Você já ouviu falar no maestro Arturo Toscanini, um dos mais aclamados músicos do século XIX e XX? Toscanini conduziu grandes orquestras nacionais em turnês por todo o mundo, e foi homenageado e reconhecido como um dos melhores maestros inúmeras vezes. Certa vez, durante uma entrevista, Toscanini foi questionado sobre como conseguia executar tão bem o papel de conduzir uma orquestra com centenas de pessoas. A resposta foi: “quando eu descasco laranjas, eu descasco laranjas”.
Que curiosa resposta a do maestro, não? Qual a relação entre descascar laranjas e conduzir uma orquestra? E o que isso tem a ver com o tema do nosso vídeo abaixo, “O Poder do Agora”? Simples, tem tudo a ver! Esse grande poder, que todos nós somos capazes de possuir, nos faz estar presentes em cada momento, sem perder a beleza que há em cada segundo da vida e nos permite executar as maiores façanhas que o mundo pode presenciar. Não, não estamos falando de levitar, ler mentes ou qualquer outro “poder” que vemos em quadrinhos e filmes de super-heróis, mas sim de ser capaz de vislumbrar a beleza de cada momento, de cada ação, por mais banal que seja.
Explicando agora o que Toscanini quis dizer, nada mais é do que ele se dedicava inteiramente a tudo que ele fazia, ficava de corpo e alma presente. Quando ele descascava laranjas, ele não fazia mais nada, a não ser ficar com a mente presente no ato de descascar laranjas, assim como quando precisava reger sua orquestra, nada mais importava, nada poderia lhe roubar a concentração, e sua mente estava totalmente direcionada a esse objetivo. Será que conseguimos fazer o mesmo? Quando nós descascamos laranjas, fazemos de forma tão concentrada ou o ato acaba caindo na mecanicidade com as nossas mãos e a nossa mente se desconecta daquele momento, vai longe pensando numa pessoa, numa conta a pagar, no que vai comer mais tarde, em qualquer assunto, menos na laranja que as mãos descascam?
Podemos pensar que o poder do agora é algo “simples”, quase banal, mas na verdade é uma difícil experiência a ser conquistada. Nosso corpo, por uma questão instintiva, tende a buscar o mínimo esforço para obtenção dos maiores resultados, e por isso acabamos caindo em um automatismo biológico. Em algum grau isso é muito bom, uma vez que as funções fisiológicas do nosso corpo não precisam de um comando consciente, porém, esse aspecto acaba sendo levado para outras áreas do nosso organismo, causando assim uma verdadeira automação de pensamentos, sentimentos e ações.
Quanto mais corriqueiro e banal a nossa atividade, mais fácil é cair no automatismo. Pense em sua rotina diária: acordar, escovar os dentes, tomar banho e sair para trabalhar ou estudar. Você estava presente em cada um destes atos? Ou acabamos escovando os dentes pensando no que faremos hoje, vendo nossa agenda ou mesmo mexendo no celular? No banho não nos concentramos na limpeza do nosso corpo, deixamos apenas que a água e os produtos de higiene façam o seu papel enquanto nossa mente nos leva para um problema ou para o planejamento de alguma outra atividade. Não é assim que ocorre?
Observando por esse lado, podemos constatar que ao longo do dia são raras as vezes em que estamos no “agora”, ou seja, focados em nosso tempo presente. Nossa mente vagueia entre o passado, rememorando experiências vividas há muito ou pouco tempo, ou projeta-se para o futuro, ansiando para que chegue alguma hora do dia ou mesmo um outro evento. Assim, de fato, acabamos deixando o presente escapar de nossas mãos, tal qual a água que escorre pelos nossos dedos.
Ao exercitar esse ato de viver o momento presente de corpo e alma, por mais simples que seja a atividade que você esteja fazendo, você consegue transpor esse estado de consciência, de vivência plena, para qualquer situação da vida. Por isso que, descascar laranjas ajudou Arturo Toscanini a reger orquestras da melhor forma possível, pois, ao reger a orquestra, a mente dele estava focada exclusivamente no ato da regência, e em mais nada.
Além disso, vale nos perguntar: quais os benefícios de tentarmos viver no presente? Talvez essa possa ser uma pergunta um tanto quanto óbvia, mas a todo momento buscamos economizar tempo, criando meios e métodos de sermos mais eficientes. Nesse sentido, estimular a automatização de alguns processos, como o de comer por exemplo, não nos faria ganhar mais tempo? Em parte sim, mas o que faríamos com esse tempo “restante”? Nos perderíamos em mais devaneios? A vida não nos exige algo além do que viver o momento e perceber os ensinamentos que estão sendo apresentados, por mais simbólicos e sutis que sejam. Visto isso, mesmo que queiramos adotar o automatismo como uma resposta para termos uma vida mais eficiente, acabaríamos por gerar mais problemas por não conseguir viver nem o presente e muito menos fazer bom uso desse tempo “salvo”.
Sendo assim, o maior benefício de viver o agora é o de estar, de fato, presente em tudo que é fundamental em nossas vidas. Passamos grande parte do tempo vivendo de maneira robótica, realizando trabalhos sem nos colocarmos inteiramente naquilo e sem enxergar a beleza e os prazeres que as atividades podem nos proporcionar. Desse modo, acabamos perdendo o verdadeiro sentido destas experiências por não estarmos conscientes no momento em que estamos vivendo-as.
No mundo atual, cada vez mais acelerado e que impõe esse mesmo modelo em nossa prática diária, costumamos fazer tudo à nossa volta, das atividades simples às complexas, com o pensamento em outro foco. Cozinhamos pensando no dia de amanhã, dialogamos com uma pessoa pensando em quando estivermos em casa dormindo, dormimos pensando em quando acordarmos… Nunca estamos focados no presente, o que é uma pena, porque deixamos de apreciar a importância do agora. Deixamos de viver o momento presente, em toda sua beleza, para viver na fantasia do amanhã. Chamamos de fantasia, pois não temos como prever como será o amanhã. Perdemos a oportunidade de viver o agora, e sofremos porque não conseguimos ter certeza sobre o futuro.
Se valorizarmos mais os momentos presentes, sentiremos mais plenitude e menos sofrimento, pois o futuro chegará de forma natural, sem expectativas, sem ilusões. E nós o aproveitaremos da melhor forma, pois quando ele chegar, será o presente. Recomendamos que faça um teste durante uma semana, nas atividades mais básicas e corriqueiras: tente se concentrar naquilo que faz, e sempre que vir um pensamento sobre “mais tarde”, “amanhã”, ou “quando estiver em casa”, tente cortá-lo e voltar ao que está fazendo naquele momento, como se não houvesse mais nada no mundo, a não ser você e “suas laranjas”. Ao agir de tal forma, o peso do arrependimento não nos afetará, uma vez que viveremos conscientemente nossas experiências. Não nos deixemos, portanto, cair na lamentação de quem não viveu, mas que somente viu o tempo passar. Dessa forma, não chegaremos ao fim de nossa existência pensando que deveríamos ter amado mais, chorado mais ou estado, de fato, presente em nossas experiências.
Por fim, urge colocarmos um freio no automatismo em que associamos como natural para darmos conta do nosso cotidiano. Não precisamos viver fora do tempo, com a mente e o corpo em desarmonia, pois tais atividades apenas nos prejudicam cada vez mais. O que realmente necessitamos é vivermos de forma consciente todos os momentos, dos mais banais aos mais complexos. Não queiramos fugir de nossas responsabilidades, de nossas dores ou angústias, mas sim enfrentá-las com honra e coragem, encontrando meios para combatê-las. Para isso, temos um poder fundamental: o poder do agora. Que façamos bom uso dele.