O Carnaval está chegando, essa festa milenar que é celebrada em todo o mundo. Você sabia que esse momento, em que todo o país entra em clima comemorativo, é uma data com significado muito especial? Nos dias atuais, associamos este momento a 4 dias de folga e muita festa, e muitas vezes brincamos que o ano só começa mesmo após o Carnaval! Mas, na verdade, por trás desse período há uma grande reflexão sobre a nossa vida espiritual.
A palavra carnaval origina-se do latim carne vale, que significa “adeus à carne”. Alguns a associam à ideia da Quaresma, que vem após essa data, e que inclui uma série de restrições alimentares, dentre elas a de não comer carne. Mas há outra relação com a carne, a “nossa carne”, a do corpo, os prazeres carnais, que ficam totalmente soltos, liberados, durante esses dias de Carnaval, pré-Quaresma. É importante lembrar que essa festa existe antes mesmo da doutrina cristã, logo, não é apenas uma associação com o período da Quaresma. Na verdade, o Carnaval representa, na sua origem, esse momento em que nosso aspecto material, e mesmo instintivo, assume, por alguns dias, o controle de nossas vidas. É por isso que em geral essa festa está ligada a vícios, a sexualidade exagerada, ao corpo e todas as suas nuances. O “adeus à carne”, nesse sentido, é o exercício de viver esse aspecto mais voltado aos instintos para que o corpo possa se purificar.
Sim, pois só há purificação quando algo está impuro. Para viver a purificação, faz-se o uso dessa festividade em que se exagera nos prazeres para que, após o Carnaval, se reflita sobre a necessidade de viver o caminho espiritual em detrimento desses elementos mais instintivos, por assim dizer.
Mas qual a necessidade de uma festa que evoca nossas partes mais baixas? Não deveríamos sempre buscar nos elevar? As antigas tradições falavam que o ser humano precisa de um contraste, um choque de consciência para poder aprender. Em meio a tantas vivências do cotidiano, o homem se esquece do espiritual e cai no mundano, na “carne”. Daí surge uma data especial para fazer com que o homem aprenda o real valor do espiritual, da ordem, de uma lei inteligente, para que isso não caia totalmente no esquecimento.
Pode parecer algo contraditório, mas de fato aprendemos por meio da dualidade. Só conseguimos compreender, por exemplo, o que é o bem quando o comparamos com o mal; o alto com o baixo; o quente com o frio. É verdade que todas essas dualidades são aparentes, pois todas partem de um ponto de vista particular. Mesmo assim, precisamos desses referenciais opostos para construir nosso saber. Portanto, o Carnaval não é apenas mais uma festa ou celebração, mas um momento da natureza que exprime um desses extremos e que nos faz, posteriormente, refletir sobre o seu contraste: o espírito.
Como já apontamos no começo deste texto, muitas tradições do passado possuíam os seus “carnavais”. Para não nos alongarmos em exemplos, falaremos do Carnaval que mais se assemelha com o dos dias atuais: o da Roma Antiga. Nessa festa, todos os anos, por um período de 3 dias, os governantes do Estado, na figura do Imperador principalmente, se ausentavam. O Rei saía do seu posto e no seu lugar assumia um “rei bobo”, que estimulava os festejos, a comilança, a bebida em excesso e as comemorações desmedidas. Ocorria uma inversão total dos valores e dos hábitos durante essas festas: homens fingiam ser mulheres, os ricos se comportavam como escravos e um palhaço dava as ordens e conduzia tudo. Isso resultava num caos total, na desestruturação da ordem social. Apesar de terem vivido muitos prazeres, após esse período, os locais se tornavam insuportáveis para viver. Dessa forma, todos percebiam a necessidade da presença do Rei, fazendo-os reconhecer o valor da ordem no Estado.
Aqui podemos compreender a necessidade da ordem diante da desordem, a da purificação diante da sujeira. Muitas vezes ficamos no “meio” desses dois extremos, mas, na verdade, o que ocorre é que, na grande parte das vezes, não reconhecemos o valor das virtudes e acabamos colocando-as em segundo plano. Ao vivermos uma realidade em que há ausência dessas qualidades, nos relembramos da importância de mantê-las em nossa vida. Nesse sentido, a população que viveu intensamente os três dias de festa e fanfarra acaba por, ao fim desse período, clamar pelo retorno dos seus governantes. Isso ocorria como um símbolo, afinal, o Rei, para as antigas tradições, era uma referência de ser humano sábio, de conexão com o Divino e de contato com os princípios espirituais. Quando ele saía da cidade, isso simbolizava que o aspecto mais espiritual do ser humano havia se ausentado, e então se iniciava a dissolução dos princípios e da moral, deixando o corpo, a carne, vazio. Da mesma forma que a vida sem o Espírito entra em caos, a sociedade também não pode se manter sem princípios superiores. Era exatamente isso que essa celebração mostrava.
Apesar de hoje em dia nossa sociedade não refletir muito sobre a verdadeira essência por trás dessa festa, tal ideia é tão própria do ser humano, que pode ser encontrada em várias tradições, tais como as festas de Saturnália em Roma e as festas do deus Dionísio (Baco) na Grécia Antiga.
Mesmo não estando explícita essa relação hoje, isso não nos impede de viver e refletir sobre esta ideia, de reconhecer muitas vezes o caos que nós mesmos criamos, e de, através disso, aprendermos a valorizar a ordem.
Então, vamos procurar descobrir o verdadeiro sentido de uma vida equilibrada, ordenada e sagrada, através desses momentos tão felizes que vivemos nesse período do Carnaval. Que possamos aprender que, mesmo com muito prazer e diversão, a vida só tem sentido quando é governada pela Virtude.
Se você ficou curioso para saber mais sobre esta celebração, como ela era vivida na antiguidade e quais são seus significados simbólicos, confira o vídeo abaixo da Profª Lúcia Helena Galvão, e tenha um excelente Carnaval!
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