Conto Zen – Presente de Insultos

Imagina que você está na sala de sua casa, quando alguém entra e toma seu corpo para si. Esse nefasto visitante faz seu corpo se movimentar como quer. O faz dar cambalhotas e pular como um macaquinho. O faz correr, suar e se arriscar. Terrível, não? Vergonhoso, talvez? Agora imagine que foi você mesmo que deu o controle a esse visitante, simplesmente por não estar atento. Não te irritarias contigo mesmo? E se eu dissesse que todos os dias, você entrega esse tipo de controle a alguém? Não o do seu corpo, é claro, mas de um veículo muito mais importante do seu Ser: a sua mente.

Para explicar melhor essa ideia, convidaremos um velho filósofo romano chamado Epíteto. A biografia deste homem merece um texto por si só (comentem no final se quiserem que escrevamos um pouco mais sobre ele). Escravo durante boa parte de sua vida, definia-se como o homem mais livre de Roma. E certamente o era. Seu senhor, Epafrodito, era secretário de Nero e afeito a ataques de ira. Certa vez, bateu com tanta força na perna dele, que o deixou manco para o resto da vida. Qualquer um nesta situação acharia perfeitamente compreensível que o filósofo nutrisse um sentimento de vingança, ou que fosse tomado pela raiva. Mas, como o mestre sábio do nosso conto, ele permaneceu em paz, sereno, afinal, compreendera que ele não era a sua perna. E o incômodo de sofrer uma injustiça? Se perguntássemos isso a ele, não parece muita ousadia pensar que ele responderia: “Esse é o preço com que compro a minha paz de espírito”.

Este grande filósofo, cuja vida foi o exemplo prático de seus ensinamentos, nos diz em suas obras:

“Se alguém entregasse teu corpo a quem chegasse, tu te irritarias. E por que entregas teu pensamento a quem quer que apareça, para que, se ele te insultar, teu pensamento se inquiete e se confunda? Não te envergonhas por isso?”

De fato, não deveria nos constranger o fato de estarmos tão desatentos ao ponto de alguém poder facilmente nos manipular? Alguém que deseja ser livre, precisa ter o domínio de si mesmo em qualquer situação. Responda com sinceridade, você nunca perdeu a compostura no trânsito? Ou com aquele colega chato que vive batucando na mesa? Ou quem sabe já não aguenta nem ouvir a voz daquele ou daquela “ex”? Pois saiba, aquele que te irrita tem um poder sobre você. Tal pessoa pode acabar com o seu dia a hora que quiser, pode transformar o seu sorriso em ranger de dentes, em segundos.

“Qualquer pessoa capaz de te irritar se torna teu mestre; ela consegue te irritar somente quando você se permite ser perturbado por ela.” Epíteto

Esse é o segredo de todos os manipuladores. Eles usam sua emoção contra você. Ou te insultam até que, transtornado, você acaba por fazer algo que te faça parecer condenável, e lhes deixem como mocinhos. Ou te elogiam desmerecidamente, para ganhar sua boa vontade e com isso seu favor. Ou ainda, abusam de sua compaixão, fazendo o papel de coitadinhos para obterem vantagens pessoais. Quem nunca emprestou dinheiro à um mau pagador, por sentir pena, por exemplo? E o pior de tudo é que isso só é possível porque você permite.

Vejamos o caso do nosso conto. Um guerreiro experiente não baixa a guarda nunca. Ele está focado no que é a verdade e não na opinião alheia. Alguém o xinga, e certamente ele faz duas reflexões: se for mentira, não há por que se exaltar, já que ele sabe que não é o que dizem dele. E se for verdade? Nesse caso, o guerreiro ficaria grato, pois agora ele pode ver uma aresta de sua própria personalidade que ele pode lapidar e, assim, crescer como ser humano. Sabem o que Epíteto diria sobre isso?

“Se alguém lhe disser que uma certa pessoa fala mal de você, não se justifique sobre o que é dito, mas responda: ‘Ele ignora minhas outras falhas, senão não teria mencionado só essas'”

Sábio e bem humorado esse filósofo, não? Então, que tal tomar a decisão de ser senhor de sua própria vida? A primeira ação é focar atenção no que realmente importa. Se te insultam, ou te elogiam, receba como um velho guerreiro zen, repetindo para si mesmo: “Não perderei o meu controle por tão pouco!”. Assuma um compromisso de continuar sendo você, independente das circunstâncias, ou das pessoas. Considere que aquele que te agride está dando a você exatamente aquilo que ele tem condições de dar. É ele também um ser humano com história, traumas, batalhas, amores e desejos. Talvez, esteja vivendo um grau de ignorância maior que o seu. Então, por que não seria normal esperar exatamente esse tipo de comportamento? Não seria loucura zangar-se contra uma abelha que ferroa seu dedo? Ela é uma abelha, se não ferroar, o que mais fará? Recorda-te que ao mesmo tempo em que zune e ferroa, esse inseto também produz a doçura do mel. Por que com o guerreiro infame que te molesta seria diferente? Se você olhar generosamente para seus oponentes, há uma possibilidade real de encontrar um ponto de concórdia com ele. E, quem sabe, aquela raiva não se transforma em compaixão e tolerância…

Assim como no conto “O presente dos insultos” é também na sua vida. Todos os dias algum infame guerreiro tenta derrotar você, lhe oferecendo presentes de grego. Mas, quantas vezes você escolhe conscientemente não os receber? A maior parte das vezes, apenas reagimos como um cão raivoso faria. Sim! Nesse momento, o que reage não é a nossa consciência humana, mas o animal em nós. A grande questão é: quem você quer ser? Quer ser alguém livre, e conscientemente escolher os presentes que aceita receber? Ou alguém que é um verdadeiro depósito, onde qualquer um pode jogar as piores emoções?

Lembre-se, sempre que reagimos a qualquer estímulo da vida, perdendo o controle sobre nossos pensamentos e emoções, quer dizer que entregamos a chave da nossa mente a alguém. Quem controlar esses estímulos terá sobre nós um poder quase absoluto. Então, não é chegada a hora de retomar as rédeas de sua própria vida? De escolher quando e contra quem realmente vale a pena se encolerizar? De não aceitar qualquer lixo que joguem sobre nós mesmos? Espero que você também aprenda com esse velho mestre, que somente uma pessoa pode realmente controlar você: aquele que você mesmo permitir.

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