmos acerca desse hábito, é possível que sejamos taxados de “reclamão”, e nem mesmo nossos melhores amigos suportem a convivência ao nosso lado.
Visto isso, uma dica básica – que todos nós já recebemos – é a de observar o copo sempre meio cheio, ou seja, ter uma atitude positiva perante a vida. Assim, o conselho comum é o da gratidão e hoje, sem dúvida, muito se fala em agradecer, inclusive nos momentos de maior tensão em nossa existência, porém, como fazer isso? Infelizmente, a gratidão não funciona como um interruptor de energia, que basta apertarmos para, quase como mágica, acender a luz dessa brilhante virtude. Hoje falaremos um pouco mais sobre os benefícios da gratidão e como podemos desenvolver esse olhar mais integrado à vida.
Entre a gratidão e a reclamação
Você reclama ou agradece mais? Já parou para pensar que costumamos reclamar mais de coisas simples que dão errado em nosso dia a dia do que agradecer pelas coisas positivas? Pesquisas científicas, reportagens, entre outros formatos já relataram que ser grato faz bem, inclusive quimicamente para o seu cérebro, porém, não o fazemos tanto quanto deveríamos.
Por outro lado, é comum vermos pessoas que são “naturalmente” gratas. Em geral, tais indivíduos estão sempre prontos para agradecer à vida, a outras pessoas e, enfim, a tudo que se coloca em seu caminho. Como os dois extremos de uma corda, a reclamação e a gratidão ficam em lados opostos, e nós, seres humanos, nos equilibramos nessa tensa dualidade. Há quem caminhe mais para o lado da reclamação, enquanto outros estão mais inclinados a agradecer, mas cientificamente é possível constatar os benefícios e malefícios dessas posturas psicológicas?
Em síntese, sim! Mas não precisamos recorrer necessariamente à ciência para comprovar os efeitos objetivos de cada uma dessas posturas. É visível que pessoas inclinadas à gratidão vivem um estado de bem-estar superior, o que, muitas vezes, pode ser visto, geralmente pelos reclamões, como um grau de alienação ou ignorância acerca da circunstância em que se encontram.
Coloquemos em exemplos: diante da perda de um emprego é possível – e normal – que uma pessoa fique chateada e triste com tal situação. O medo do futuro e a falta de trabalho podem assustar qualquer um de nós, e, naturalmente, a reclamação passa a ser uma reação natural. Porém, nesse mesmo cenário é provável que uma pessoa agradeça pelo fim do ciclo no emprego anterior, pois, a partir de agora, o futuro se mostra novo, cheio de possibilidades.
Do ponto de vista psicológico, os efeitos de observar a vida de maneira positiva, mesmo em situações desconfortáveis, são capazes de produzir estímulos ao cérebro que nos dão essa sensação boa. A preocupação, a angústia e o medo também são importantes dentro do contexto apresentado, principalmente por se tratarem de respostas psicológicas para o instinto de sobrevivência humano, mas seus efeitos no corpo físico e na mente não são agradáveis, e isto é um fato.
Porém, devemos salientar que causar um bem-estar ao corpo não é sinônimo de saúde. Sabemos bem disso, afinal, quando ingerimos alimentos saborosos, sentimos uma grande satisfação, tanto física como mental, mas isso não implica dizer que o corpo e mente estão mais saudáveis. Logo, a grande questão que devemos responder é: a gratidão é capaz de gerar saúde a nível mental?
Gratidão e saúde
Num primeiro momento é provável que o leitor pense: como uma forma de pensar e sentir é capaz de gerar saúde? Não queremos cair na falácia do tratamento positivo por excelência, que repete, quase como um mantra, que “basta pensar na cura para ser curado”. Não se trata disso.
O que se investiga, a bem da verdade, são os efeitos psicológicos e a disposição do organismo a partir dessa nova perspectiva conquistada. Sendo assim, a gratidão realmente interfere em nossa saúde?
Mais uma vez a resposta é um sonoro “sim!”. A nível fisiológico, quando passamos a observar a vida pela ótica da gratidão, nossos níveis de estresse e ansiedade diminuem, uma vez que passamos a entender e aceitar as experiências que vivemos e não ficamos presos nas suas consequências. Essa postura mental desacelera a ansiedade que, naturalmente, nos ataca sempre que passamos por momentos de pressão.
Só por isso, já podemos afirmar que ser grato à vida já nos faz bem, porém, os benefícios da gratidão se espalham para o campo psicológico. Afirma-se, atualmente, que, ao nos tornarmos mais gratos perante as experiências da vida, nosso cérebro amplia sua neuroplasticidade, ou seja, cria novas conexões e relações, podendo interpretar de novas formas as emoções, memórias e pensamentos. Essa adaptabilidade do cérebro o torna mais robusto, capaz de suportar maiores desafios, afinal, novas rotas vão sendo geradas e, assim, não ficamos presos ao mesmo caminho/resposta padrão que estabelecemos ao longo da vida.
Dessa maneira, a gratidão abre, de fato, novas portas para enxergarmos a vida, pois em nosso cérebro se constroem novas pontes neurais, novas maneiras de encarar um mesmo acontecimento. Isso nos dá maior maturidade e empatia, pois começamos a nos conectar com os outros e a enxergar a vida sob diferentes ângulos.
Visto isso, por que não começamos a construir esses novos caminhos agora? Pense em tudo que você possui hoje, desde sua saúde física, sua capacidade de se relacionar com os demais, seus títulos e, principalmente, o fato de continuar respirando. Tudo isso é motivo de gratidão, pois, enquanto existe vida, existe esperança, existe evolução. Sejamos gratos a vida e que possamos, tal qual o poeta mexicano Amado Nervo, um dia falar com sinceridade os seguintes versos:
“Vida, nada me deves!
Vida, estamos em paz!