Você provavelmente já ouviu falar em Deodoro da Fonseca. Um dos principais atores sociais da Proclamação da República e nosso primeiro presidente, Deodoro foi um militar exemplar e marcou a história do nosso país. Em diversas capitais é possível ver seu nome estampado em monumentos, praças, avenidas e ruas, mas o que realmente conhecemos sobre ele?
Deodoro da Fonseca ou simplesmente Marechal Deodoro, como era mais conhecido, devotou sua vida quase por completo ao Brasil e é um exemplo de como a história pode ser mudada por causa de boatos. Quem o vê como o grande Proclamador da República, não imagina que ele era, na verdade, amigo pessoal de Dom Pedro II e tinha fortes convicções monarquistas. Deodoro esteve presente em algumas das principais guerras armadas, entre elas a do Paraguai, onde inclusive permaneceu do início ao fim, mas, sem dúvida, sua maior batalha foi a presidência do Brasil. Vamos conhecê-lo melhor?
Quem foi Deodoro da Fonseca?
Nascido em 5 de agosto de 1827, na pacata cidade de Campo Grande, em Alagoas, Deodoro da Fonseca não tinha como planos chegar à presidência do Brasil. Sua família tinha tradição militar e o pequeno Deodoro desde cedo buscava seguir os passos do pai, Manuel Mendes da Fonseca. Assim, em 1855 aos 27 anos, Deodoro passou a integrar o Exército brasileiro. Para seguir seu caminho, precisou sair do Nordeste e foi para o Rio de Janeiro, até então capital do país e principal centro de formação militar.
Sua carreira militar foi brilhante, chegando ao posto de Marechal. Porém, mais do que uma titulação, Deodoro mostrou toda sua capacidade na arte da guerra no confronto contra o Paraguai. Destacando-se como um exímio líder e estrategista, conseguiu liderar pelotões nas batalhas de Tuiuti, Curupaiti e Humaitá. Graças a esse destaque, foi alçado para uma posição central dentro do exército brasileiro, já nos anos 1870.
Em 1886, o experiente Deodoro da Fonseca assumiu a academia militar brasileira, no Rio de Janeiro, o mesmo local onde, décadas antes, havia se formado. Ademais, Deodoro alcança o cargo pela sua competência e capacidade de gestão, além de ser um dos principais nomes do Exército brasileiro nesse momento. Vale lembrar que nesse período as forças armadas ainda eram pouco reconhecidas, mesmo após lograr vitória na Guerra do Paraguai. Assim, a busca por reconhecimento e as diferenças políticas fizeram, pouco a pouco, o império tornar-se um alvo dos militares.
A chegada ao poder
Como Deodoro chega ao poder? A história da proclamação da República passa por diversas questões que estão além da política, e para entendê-la precisamos adentrar nessas questões. A primeira delas está ligada com a economia. Como sabemos, em 1888 o Brasil finalmente acabou com a escravidão, libertando seus últimos escravizados. Apesar de ser uma vitória inconteste para a sociedade brasileira, do ponto de vista econômico lançava-se alguns desafios: o trabalho assalariado, trazer novos trabalhadores para o país e manter a economia funcionando. Os latifundiários, principais atingidos por essa medida, retiraram o apoio dado ao governo, o que fez o Brasil mergulhar em uma tensão político-econômica durante todo o ano de 1889.
Por sua forte influência em diversas áreas da sociedade, esses grandes agricultores aliaram-se ao partido republicano, principal adversário da monarquia e do imperador D. Pedro II. Os republicanos, imbuídos do espírito iluminista e principalmente positivista de Augusto Comte, já flertavam com uma mudança no regime político e fundaram uma República no Brasil. O Exército, por sua vez, além de ser o braço armado do governo, também era fortemente influenciado pelos ideais republicanos, em contrapartida da Marinha, que tinha por tradição os ideais monárquicos.
Frente a toda essa tensão, uma das grandes alegações dos oficiais do Exército brasileiro era o pouco reconhecimento que tinham frente ao governo. Somando a insatisfação dos grandes latifundiários, que era a força econômica, e a dos militares, que representavam a força bélica do Estado, estava dada a receita para uma grande mudança.
Havia, porém, uma questão importante a ser resolvida: os republicanos não tinham a força que precisavam para conseguir depor a monarquia no país, pois seus ideais ainda não eram populares ou bem recebidos pela população. De fato, a grande massa brasileira não conhecia as ideias positivistas, e o apelo ao império mantinha-se forte. Era preciso, portanto, de alguém que passasse credibilidade à população. Não estamos falando de carisma, mas sim da confiabilidade e segurança, e nisso Deodoro era a figura perfeita. Herói de guerra, militar conhecido e experiente, ele foi cooptado a ser o grande porta-voz da frente republicana.
Deodoro, porém, inicialmente recusou a ideia de retirar seu amigo D. Pedro II do cargo que ocupara. Além das questões de amizade, Deodoro também afirmava que o Brasil não estava preparado para a República, uma vez que a sociedade não possuía as bases para construir um país democrático por excelência.
Foi aí que a história do país mudou para sempre. Os militares e os republicanos, na tentativa de mudar a opinião do Marechal, criaram um boato, que dizia que Deodoro seria preso e seu gabinete desfeito, estando um inimigo pessoal dele já nomeado para sucedê-lo. Foi então que o Marechal, mesmo doente, saiu de sua casa e, junto com o Exército, aplicou um golpe, declarando uma República Provisória em 1889. Esta República só viria a tornar-se permanente em 1893. Assim, o boato conseguiu concretizar os desejos dos adversários do imperador.
O legado de Deodoro da Fonseca
Sabemos que o governo de Deodoro da Fonseca passou longe de ser um dos melhores vividos pelo Brasil. Os problemas que o país enfrentava não desapareceram com a deposição de D.Pedro II e a recém-fundada República já dava sinais de que não seria um governo harmonioso. A crise econômica se estendeu a partir do problema do Encilhamento, e as discussões políticas, cada vez mais acirradas, levaram o presidente Deodoro a dissolver o Congresso e governar sob estado de sítio.
Além dos problemas externos a serem enfrentados, Deodoro encontrava-se bastante doente. Acometido por asma e problemas cardíacos graves, o Marechal não tinha condições de ser o chefe do poder executivo de forma plena. Por isso, seu governo durou até 1891, quando, em meio a forte crise política, a Marinha do Brasil, que permaneceu fiel à monarquia, ameaçou bombardear a cidade do Rio de Janeiro. Era a famosa “Revolta da Armada” que apostou contra a própria capital do Brasil para conseguir suas reivindicações. Para não agravar ainda mais a situação, Deodoro assinou sua renúncia, acabando assim o governo do primeiro presidente do Brasil.
Deodoro deixou o poder e veio a falecer em 1892. Apesar dos problemas enfrentados em seu governo, das dificuldades de gerir um país desde o começo dividido em ideais e formas de vida, Deodoro da Fonseca foi, acima de tudo, um patriota. Abriu mão do poder para não ver a capital do país ser bombardeada pelos seus próprios cidadãos.
Queremos finalizar destacando que talvez esse tenha sido seu principal legado. Sem filhos de sangue, seu herdeiro foi o Brasil, o país pelo qual doou a maior parte de sua vida. Batalhou em diversas guerras e revoltas populares, foi ferido gravemente, lutou pela abolição da escravatura e, já com idade avançada, mesmo sendo ludibriado, não desistiu de lutar por um país melhor, onde a população pudesse ter uma maior qualidade de vida. Assim, acabou proclamando a República e doando seus últimos anos por esta nação. Enquanto presidente, chegou a cometer erros, é verdade, mas nunca deixou de misturar os interesses próprios com os interesses da pátria.